Alipio Freire
Ainda que possa parecer para muitos de vocês que estou "chovendo no molhado", sinto-me no dever de repetir:
Vivemos hoje, no Brasil, encruzilhada das mais sérias desde o golpe de 64.
Não interessa muito, a esta altura, as nossas opiniões pessoais sobre os limites das políticas do Partido dos Trabalhadores; da sua política de alianças; do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva; etc. Interessa menos ainda as nossas simpatias pessoais ou opiniões pontuais sobre a candidata Dilma Rousseff (minha candidata desde o primeiro turno).
O que escolhemos nesta eleição é simplesmente o seguinte: ou vamos com a candidata Dilma, e os seus limites, ou escolhemos o candidato da “santa” aliança Demo-Tucana, o senhor José Serra, com sua absoluta falta de limites políticos, éticos e morais.
Não adianta mais discutirmos as falcatruas com as verbas públicas levadas a cabo pelo dois blocos que hoje polarizam a disputa; tolice descobrir ou avaliar quem roubou mais, se os Sarneys ou os Henrique Cardosos; se este ou aquele dirigente petista, ou o ministro Sérgio Motta para a compra do Congresso visando o segundo mandato para o Príncipe dos Sociólogos; se os filhos deste ou daquele presidente, ou daquele governador cuja descendência praticamente monopolizou os pedágios de São Paulo privatizados pelo pai, etc. etc. etc.
Obviamente todas essas coisas estão erradas e, se nos afligem não importando qual dos lados as tenha praticado, para o bloco Demo-Tucanos, não há qualquer reação de repúdio ou censura aos seus membros que assim sempre agiram, agem e agirão: não enrubescem. Pelo contrário, providenciam apenas os Gilmar Mendes para colocar na presidência do STF. Na verdade, o Demo saqueia o país, desde antes de sermos Brasil, quando este território atendia apenas e genericamente por Pindorama, e aqui desembarcaram em 1500. Nos ancestrais do Demo está a responsabilidade de todas as mazelas que vimos herdando há tantas gerações. No Demo está a matriz da corrupção, do Estado autoritário, da escravidão, da tortura, da repressão e de todas as misérias que assolam o país e que conhecemos sobejamente.
Mas não é isto o que fundamentalmente está em jogo neste momento.
Também não está em jogo o programa econômico (macro) das duas candidaturas – na atual conjuntura internacional, e com as estratégias definidas por vários dos partidos de esquerda, essas políticas econômicas dificilmente poderiam ser outras que não as que estão na praça. No entanto, entre uma perspectiva de crescer com distribuição de renda ou com concentração de rendas, sem sombra de dúvidas, a primeira alternativa (representada pela candidatura Dilma Rousseff) é a que mais convém ao nosso povo. Chamo a atenção de alguns camaradas mais radicalizados para o seguinte: não haverá Armagedon ou Apocalipse Socialista. O povo não morrerá de fome hoje, para ressuscitar em pleno Esplendor da Aurora Socialista, quando os rios jorrarão leite e mel. Não haverá qualquer profeta Daniel do Velho Testamento, ou o São João, do Novo Testamento, capaz de prover milagre de tamanha envergadura. Isto não existe, senão nas pobres cabeças de alguns, acostumados a fazer três refeições por dia, e a não passar frio nem calor, resguardados por um conforto que deveria ser igual para todos.
Mas, muito mais que isto, o que está em jogo nesta eleição é ainda mais grave que esta escolha de programa de crescimento.
Trata-se, na verdade, de escolhermos entre uma candidata que quer e fará o possível para nos preservar do fascismo que se expande em todo o Mundo (sobretudo nos países centrais do capitalismo), ou um candidato cuja campanha e cujas declarações e estratégias apontam para um alinhamento exatamente com o fascismo.
E não se trata de figura de retórica, discurso de palanque, o que aqui escrevo.
Enquanto na Europa e nos Estados Unidos cresce a xenofobia, o ódio contra os trabalhadores imigrantes; enquanto na Itália o Congresso aprova uma lei que permite e estimula a criação de "rondas de cidadãos" (leia-se, formação de milícias paramilitares); enquanto na Suécia, a ultradireita conquista cadeiras no Parlamento; enquanto na Holanda, a ultradireita cresce no Parlamento - podendo vir a se tornar maioria; enquanto o Governo de Washington – mascarado pela melanina do seu presidente - barra o acordo Brasil-Turquia-Irã, que poderia abrir um importante canal de negociações pacíficas para aquela região que vive hoje a ameaça de invasão pelos EUA e seus aliados, tipo as que foram levadas a cabo no Iraque e no Afeganistão – ocupados até hoje, a ferro e fogo, pela democracia estadunidense; etc. etc. etc.
O senhor candidato da aliança Demo-Tucana segue a mesma linha em sua campanha.
Sim, meus camaradas e amigos: a linha de campanha do senhor José Serra é uma linha fascista. E não é necessária muita análise ou qualquer metafísica para concluirmos isto:
Quando o senhor José Serra ataca sua adversária por ter lutado bravamente na resistência contra a ditadura, o senhor José Serra não apenas tenta criminalizar a candidata Dilma Rousseff e todos os seus companheiros de lutas dos anos 1960-1970, quando os liberais – longe de se oporem à ditadura (o que só farão a partir da metade da década de 1970), serviam de sustentação àquele regime. Significa criminalizar todos os que lutam hoje por seus direitos, todos os movimentos e organizações dos trabalhadores e do povo – como, aliás, têm agido as PMs nos Estados governados pela “santa” aliança que sustenta a candidatura do senhor José Serra.
Isto é fascismo.
Quando o senhor José Serra coloca a questão do aborto e sua estigmatização, como divisor de águas entre ele e a candidata Dilma Rousseff – estamos exatamente no terreno da intolerância fascista.
Quando o senhor José Serra tenta transformar a disputa política numa guerra religiosa - estamos no terreno privilegiado do fascismo. Aliás, a este respeito, certo filósofo alemão de origem judaica, já nos advertia no século 19 sobre as guerras religiosas enquanto o mais baixo degrau da política, e suas conseqüências para a maioria do povo. Fomentar a intolerância religiosa (ou qualquer outro tipo de intolerância) é fascismo.
Quando o senhor José Serra participa de regabofes no Clube Militar e estimula os encontros entre esses que deveriam ser os guardiões da legalidade e da nossa Constituição, e os lambe-botas da grande mídia comercial que pregam, sem pejo e desabridamente, o golpe contra as nossas instituições, estamos cara a cara com o fascismo.
Quando o senhor José Serra se dirige ao Clube do Pijama, que reúne a nata do que há de pior e mais reacionário dos oficiais da Reserva (e que garantiu a ferro e fogo, à base de seqüestros de opositores, aprisionamentos em cárceres clandestinos, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres, os 25 anos de ditadura), ressuscitando fantasmas tipo "República Sindical" e outros jargões que serviram de mote para o golpe de 1964, o senhor José Serra se comporta como um fascista.
Quando o senhor José Serra se articula com a grande mídia comercial para divulgar todo tipo de mentiras e aleivosias contra a candidata Dilma Rousseff e seus apoiadores, sem a menor vergonha de falsificar e publicar uma suposta ficha dos órgãos de repressão da ditadura sobre candidata Dilma Rousseff, o senhor Serra age como um fascista.
Quando o senhor José Serra conquista como apoiadores e se reúne com organizações paramilitares – verdadeiras societas sceleris – como a Tradição Família e Propriedade – TFP, e o Comando de Caça aos Comunistas – CCC, o senhor José Serra está se articulando com fascistas.
E somente fascistas se articulam com fascistas.
Quando o senhor José Serra, em atos aparentemente menores (e apenas demagógicos), como na sua lei antifumo, ou na criação da "nota paulista", e não equipa o Estado da quantidade adequada de funcionários para o controle dessas questões, transferindo esse controle para os cidadãos, estamos frente ao pior dos fascismos: a tentativa de transformar os cidadãos e cidadãs num grande exército de dedos duros e alcagüetes, um verdadeiro embrião das "rondas de cidadãos" do senhor Berlusconi.
Muito mais poderíamos apontar como atos que fazem do senhor José Serra um fascista. A lista, no entanto, seria grande demais (uma verdadeira lista telefônica).
Neste momento, o mais importante é que tenhamos todos muito claro, o que significam as duas candidaturas, onde se diferenciam fundamentalmente, e as conseqüências que enfrentaremos com a eleição de uma ou do outro dos candidatos.
A unidade, neste segundo turno, em torno da candidatura de Dilma Rousseff – do meu ponto de vista – tem um claro caráter de frente antifascista.
Sem sombra de dúvida, a unidade em torno do entendimento acima exposto sobre o significado das duas candidaturas e, em conseqüência, a escolha da candidata Dilma Rousseff constituem um ponto de partida fundamental.
Apesar disto, não é suficiente, não basta.
É necessário um passo a mais.
É necessário que nos organizemos e passemos à ação, de forma articulada com o geral da campanha. É necessário, portanto, que procuremos os comitês de campanha dos partidos aos quais sejamos filiados, ou os comitês suprapartidários que apóiam a nossa candidata.
Neste momento, circulam dezenas de manifestos de setores sociais, profissionais, religiosos, etc., com milhares de assinaturas em apoio à candidata Dilma Rousseff. É óbvia a importância de fazermos com que circulem em nossas listas via internet. No entanto, se nos detivermos apenas nisto, corremos o risco de conversarmos sempre e apenas entre nós. E é fundamental que consigamos sair do nosso círculo. Creio que uma boa maneira de faze-lo, de sairmos da tentação do espelho, seria – e que proponho – que reproduzíssemos grandes quantidades desses manifestos e, em grupos, fôssemos distribuí-los, nos locais de concentração dos sujeitos aos quais se dirigem esses manifestos e abaixo-assinados.
Por exemplo: no pé desta mensagem, repasso para todos um documento assinado por religiosos e leigos católicos e evangélicos. Pois bem, podemos reproduzi-lo e panfletarmos organizadamente nas saídas das igrejas e templos, conversando com as pessoas, explicando, convencendo aqueles que ainda tenham dúvidas, etc. Com o manifesto dos juristas, como um segundo exemplo, faríamos panfletagens nas portas de fóruns e tribunais nos horários de entrada e saída do pessoal, e assim por diante.
Temos de vencer o poder da grande mídia.
Para isto, vamos todos para as ruas, praças e avenidas – espaços privilegiados da nossa luta, pois é neles que podemos ser mais forte.
E nos encontraremos pelas ruas e praças do Brasil.