domingo, 10 de maio de 2015

Novo livro de Jean-Luc Mélenchon e o Arenque de Bismark

7/5/2015, Editora Plon; Paris
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Comentários sobre o livro O Arenque de Bismark (O veneno alemão)

Primeiro, sobre o tal “Arenque de Bismarck”:


Arenque de Bismarck para François Hollande
17/4/2014, Brice Gruet, Géographies imaginaires/ Insolite (Comentário)

Na foto acima, François Hollande exibe sua barriquinha de arenques, visivelmente felicíssimo, ao lado de Angela Merkel (Foto Bundesregierung/ Bergmann).

Le Canard enchaîné dessa semana chamou atenção para uma incongruência cultural, em relação à qual se pode perguntar até que ponto foi desejada ou não... Conjecturas, essas, podem ir bem longe.

O que se sabe com certeza é que Angela Merkel recebeu em suas propriedades do Báltico, para uma visita “privada”, o presidente François Hollande. E a chanceler ofereceu uma barriquinha de arenques à Bismarck ao presidente da França. Hollande achou “maravilhoso” o presente.

Sem dúvida, o arenque bem preparado é ótimo, e o Báltico é farto desses peixes que são, em seguida, marinados em salmoura. O arenque foi produto importante durante todo o período medieval, notadamente nas Repúblicas Hanseáticas do norte da Europa. Durante a quaresma, e nos dias de jejum da cristandade, o consumo de arenque sempre foi considerável. Como o bacalhau nos países mais ao sul. Como se aprende de La Voix de la Russie, “a preparação tradicional alemã ‘arenques à Bismarck’ (em alemão Bismarckhering) parece ser a mais conhecida. O peixe é preparado em pequenos pedaços e marinado em sal, vinagre, cebola, grãos de mostarda e louro. Às vezes acrescenta-se cenoura cortada em cubinhos bem pequenos.

“Se o arenque fosse caro como caviar, o mundo inteiro preferiria o arenque” – dizia Bismarck, louco por arenque. Uma das versões reza que um vendedor de peixes de Stralsund, Johann Wihman, enviou em 1871 a Bismarck uma barriquinha de arenque especialmente preparado, e que o chanceler tanto apreciou, que autorizou que a preparação levasse seu nome, “arenque à Bismarck”. Segundo outras versões, um proprietário de restaurante de Flensburg foi quem enviou os arenques a Bismarck. Seja que tenha sido, a glória do arenque atravessou fronteiras nacionais. O autor de um livro de gastronomia publicado pela primeira vez em New York em 1913 escreveu: “provavelmente a glória de Bismarck estará já esquecida há mil anos, mas o arenque à Bismarck será servido até que esse peixe desapareça dos mares”.

Agora, em 2014, a Merkel oferece uma barriquinha de arenques à Bismarck a Hollande... Que sentido terá esse gesto que remete a episódios tão sombrios da história da França? Bismarck para os franceses está mais associado ao imperialismo e ao pangermanismo alemão, aos quais a Alsace Lorraine pagou alto preço. Ao mesmo tempo, todos os homens importantes (Bismarck é um desses) deixaram marcas na gastronomia de seu tempo. Se Hollande aceitou o presente foi, talvez, porque aquela época de guerras está suficientemente distante para que a carga negativa do personagem já esteja atenuada. Sobre a França, os alemães dizem Glücklich wie Gott im Frankreich, “Feliz como Deus na França”. Existe uma geopolítica culinária” (Geographica). (Da qual o sorrisinho zombeteiro da chanceler alemã naquela foto, parece fazer prova [NTs]).




Ontem, 5ª-feira, 7 de maio de 2015, a editora Plon lançou o novo livro de Jean-Luc Mélenchon, intitulado Le Hareng de Bismarck (Le Poison allemand) [O arenque de Bismarck (O veneno alemão)]. Eis o que o autor escreveu na quarta-da-capa:

Esse livro é um panfleto. Assumo para mim o direito de criticar a Alemanha. Por que não? Não viram como a Alemanha tratou a Grécia? Aperitivo para o que fará com a França? Nesse livro denuncio o grave perigo em que a Alemanha converteu-se para seus vizinhos e parceiros. Denuncio a arrogância dos banqueiros alemães e o dito “modelo” que a Alemanha quer impor à Europa para vantagem exclusiva da própria Alemanha. Mostro o quanto de atraso para nossa civilização implicará nos rendermos ao “modelo” alemão. É um alerta. Além-Reno nasceu um monstro: filho da finança completamente desregulada e de um país dedicado integralmente à finança, necrosado pelo envelhecimento acelerado da população. Essa aliança macabra está em campo, para remodelar a Europa à feição dela.

É fato que a Europa vai mal. O veneno alemão é o ópio dos ricos. Mudar nossa vida e fazer a Alemanha mudar é uma e a mesma coisa. Para Jean-Luc Mélanchon, da Frente de Esquerda (Front de Gauche), É preciso fazê-lo, antes que seja tarde demais

Atualização: Entrevista Jean Luc Mélenchon a Emmanuel Berretta do Le Point

Jean-Luc Mélenchon
Para a revista Le Point, o livro é mesmo um panfleto: “O líder da Frente de Esquerda ataca o modelo alemão, em livro que, simbolicamente, será lançado dia 7 de maio”. [1] Aqui, Mélenchon responde perguntas da revista Le Point, sobre seu livro.

Le Point: Em política é preciso ter sempre um inimigo. Nesse panfleto “O arenque de Bismark”, o senhor designa o seu novo inimigo: os alemães. Por que a mudança? Por que os alemães, não mais os EUA?

Jean-Luc Mélenchon: Calma lá! Devagar com o andor... Nada disso. Meu estado de espírito não é esse. Não me oponho a algum ‘genoma’ alemão que os empurraria a sempre querer dominar. Quanto a inimigos, tenho inúmeros! O que não me falta é inimigo. Meus inimigos são os mesmos de antes: a finança e o produtivismo. A questão é que a Alemanha tornou-se a ‘vanguarda’ da finança e do produtivismo! Para começar, não apenas a Europa não é mais o grande projeto social com o qual sonhávamos: a Europa já não é sequer garantia de paz. 


Isso, porque, no concerto das nações, uma delas, a Alemanha, toma a frente dos demais e impõe um modelo econômico, o ordoliberalismo.

O ordoliberalismo serve aos interesses da Alemanha, mas conduz inelutavelmente à catástrofe. Meu livro é um grito de alerta. A Europa vai afogar-se na violência dentro de cada país e também entre os países. O suplício da Grécia está aí, como prova.

Le Point: E o que é o ordoliberalismo?

Jean-Luc Mélenchon: Os alemães inventaram essa velha teoria. Segundo ela, a política é frivolidade, e a economia é sagrada. São consagradas portanto, como intocáveis, as regras econômicas; são consideradas como leis da natureza. Assim sendo, as leis econômicas são postas fora do alcance das decisões políticas. Na realidade, é uma espécie de embalagem para um egoísmo bem preciso de classe média. Mme Merkel governa um país que está em pane demográfica. A maioria dos eleitores dela são aposentados! A aposentadoria por capitalização, dos idosos alemães, exige a cada dia mais dividendos. Quer dizer: menos salários e menos investimentos. Reina a finança! A finança domina o capitalismo alemão, graças à desregulação total organizada pelo Partido Socialista alemão: é desregulação plena, total, o cúmulo.

Le Point: Daí a regra de ouro dos déficits?

Jean-Luc Mélenchon: De manter os níveis determinados para os déficits, sim, é isso. Mas além disso, o dinheiro é fetichizado, a inflação e a dívida são demonizadas. É uma visão dogmática muito enviesada. Os líderes alemães a assumem sem se darem conta do que estão fazendo. Por isso aquele odioso ministro alemão da Economia, M. Schäuble, declara que “a França gostaria muito de que alguém mandasse no Parlamento...” e, na sequência, lastima: “mas não será possível. É a democracia”.

Essa frase é como um manifesto do ordoliberalismo: a democracia é um problema para eles, porque a democracia permite que o político desminta e renegue o dogma econômico. A França, sua história, a cultura francesa são o contrário do ordoliberalismo: todas as nossas constituições republicanas “intrometem-se” na economia. Por que a França deveria renunciar ao nosso modelo?

Aos meus olhos, o modelo francês é superior ao modelo alemão, no que tenha a ver com organizar a vida humana em sociedade. O ordoliberalismo é antirrepublicano. Ele destrói os laços sociais e a vida cívica.

Le Point: Pierre Moscovici diz que o senhor comete um contrassenso. Para ele, Schäuble não falava a sério, era brincadeira...

Jean-Luc Mélenchon: O servilismo de Pierre Moscovici dá vergonha.

Le Point: Desculpe, mas os alemães não nos impõem coisa nenhuma. Já há nove anos nós respeitamos a regra dos 3% de déficit. Quer dizer: os franceses damos alegremente as costas ao ordoliberalismo.

Jean-Luc Mélenchon: É incrível isso que você está dizendo. Quer dizer que tratados inaplicáveis deveriam ser considerados santificados? Tratados são assuntos humanos. É preciso discutir o conteúdo dos tratados em relação aos resultados deles. A Europa estamos nadando em felicidade? Não, não estamos. O desemprego e a miséria martirizam massas humanas consideráveis. Por todos os lados a extrema direita está em ascensão. E a Alemanha acumula os excedentes comerciais. E o que faz com eles? Ela põe os excedentes nos mercados financeiros, porque a Alemanha sufocou, em toda a Europa, a atividade econômica. Ao fazê-lo, a Alemanha alimenta ela mesma a bolha financeira que logo, logo, explodirá. Aí está: bom-dia, modelão.

Le Point: Passa pela sua cabeça realmente que François Hollande possa vender aos alemães o modelo francês?

Jean-Luc Mélenchon: Não. François Hollande mudou de lado. Ele governa para o ordoliberalismo. Os franceses não sabiam que, votando em Hollande estavam elegendo Merkel. Ele até já confessou: “A França quer ser o melhor aluno na sala de aula europeia”. Para mim, a França não é aluna de ninguém e muito pode ensinar a outros. E, em vários assuntos, melhor que seja a mestra.

Le Point: Quem lê o que o senhor escreveu, deduz que os alemães reivindicam uma reputação de seriedade a que não fazem jus.

Jean-Luc Mélenchon: Os franceses adoram modas, ondas sucessivas de “modelos”. Já tivemos a moda dos “dragões asiáticos”, depois dos “tigres europeus”, como Irlanda ou Espanha. Todos tigres de papel, isso sim, que naufragaram na explosão da bolha financeira em 2008. E agora aí está o “modelo alemão”, eficaz, disciplinado. Que ilusão!

A economia alemã está dilapidada. Infraestrutura e equipamentos públicos em ruínas, 12 milhões de pobres, cada vez menos crianças, jovens que se mudam do país, velhos que ficam para trás e expectativa de vida cada dia menor, quem quer ser alemão? Meu livro retoma o debate europeu.

O que se anunciava é que faríamos a Europa, sem desfazer a França. O que se vê hoje é que se desfaz a França, sem fazer a Europa dos seres humanos. A Alemanha nos domina, nos corrige, nos separa de nossas bases mediterrâneas. O que resta? Só um grande mercado que nega nosso modelo colbertista, que é nosso patrimônio. Na França, o empresário vive à frente do pelotão posto ali pelo Estado. Quando se tentam as fusões, é o estado que toma as rédeas do processo. E hoje temos 50% do mercado mundial. Não há uma única medida europeia bem sucedida que, na origem, não seja francesa. Nenhuma. A Alemanha nos faz afundar.

Le Point: O senhor dá a impressão que a França nada mais tem a fazer com a Alemanha...

Jean-Luc Mélenchon: Não, não digo isso, nem nesses termos. Seja como for, a Alemanha está aí. Mas não podemos aceitar que nos domine. Meu livro mostra os abusos de poder. E a mania de impor aos demais o que a Alemanha ache bom para ela. A saída razoável não é entrar em luta, mas pôr a Alemanha no lugar dela. E fazer ouvir, sem complexos, nossa mensagem francesa universalista.

O aposentado alemão não é o único do mundo; e é preciso levar em conta a sorte dos jovens franceses, dos jovens de todo o planeta. A Europa é a primeira potência econômica do mundo. Isso nos impõe responsabilidades. O ordoliberalismo alemão não permite que assumamos as nossas responsabilidades. Nenhuma delas.
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Nota dos tradutores

[1] Dia 7 de maio de 1945 o exército alemão assinou a rendição militar. Dia seguinte, na noite de 8 para 9 de maio de 1945, à 0h16 na Rússia (23h16 no ocidente), na vila de Karlshorst, quartel-general do marechal Georgi Joukov, nos arredores de Berlim, onde é hoje o museu germano-russo Berlin-Karlshorst, foi assinada a rendição incondicional do 3º Reich às forças aliadas). O ato de capitulação entrou em vigor às 23h1, hora local (na Europa Central), dia 9 de maio, 1h1, hora de Moscou. Por essa razão, toda a Europa Oriental comemora o fim da guerra no dia 9/5 

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