quarta-feira, 27 de maio de 2015

Risco geofinanceiro depois das “guerras do Tesouro” e a direção dos fluxos de energia


16/4/2015, [*] Conflict’s Forum - Alastair Crooke, Valdai Discussion Club
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Risco ↔ Recompensa
Já é costume considerar os negócios de energia em termos de riscos políticos (governos falidos, agitação interna, etc.) e em termos de risco econômico convencional. E no passado considerava-se primordial avaliar o risco geopolítico. Entendia-se que a política determinava largamente as condições financeiras e de energia. Uma vinha depois da outra, e não mudava. Mas [esse modelo] será ainda apropriado hoje?
Talvez devamos começar a reavaliar – porque hoje, cada vez mais, é o risco geofinanceiro que está modelando o risco geopolítico.
Na circunstância especial do pós-guerra, a economia dos EUA efetivamente era a única economia desenvolvida que permanecia em pé (dominava 50% do comércio mundial); e os EUA podiam modelar as estruturas de Bretton Woods a favor da sua própria agenda – com o US$ na posição indiscutível de moeda global de reserva, e com influência dominante no FMI e no Banco Mundial. Assim os EUA conseguiram pegar para eles a governança econômica global.
Depois, passada a infeliz experiência dos EUA e suas intervenções militares decisivas por todo o mundo para manter seu controle sobre a ordem global, o Tesouro dos EUA passou a alavancar a posição privilegiada do dólar com o que se pode chamar de “guerras do Tesouro”. Usando com liberalidade, a favor de seus objetivos políticos a sua bomba (financeira) de nêutrons: a exclusão do comércio e do sistema financeiro baseados no dólar.
Hoje, temos guerra geofinanceira movida contra a Rússia (em menor extensão também contra a China) e o Irã, dentre outros. E a mesma ferramenta tem sido usada mais discretamente para deslocar chefes de governos europeus. Em resumo, as guerras do Tesouro tem usado guerra de informação, guerra psicológica, drones e “operações especiais” como ferramentas principais para manter o controle numa ordem global que se está desintegrando.
Guerra do Tesouro
A questão é que ao introduzir nova dimensão de risco, empurrando Rússia e China a desenvolver sistema de comércio e de trocas financeiras não baseado no dólar com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade desses dois estados à ação dos EUA na jurisdição do dólar, os EUA embarcaram numa competição que afetará todos – mas muito particularmente o Oriente Médio. Já se veem Irã, Turquia e Egito (três pilares do Oriente Médio) – por diferentes razões – já se transferindo para o bloco eurasiano do não dólar.
Inevitavelmente os fluxos de energia para o futuro serão afetados pelo resultado dessa “guerra” geofinanceira. Nada faz supor que o modelo de diferentes alianças geofinanceiras que emerge dessa ‘guerra’ venha a corresponder ao mapa político hoje existente (pós Guerra Fria).
O mais provável é que os dois lados venham a se “interpenetrar”. Por exemplo, no Oriente Médio, haverá vencedores e perdedores entre os produtores de energia: alguns estados da OPEP podem acabar num lado da guerra financeira, outros, no lado oposto.
O que faz aumentar os riscos (e a imprevisibilidade) dessa nova modalidade de guerra, é que acontece num momento em que as políticas de juros zero [ZIPR, zero interest rate policy] e de Alívio Quantitativo [QE, quantitative easing] criaram uma imensa dívida (US$ 9 trilhões) denominada em dólar e muito vulnerável a oscilação da taxa de câmbio – mas isso é, precisamente, o que temos hoje.
A “guerra” dos preços do petróleo contribuiu para as guerras da moeda: temos “guerra” de sanções operando ao lado da “guerra” das taxas de câmbio, ao lado das “guerras” da moeda e das “guerras” dos preços da energia – e tudo isso acontecendo ao mesmo tempo em que foi inflada uma das maiores bolhas de ativos na história, e que foi inflada pelo nosso tsunami, sem precedentes, de emissão de moeda.
"Quantitative Easing"+Alívio Quantitativo
Ninguém sabe o que resultará dessa mistura incendiária (a economia tradicional pouco pode ajudar) – mas o que é certo é que produtores e consumidores de energia, ambos, têm de examinar os riscos, de um ponto de vista radicalmente diferente.
Esse ponto de vista mistura a realidade da vulnerabilidade financeira sistêmica, com a dinâmica da guerra geofinanceira que alguns países estão fazendo, ao mesmo tempo em que outros países e regiões buscam escapar da hegemonia dos EUA, construindo contexto de não-dólar.
Não há dúvidas de que o mapa dos oleodutos futuros e a direção do fluxo do óleo que eles transportarão serão largamente determinados por essa guerra complexa. Haverá perdedores gigantes e vencedores idem.
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[*] Alastair Crooke, às vezes erroneamente referido como Alistair Crooke, (nascido em 1950) é um diplomata britânico, fundador e diretor do Conflicts Forum, uma organização que defende o engajamento entre o Islã político e o Ocidente. Anteriormente, foi figura proeminente, tanto da Inteligência Britânica (MI6) como da diplomacia da União Europeia como conselheiro para assuntos do Oriente Médio de Javier Solana (1997-2003), no cargo de High Representative for Common Foreign and Security Policy da União Europeia. Foi ácido crítico da violência e saques militares contra os territórios palestinos e movimentos islâmicos de 2000-2003. Esteve envolvido nos esforços diplomáticos no Cerco da Igreja da Natividade, em Belém. Foi membro do Comitê Mitchell sobre as causas da Segunda Intifada, em 2000. Manteve encontros clandestinos com a liderança do Hamas em junho de 2002. É defensor ativo do engajamento do Hamas no processo de paz na Palestina, a quem ele se referiu como “Combatentes da Resistência".
Crooke estudou na University of St Andrews (1968–1972) do qual ele obteve um mestrado em Política e Economia. Seu livro Resistance: The Essence of the Islamist Revolution fornece informações sobre o que ele chama de “revolução islâmica” no Oriente Médio, ajudando a oferecer insights estratégicos sobre as origens e a lógica de grupos islâmicos que adotaram resistência militar como uma tática, incluindo Hamas e Hezbollah. Seguindo a essência da Revolução islâmica desde as suas origens no Egito, através de Najaf, Líbano, Irã e da Revolução Iraniana até os dias de hoje, desbloqueando algumas das questões mais espinhosas que cercam estabilidade na atual paisagem do Oriente Médio.

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