domingo, 1 de maio de 2011

Jogo forte no Gasodutostão Árabe

Pepe Escobar

30/4/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu




Arab Gas Pipeline

Mais uma vez essa semana o Gasoduto Árabe teve de ser fechado – foi suspenso o fluxo de gás para Israel e Jordânia. Uma “gangue armada desconhecida” bombardeou o terminal de gás de al-Sabil próximo da cidade litorânea de el-Arish, a menos de 350 quilômetros a nordeste do Cairo, na Península do Sinai. 

Dia 27 de março “uma gangue armada desconhecida” tentou, sem sucesso, explodir o terminal. Mas dia 5 de fevereiro conseguiram – e o fluxo de gás para Israel e Jordânia foi interrompido. 

A Península do Sinai é zona vermelha de facto. Quem manda ali são os beduínos locais. A segurança é precária. Armas contrabandeadas para Gaza e outras partes do Oriente Médio fluem pelo Sinai – quer dizer, à distância de tiro do Gasoduto Árabe. 

O Gasoduto Árabe é a estrela do Gasodutostão Árabe – que liga o gás egípcio ao norte de Israel e para o sul em direção ao Golfo de Aqaba e dali pela Jordânia e Síria via Damasco em direção ao Líbano. 

O Gasoduto Árabe pode crescer para leste e para oeste – as turbulências políticas e econômicas permitindo. De Damasco pode ir para o sul da Turquia e ali se conectar com o eternamente tumultuado e sempre em construção, jamais concluído Projeto Nabucco, de exportação de gás para a Europa. Outra possibilidade é o gasoduto crescer em direção à Itália e Espanha, incluindo o gás de Líbia e Argélia. 

Na cidade estratégica de el-Arish, o Gasoduto Árabe divide-se em dois: um dos braços toma o rumo nordeste, para a cidade israelense de Ashkelon. O gasoduto el-Arish-Ashkelon fornece gás a Israel desde 2008. No momento, Israel recebe 1,7 bilhões de metros cúbicos por ano. Antes da Praça Tahrir, havia planos de ampliar esse fornecimento para 2,1 bilhões. Como estão hoje as coisas, o Egito fornece cerca de 10% do mix de energia que abastece Israel, e é responsável por mais de 30% da eletricidade que Israel consome. Mais da metade de todo o gás natural consumido em Israel vem do Egito. 

Poucos lembram que o Egito – com produção de 63 bilhões de metros cúbicos por ano – é um dos maiores produtores de gás natural no Maghreb. Na África, só perde para a Argélia (80 bilhões). Enquanto o Egito está aumentando a produção, a Argélia está reduzindo. Cairo e Argel são concorrentes ferozes no mercado mundial de gás natural. Ao mesmo tempo, o Egito também está investindo pesadamente em gás natural liquefeito [ing. liquefied natural gas (LNG)] – a ser transportado por mar – para tentar livrar-se da perigosa dependência do Gasodutostão do Oriente Médio. 

As exportações de gás do Egito são estratégicas para toda a Região – mas, sobretudo para Israel. Atos de sabotagem podem ferir a economia e a segurança militar/energética de Israel. Mas também ferem a credibilidade regional e internacional do Egito como fornecedor estável – imagem da qual o regime de Hosni Mubarak cuidava com extremo zelo. 

Porque o presidente Anwar Sadat e depois Mubarak barraram todas as tentativas de diversificar a economia do Egito, o país teve de continuar a depender do turismo; de dinheiro enviado pelos trabalhadores egípcios no exterior; das taxas de trânsito pelo Canal de Suez; dos pagamentos por privatizações sempre suspeitas; e das exportações de petróleo, mas, sobretudo, de gás. Boa parte de todos esses fundos foram parar em contas de Mubarak em bancos suíços. 

Não surpreende que Israel tenha defendido Mubarak até o último instante. Os filhos de Mubarak, Gamal e Alaa, embolsaram centenas de milhões de dólares em “comissões” nas vendas de gás egípcio para Israel. Dado que Telavive pagava essas “comissões” em troca de obter gás a preços ridiculamente baixos, os egípcios nunca puderam nem sonhar com usufruir pelo menos uma parte dos benefícios por trabalharem nos campos de gás. Não surpreende tampouco que, em meados de abril, o novo primeiro-ministro do Egito Essam Sharaf tenha ordenado completa revisão de todos os negócios e preços negociados com Israel. 

A nova corrida do gás

Agora, há outro jogo fortíssimo que está sendo jogado no Gasoduto Árabe. A empresa Nobel Energy, que tem sede do Texas, encontrou reservas gigantescas de gás – da ordem de trilhões de metros cúbicos – no leste do Mediterrâneo. São águas em que se cruzam inúmeros atores regionais chaves: Israel, Líbano, Chipre, Gaza, Egito e Turquia. Não há tratados que demarquem águas territoriais. Há ali, para todos, nada menos que 300 anos de energia garantida; pelo menos em teoria, seria o fim da guerra regional por energia. 

A Turquia trabalha atualmente num complexo movimento para desenvolver um gasodutostão regional não só ao longo do eixo leste-oeste, mas também ao longo do eixo norte-sul. Isso implica cultivar uma complexa rede de relacionamentos com nada menos que nove países – Rússia, Azerbaijão, Geórgia, Armênia, Irã, Iraque, Síria, Líbano e Egito. Antes da Praça Tahrir, estavam já em andamento negociações sérias com vistas a estender um Gasodutostão Árabe que poderia conectar o Cairo, Amã, Damasco, Beirute e Bagdá. Esse movimento faria mais para unificar e desenvolver o Oriente Médio, que qualquer “processo de paz”.

O mesmo vale para o recém descoberto gás do Mediterrâneo. Um mundo ideal criaria uma corporação plurinacional para explorar o gás recém-descoberto, localizada talvez em Chipre, que é país neutro e membro da União Europeia. Assim se simplificaria a venda do gás para a sempre faminta Europa, que conseguiria depender menos do gás russo. 

Seja como for, a gigante russa Gazprom já está no jogo. A Gazprom russa já ofereceu ao Líbano seus serviços de prospecção. A China também está atenta, pronta para comprar de qualquer um. No momento, o coração de todo o movimento dessa nova Corrida do Gás concentra-se no aeroporto de Chipre. A empresa Delek – que controla a segunda maior quota, depois da Noble Energy, dos direitos de extração do gás em Israel – quer instalar uma refinaria de gás liquefeito em Chipre, em local estrategicamente selecionado, entre duas bases navais dos EUA. 

Quer dizer: vai dar confusão – sobretudo com EUA/Israel tentando manter o controle da mesa de jogo, enquanto os governos árabes ainda pensam que poderão usar todo esse gás que têm guardado no subsolo, como modo de sobrepujar a hegemonia econômico-militar de Israel. 

Pelo menos num front, a grande revolta árabe de 2011 pode ainda sonhar com um futuro radioso: o do gás natural, que é commodity, capital e infraestrutura que pode levar ao desenvolvimento de todos. Ou não, nada disso. Teremos apenas mais um capítulo letal das atuais guerras por fontes não renováveis de energia.

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