domingo, 1 de maio de 2011

Como armar um ditador - Helicópteros Huey, nos céus do Iêmen

Nick Turse

28/4/2011, Nick Turse, Tom Dispatch
Traduzido e comentado pelo pessoal da Vila Vudu

Nota dos tradutores:

Recentemente, o secretário de Defesa do governo Obama, Robert Gates, participou como convidado da cerimônia de lançamento da pedra fundamental da Biblioteca Nacional para o Estudo de George Washington, em Mont Vermont. Usou a ocasião para fazer a defesa, a plenos pulmões, do direito que os EUA teriam de ser extremamente seletivos no apoio que dão à democracia (mais nuns casos que em outros) e à liberdade (menos para uns e mais para outros). 

Antes de ler o que Nick Turse escreveu a propósito desse discurso (“Helicópteros Huey, nos céus do Iêmen”, adiante), entendemos que é preciso conhecer o discurso de Gates naquela solenidade, documento raro, ideologia de primeira mão, que nenhum jornal brasileiro publicou. Nesse discurso, fala o secretário de Defesa dos EUA, e fala à vontade, entre os seus. 

Ideologia de primeira mão, como a que aí se vê, é raridade nos jornais brasileiros, onde tudo é requentado, além de enviesado pela visão-de-mundo-de-Danuza dos jornalistas brasileiros, que são os piores do mundo, trabalhando para os piores jornais-empresas do mundo, oferecendo o pior jornalismo do mundo, a leitores imbecilizados por esses jornalistas, jornais e jornalismo. O discurso de Gates é documento importante, porque muito claro. 

Ajuda a entender, além do mais, que não faz falta ao Brasil nenhuma “denúncia”, à maneira de “furo” de reportagem, de um ou outro jornalista que “descubra” que as coisas são como são. O que falta ao Brasil é jornalismo de melhor qualidade, porque todo o jornalismo brasileiro é muito ruim. 

Ninguém precisa de “mídia” que faça-ver o mundo “como o mundo é”, porque a mediação jornalística altera fatalmente o mundo – o que é o mesmo que dizer que não há “mundo como o mundo é”: o mundo é o que dele se diga, e sempre pode ser mudado. 

O Brasil, de fato, está cheio, até a intoxicação, de “mídia” que deixa-ver o mundo que a mídia veja e nenhum outro. O que não há no Brasil é “mídia” que faça-ver o mundo como ele é, vale dizer, complexíssimo, e mundo que tem de ser empurrado na direção que interesse a cada um que o mundo ande, ou o mundo não anda ou, pior, anda contra o que interessa à democracia dos muitos. 

A evidência de que a mídia de esquerda no Brasil JAMAIS diz para onde deseja que o mundo ande, sugere vivamente que a esquerda brasileira acredite que bastaria denunciar vícios, para que os seres humanos, naturalmente, tendessem ao bem democrático – mesmo que o grupo GAFE (Globo, Abril, FSP e Estadão) viva de repetir aos cidadãos que o bem democrático estaria na direção exatamente contrária à que interessa aos muitos. E quando o mundo não anda, a esquerda brasileira chora, ou reclama de ser perseguida pelo grupo GAFE... Como se o grupo GAFE perdesse o sono com chororô de petistas e psolistas e “socialistas” etc. 

E assim chegamos à mídia que há no Brasil: a mídia de direita não ouve nem deixa falar; e a mídia de esquerda só se lamenta e nada afirma. E tudo se perde por aqui, no campo de pressupostas esquerdas que nunca antes nesse país foram tão ruins e tão cabeça-fraca quanto hoje. A mídia que há no Brasil tem muito a ver com isso, e a isso se pode chamar de “a tragédia brasileira”. É assim, com certeza, desde Getúlio e, com certeza absoluta não se superará com “democratização da comunicação”. 

Por isso a Vila Vudu não se interessa por, e absolutamente não participa, de movimentos como o dos “sem mídia”.

A Vila Vudu NÃO QUER mais mídia como a mídia que há Brasil; entendemos que, dessa, quanto menos, melhor. para a democracia brasileira.Tampouco defendemos qualquer jornal, jornalista ou teoria do jornalismo que há. Não somos jornalistas: somos hackers do jornalismo, como os Anonimous são hackers de grandes empresas, bancos etc. A gente faz melhor que eles. E, no fazer melhor, vai detonando os poderes arrogantes. Sobre “notícia” e “informação”, entendemos que (1) notícia é nóis; (2) informação que nos interesse, a gente constrói; (3) informação contra é desinformação: melhor a nossa ignorância potente.

Somos de opinião que, menos do que inventar leis “de controle” da mídia que há, todos temos, muito mais, isso sim, de criticar-para-detonar, não para preservar, os jornais, o jornalismo e os jornalistas que há no Brasil. 

O trabalho de engambelamento da opinião pública, de deseducação dos públicos leitores, audientes e telespectadores que se faz no Brasil, pelo agenciamento de três agentes – a empresa jornalística, a teoria do jornalismo e os profissionais que as universidades formam para a empresa jornalística e pelas teorias do jornalismo dominantes na universidade brasileira nos últimos 50 anos – não é acaso geológico nem alguma espécie de força da natureza: é ideologia objetivada, ideologia em ação.

Por isso entendemos que a crítica que se faz em todo o mundo ao jornalismo, jornalistas e empresas, hoje ditos “hegemônicas” e “mainstream” e dominantes de “comunicação” em geral, não atinge o nó mais duro da tragédia brasileira: no Brasil, o jornalismo de esquerda é quase tão ruim quanto o jornalismo de direita, e ambos são o mesmo jornalismo, feito por jornalistas que têm a mesma formação, adquirida nas mesmas universidades e redações. 

Se prova faltar disso, basta lembrar que, depois da luta terrível, que vencemos contra os jornais, os jornalistas e o jornalismo brasileiros, para elegermos Lula pela primeira vez, o nosso governo Lula só encontrou, para dirigir a “nossa” TV Brasil, D. Teresa Cruvinel de O Globo. Evidentemente, D. Teresa Cruvinel nunca foi Globo só por trabalhar no Globo; D. Teresa Cruvinel é, encarnado, o jornalismo brasileiro que se faz no Globo, exatamente como se fez, também na TV Brasil... pra dar em nada que, de longe, criasse dificuldades para os jornais, os jornalismos e os jornalistas que há no Brasil. O ato mais “revolucionário” de D. Tereza Cruvinel foi visceralmente reacionário: demitir o Orlando Senna e toda sua equipe! E para o ministério de uma “comunicação social” inventada na hora, nosso governo Lula nomeou o Franklin Martins, também Globo e também para dar em nada. Agora, no primeiro governo Lula-Dilma, temos lá D. Helena Chagas, de O Globo desde 1982...

A culpa não é do nosso governo Lula-Dilma, mas, tampouco, há algum mérito no que lá se está fazendo, só porque se trate do nosso governo Lula-Dilma. Nem Deus em pessoa, na presidência do Brasil, encontraria jornalista realmente capaz de inventar o jornalismo que manifeste o Brasil que estamos construindo: não há, o Brasil jamais formou outro tipo de jornalista e, por isso, o jornalismo de esquerda é tão ruim quanto o jornalismo de direita; o jornalismo evangélico e é tão ruim também quanto o jornalismo “de empresa” e um tal de “jornalismo do luxo”, modinha recém inventada por aqui, macaqueada de Dubai [risos, risos]. Não há melhor do que esse um único jornalismo (ruim) que se faz no Brasil. Resta rezar para que D. Helena Chagas, pelo menos, obedeça no geral e não se meta a ter “ideias” de dar mais liberdade de expressão ao William Waack, a Eliane Cantanhede, à Dona Danuza...  

O jornalismo, os jornais e os jornalistas que há são, ainda, agentes a serviço de uma pára-elite de pressupostos autodeclarados intelectuais que se construiu no Brasil durante a ditadura e, nos anos 80, foi cooptada pelo udenismo uspeano paulista golpista, e que é a pára-elite mais reacionária – além de ser a mais mal informada, mais iletrada, mais fascista. mais violenta e mais burra – que o ocidente jamais conheceu. 

Nem é preciso argumentar muito para fazer-ver que os EUA têm plano e projeto para o que estão fazendo no Oriente Médio. Chomsky jamais se cansará de repetir exatamente isso (e a revista Caros Amigos, de repetir o que Chomsky diga). Não erram, é claro. De fato, acertam 100%. Mas, simultaneamente, são 100% ineficazes como instrumentos de democratização – como instrumentos, para dizê-lo claramente, de propaganda de democratização. 

A mídia de esquerda no Brasil deixa-ver alguma coisa, sim – e muito mais e melhor que os Williams Waacks, é claro! Mas a mídia de esquerda no Brasil não faz-ver caminhos claros de ação progressista. Todos repetem opinionismo. E, afinal, opinião por opinião, a de Chomsky, de Caros Amigos, de Carta Capital, são tão opinião quanto a do William Waack, da revista (NÃO) Veja ou do Estadão, com diferenças pontuais, conforme a pele que asse na grelha seja de um ou outro jornalista pessoalmente considerado. O argumento que fez nascer a imprensa liberal e hoje já matou até a imprensa de esquerda no Brasil, justifica a existência dos Williams Waacks, exatamente como justifica também a existência dos Bolsonaros e suas opiniões. Quem precisa de “mais mídia” ou de “melhor mídia”, sempre dessa “mídia” liberal, que é reacionária até quando é ou quer ser progressista?!

Programa recente da TV Câmara – para citar um caso de jornalismo pressuposto independente dos grandes grupos “das comunicações” comerciais –, reuniu alguns jornalistas brasileiros todos, no programa, autoproclamados importantíssimos. E todos eles afirmaram que a “mídia’ tem de repercutir as opiniões de Bolsonaros, dado que os Bolsonaros foram eleitos [1]. Tuti Vazquez, no Estadão – e um dos mais talentosos agentes fascistas da mídia de fascistização do Brasil – escreveu, exatamente a mesma opinião: se os Bolsonaros manifestam a opinião de uma parcela dos eleitores, “é claro” que têm de ter o direito de ter suas ideias publicadas. 

Nenhum jornalista, nem da direita nem da esquerda, disse que, se se considerasse a expressão quantitativa das opiniões do Dep. Bolsonaro, em relação aos 200 milhões de habitantes que há no Brasil e que não foram ouvidos, aquelas opiniões mereceriam o espaço equivalente a, no máximo, a superfície de um ponto final, num dia da semana, em um único jornal brasileiro, se tanto. (E isso, para nem dizer agora, e encompridar demais a conversa, que nenhum jornalista nem naquele programa de “televisão pública” nem em lugar algum jamais disse ou escreveu no Brasil que a “mídia” que há no Brasil deturpa e deforma qualquer “representatividade” que o sistema eleitoral talvez ainda tenha em melhores democracias, nas quais haja melhores jornais, jornalistas e jornalismo.)

O que de fato se viu foi que as opiniões do Dep. Bolsonaro foram publicadas e citadas e repetidas incansavelmente, durante vários dias, em TODOS os jornais brasileiros e em TODOS os programas de televisão, de onde passaram para TODOS os blogs que, mesmo quando fizeram oposição “ética” indignada, ainda assim serviram como espaços de repercussão e reprodução das mesmas ideias, e nada ofereceram de novo. 

Manifestar-se contra opiniões-de-Bolsonaro não equivale, em termos de propaganda, ao que Bolsonaro FEZ, quando disse o que disse-fez e que, aliás, Bolsonaro sempre diz-faz, excelente agente, que é, de propaganda dele mesmo e de fascistização do Brasil. Bolsonaro é outro que tem de ser calado, não “criticado” ou “discutido”. Que novidade, que campo alternativo de opinião se poderia construir, se só se diz de Bolsonaro que o fascista é fascista – o que ele é, sabe que é, sabe ser e é e sempre e continuará a ser para sempre? 

O que falta ao Brasil não é mais mídia da mídia que há, tampouco, se for igual “só que ao contrário”: onde a mídia de direita no Brasil promove os Bolsonaros, a mídia de esquerda promove... promove... TAÍ! Promove o quê, a mídia de esquerda no Brasil? 

É perguntar e responder: promove nada, além de uma muito vaga “ética”, aprendida, claro, da própria mídia de direita. Porque tampouco na mídia de esquerda alguém trabalha para construir argumentos, não que deixem-ver – porque, isso, qualquer denuncismo-esquerdista metido a sebo facilmente se persuade de que faz e dá-se por autojustificado –, mas argumentos que façam-ver que os Williams Waacks e Tuti Vazquez são agentes de desdemocratização e, portanto, têm de ser calados, não “repercutidos” em programas da TV Brasil.

Um primeiro passo para fazer-ver o que os EUA estão fazendo no Oriente Médio é procurar ouvir, de primeira mão, o que dizem os EUA, não em “declarações” aos jornais, que as agências noticiosas editam e os jornais brasileiros papagueiam incansavelmente, mas quando falam ‘em família’, entre eles, à vontade. Daí, sim, a extraordinariamente grande contribuição de WikiLeaks à democratização do mundo, contra os EUA.   

Trabalhando nessa direção, aqui traduzimos o discurso que o secretário de Defesa Robert Gates, fez lá mesmo, há 15 dias, numa festa de homenagem nacional a George Washington (discurso traduzido da página da Secretaria de Defesa dos EUA, onde foi publicado em, 14/4/2011 – não publicado por nenhum jornal brasileiro). É documento mais claro que hectares de entrevistas de Chomsky. Traduzimos também, articulado organicamente àquele discurso, o artigo de Nick Turse, o qual pouca novidade traz, mas traz alguns números e bom empenho democrático. 

Assim a Vila Vudu entende que resiste à zonzeira da “mídia” brasileira, sem desertar da luta de resistência dos muitos e, simultaneamente, sem se iludir com campanhas pela “democratização-da-mídia” que só servem, no máximo, como lava-consciência de mais uma pseudo esquerda zonza das várias que há por aí hoje, no mundo, atrapalhando a luta dos muitos e operando como braço “ético” da reação. Só rindo!

A lição a aprender é clara: se se ouvem as vozes de primeira mão – não o que jornais e jornalistas tenham a dizer sobre elas –, é mais fácil encontrar respostas-ação (dirigidas diretamente às forças que fazem falar as vozes de primeira mão), sem nos sangrarmos, nós mesmos, em bate-bocas “éticos” com jornais, jornalistas e jornalismos. Esses jornais, jornalistas e jornalismos, bem examinados e devidamente (não) considerados, não passam de agentes de repetição e de implantação, na opinião pública, só do que interessa àquelas vozes de primeira mão. E o que interessa àquelas vozes de primeira mão é sempre, sempre, só o que interessa a Israel, é claro. E se interessa a Israel não interessa aos muitos no Brasil, no Iêmen, na Síria, na Líbia, no Líbano, na Turquia, na Palestina, os muitos ainda sem voz “midiática”, mas já nas ruas e sempre, sempre, contra os EUA como força de ocupação em todo o mundo. [Fim da Nota dos Tradutores]

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Cerimônia de lançamento da pedra fundamental da Biblioteca Nacional para o Estudo de George Washington

Discurso do Secretário da Defesa dos EUA Robert M. Gates, Mt. Vernon, VA, 5ª.-feira, 14/4/2011
[agradecimentos pelo convite e elogios a George Washington, aqui omitidos, porque são desnecessários ao que nos interessa demonstrar]

Dado que sou homem interessado em segurança nacional, gostaria de discutir um dos desafios e dilemas centrais de nossa política exterior que Washington enfrentou como primeiro presidente dos EUA, dilema que os EUA enfrentamos ao longo de toda nossa história, até hoje. 

Não muito tempo depois de assumir a presidência dos EUA, George Washington enfrentou as consequências da Revolução Francesa. A questão então era se deveríamos apoiar o governo revolucionário em sua guerra contra uma aliança de monarquias européias liderada pela Grã-Bretanha. Para muitos, como Thomas Jefferson, a Revolução Francesa,  com seus ideiais de liberdade, igualdade e fraternidade, parecia sucessora natural de nossa própria revolução. 

Mas John Adams e os Federalistas eram dedicadamente contrários àquela ideia. Estavam horrorizados com os excessos da revolução e temiam que o violento radicalismo francês chegasse até nós. Os federalistas zombaram de Jefferson por sua defesa retórica da liberdade e da igualdade em todo o Atlântico, ao mesmo tempo em que continuava a ser proprietário de escravos. Adams e Alexander Hamilton, por sua vez, foram acusados de ser criptomonarquistas.

E coube a Washington decidir. Antes, dissera que “Meus melhores desejos são irresistivelmente despertados sempre que, em qualquer país, vejo nação oprimida desfraldar a bandeira da liberdade”. Mas as guerras européias e, em particular, nosso estrangulamento pelos britânicos, há haviam começado a destroçar a vida dos norte-americanos comuns, impedindo o comércio e gerando tumultos e refugiados. Washington, entendendo a fragilidade da posição dos EUA, adotou política de neutralidade em relação à França e, depois, firmou um tratado de paz com a Grã-Bretanha – o que gerou processos massivos e acusações de que estaria traindo o espírito de 1776.

Vejam a ironia da história: os EUA acabavam de se tornar independentes da monarquia britânica, graças à ajuda de um monarca absolutista, rei da França. E, quando a própria França virava-se na direção de buscar governo popular e tinha de enfrentar monarquias européias, os EUA decidiam pelo acordo com nosso velho inimigo britânico.

Nesse episódio, Washington enfrentou dilema que muitas vezes apareceu ao longo da nossa história: como incorporar os ideais e aspirações democráticos dos EUA, no nosso relacionamento com o resto do mundo?  

O que a experiência de Washington mostra é que, desde nossos primeiros dias, os líderes dos EUA lutaram com abordagens “realistas” versus abordagens “idealistas”, nos desafios internacionais que enfrentamos. Os líderes mais bem sucedidos, a começar pelo próprio Washington, sempre se empenharam a favor da liberdade, da democracia e dos direitos humanos. Mas, ao mesmo tempo, criaram políticas que misturam as diferentes abordagens, com ênfase diferente conforme o tempo e o lugar.

Algumas vezes aconteceu de mantermos os direitos humanos como pedra central de nossa estratégia nacional, mesmo quando negociávamos com os piores violadores de direitos humanos. Trabalhamos com governos autoritários para fazer avançar nossos interesses de segurança, sem parar de recomendar que promovessem reformas. E também usamos nosso poder militar contra governos vistos como ameaças a nossa segurança nacional, para impedir agressões, por fim a massacres étnicos e evitar o caos.

Nos últimos meses, estamos assistindo à extraordinária história que se desenrola no Oriente Médio e Norte da África. As pessoas na região uniram-se para exigir mudanças e, em muitos casos, governo mais sensível, mais democrático. E muitos governos afetados são aliados há muito tempo, aliados próximos dos EUA, governos com os quais continuamos a trabalhar como parceiros críticos para enfrentar riscos comuns de segurança como a Al Qaeda e o Irã, aos quais nunca deixamos de exigir que promovessem reformas e atendessem às necessidades de seu próprio povo. 

Um dos temas subjacentes na história dos EUA, que nos acompanha desde Washington é que somos compelidos a defender nossa segurança e nossos interesses de modos que, no longo prazo, levem a disseminar pelo mundo os valores e as instituições democráticas. Como disse o presidente Obama, no mês passado: “por gerações, fizemos o trabalho duro de proteger nosso povo e de também proteger milhões, em todo o mundo. Fizemos o que fizemos porque sabemos que nosso futuro é mais seguro, nosso futuro é mais luminoso, se parcela maior da humanidade puder viver com a luz brilhante da liberdade e da dignidade.” 

Quando discutimos abertamente nosso desejo de que valores democráticos dominem em todo o mundo, falamos de um mundo que pode estar a muitos anos, a décadas, de distância. Mas, se alcançar um ideal pode sofrer limitações de tempo, espaço, recursos, ou da natureza humana, nem por isso podemos nos permitir descartar ou desnaturar o próprio ideal. É vital que falemos sobre os valores nos quais cremos e que o mundo saiba por que lutamos e o que defendemos, mesmo que façamos o que tenhamos de fazer para proteger nossos interesses e nossa segurança. 

E quando vemos os desafios que crescem ante as frágeis democracias contemporâneas, ou sociedades e governos que enfrentam terríveis pressões por mudanças, antes de criticar muito duramente, bem faremos se modestamente reconhecermos as tribulações dos primeiros anos de nossa própria história, que o historiador Joe Ellis descreveu como “improvisação à beira da catástrofe”. E lembrar a longa jornada que andamos, de sistema político de, por e com brancos escravistas e ricos, até nação inclusiva, com presidente afro-americano. (...) 

Graças à integridade, ao caráter e ao julgamento sábio de Washington, os valores que representamos como americanos tomaram corpo – continuam a emanar desse ponto do estado de Virginia para todo o continente e para o mundo [agradecimentos finais].

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Helicópteros Huey, nos céus do Iêmen
Os EUA estão dando cabo de mais uma luta libertária no Oriente Médio?
28/4/2011, Nick Turse, Tom Dispatch


Helicóptero Huey
Nas últimas semanas, manifestantes que exigem o fim imediato de 32 anos do governo apoiado pelos EUA de Abdullah Saleh no Iêmen têm enfrentado violência cada vez maior nas mãos das forças de segurança do Estado. Saleh prometeu que deixaria o governo, mas nem assim pôs fim à violência promovida por suas forças de segurança. No início desse mês, na cidade de Taiz, os manifestantes que andavam por uma rua central da cidade foram atacados por soldados de Saleh em terra, enquanto helicópteros do governo os atacavam do céu. “Atiravam contra nós com munição viva”, disse Mahmud al-Shaobi, um dos manifestantes, ao New York Times. “Muita gente foi ferida. Houve mortos”. 

Desde então, outras manifestações foram atacadas por forças do governo de Saleh – e há mais de 130 mortos. Testemunhas dizem que estão sendo usados helicópteros em número cada vez maior. Alguns desses helicópteros podem ter chegado recentemente para aumentar o arsenal do ditador, cortesia do governo Obama e parte de um pacote de ajuda de 83 milhões de dólares para a aviação militar de Saleh. 

Desde o início de 2011, num programa conduzido pelo seu Departamento de Defesa, os EUA estão entregando vários helicópteros Bell UH-1Hs, chamados “Huey II”, modelo recém lançado do icônico “Huey” que foi arma de eleição, também usado para transporte de tropas, na Guerra do Vietnã. Embora sejam apenas o item mais recente que o Pentágono acrescentou ao arsenal de Saleh, os Hueys chamam a atenção para a assistência incansável que os EUA estão dando às ditaduras que estão resistindo aos levantes democráticos em todo o Oriente Médio.

Como armar um ditador 

Em Dezembro passado, um tunisiano de 36 anos, vendedor de frutas, Mohammed Bouazizi, pôs fogo ao próprio corpo em frente a um escritório da prefeitura, fazendo eclodir os protestos de rua que continuam até hoje no Oriente Médio e Norte da África. No final de janeiro de 2011, o ditador apoiado pelos EUA na Tunísia Zine El Abidine Ben Ali fugiu do país, e as demonstrações, que depois deporiam outro ditador corrupto e apoiado pelos EUA há muito tempo, Hosni Mubarak, eclodiram no Egito. No Iêmen, como em toda a região, a fúria contra a ditadura corrupta, a pobreza crescente (40% dos iemenitas vivem com menos de 2 dólares por dia), o alto desemprego (que se aproxima dos 40%) e décadas de violência contra o povo também levou dezenas de milhares de pessoas às ruas.

Em janeiro, com as lutas por democracia e liberdade já espalhadas por todo o Oriente Médio, até o presidente Barack Obama confessou apoio público a “alguns valores básicos nos quais acreditamos como americanos e que cremos que sejam universais: liberdade de expressão, liberdade para falar, pessoas livres para usar as redes sociais e outros mecanismos para se comunicarem entre elas e manifestar suas preocupações”. Mas apenas alguns dias antes, o mesmo governo Obama transferira grande quantidade de equipamento militar para as forças de segurança do chamado “presidente vitalício” do Iêmen.

Nos termos de um contrato de 27 milhões de dólares entre o Pentágono e a empresa Bell Helicopter, o Iêmen recebeu quatro helicópteros Huey II. Antes disso, 12 pilotos e 20 mecânicos de manutenção da Força Aérea do Iêmen foram treinamos para piolotar e fazer a manutenção daquele modelo de helicópteros no centro de formação e instrução de voo das indústrias Bell, em Alliance, no Texas. “A fálicl execução do Programa Iêmen-Huey II mostra que os departamentos militares – nesse caso, o Exército dos EUA – podem organizar rapidamente a entrega de artigos de defesa e organizar o treinamento de parceiros dos EUA, com a cooperação da indústria norte-americana", disse Brandon Denecke da Agência de Cooperação Defesa/Segurança, braço do Pentágono que coordena as vendas e as entregas de equipamento militar a governos aliados dos EUA.

A recente venda de helicópteros é apenas o mais recente exemplo do apoio que o Pentágono continua a oferecer às forças de segurança do ditador do Iêmen, através do chamado “Programa 1206” – arranjo autorizado pelo Congresso, que “permite que o Executivo aja com rapidez para fornecer equipamento militar e treinamento a parceiros militares estrangeiros”. Esse programa, que recebeu o nome do item 1.206 da Lei de Autorização da Defesa Nacional de 2006 [ing. 2006 National Defense Authorization Act], permite que o Pentágono amplie a capacidade militar das forças de defesa de exércitos estrangeiros aliados “em operações de contraterrorismo e estabilização”. 

Desde 2006, mais de $1,3 bilhões em equipamentos foram alocados pelo Programa 1206, e o Iêmen é o país que mais equipamentos recebeu, beneficiado por cerca de 1/5 do total dos financiamentos disponíveis, aproximadamente $253 milhões, em 2010. Esse programa de assistência, segundo relatório recente do Serviço de Pesquisas do Congresso, entregou às forças de segurança do Iêmen aviões leves, helicópteros, armamento leve, munição, helicópteros simples, caminhões, rádios, câmeras de vigilância, computadores, coletes blindados, barcos para patrulha e peças de reposição para helicópteros, além de outros itens.

Desde 2000, o Pentágono também transferiu armas e equipamentos diretamente dos estoques do exército dos EUA para as forças de segurança no Iêmen. Entre esses itens há carros blindados para transporte de tropas, metralhadoras, caminhões militares 2,5-ton, rádios e barcos a motor, segundo listagem do Departamento de Defesa. A Agência de Cooperação para Defesa e Segurança não respondeu a nossos insistentes pedidos de mais informações.

No total, ao longo dos últimos cinco anos, os EUA entregaram ao Iêmen mais de 300 milhões de dólares em assistência as forças de segurança, com acentuado aumento nas ‘contribuições’ depois de iniciado o governo Obama. Em 2008, no governo Bush, o Iêmen recebeu $17,2 milhões de assistência militar básica (sem incluir financiamento para combate ao terrorismo e ajuda humanitária). Em 2010, esse valor saltou para $72,3 milhões e, no total, naquele ano, o Iêmen recebeu $155,3 milhões de ajuda dos EUA, incluindo “os $34,5 milhões do pacote para melhoria dos serviços e operações de contraterrorismo”. Esses fundos permitiram ao governo do Iêmen comprar helicópteros, blindados Humvee, armas, munições, sistemas de comunicação e binóculos para visão noturna. (...)

Como sua parte na barganha, o governo do ditador Saleh autorizou os EUA a lançar mísseis contra campos suspeitos de abrigar recrutas da al-Qaeda no Iêmen, e acatou as instruções dos EUA para que assumisse a autoria dos ataques (porque os EUA temiam que, se se divulgasse que os americanos eram autores dos ataques, aumentaria o sentimento antiamericanos no Iêmen e em todo o mundo árabe) – como se lê em documentos secretos do Departamento de Estado recentemente publicados por Wikileaks.  “Continuaremos a dizer que as bombas são nossas, não de vocês” – disse Saleh ao então comandante do CENTCOM, general David Petraeus, depois dos ataques de dezembro de 2009. O governo do Iêmen também deu cobertura aos EUA, e até justificou, a morte de civis naqueles ataques. (...) 

Recado mandado 

No início do corrente mês de abril, Tawakul Karman, ativista de direitos humanos no Iêmen e líder de manifestações anti-Saleh, disse aoNew York Times de sua ira por Obama ter falhado ao não se por ao lado dos manifestantes. “Nos sentimos traídos”, disse ela. Hamza Alkamaly, outra destacada liderança entre os manifestantes mais jovens, ecoou os mesmos sentimentos: “Os estudantes perdemos a confiança que tínhamos nos EUA”. (...) 

Pesquisa realizada entre iemenitas adultos, em janeiro e fevereiro, pela empresa de pesquisa norte-americana Glevum Associates, detectou hostilidade jamais vista contra os EUA. 99% dos entrevistados veem com desagrado as relações dos EUA com o mundo islâmico. 82% consideram “danosa” ou “má” a influência dos EUA em todo o mundo. 66% entendem que os EUA nunca ou só muito raramente, levam em consideração o interesse de países como o Iêmen, e só 4% dos entrevistados aprovam “moderadamente” ou “intensamente” a cooperação entre o Iêmen e os EUA.   

Os números são terríveis, e a ira e a decepção doravante só aumentarão,  cada vez que os manifestantes no Iêmen levantarem os olhos e virem, nos céus de Sanaa, helicópteros Huey novinhos em folha, recém desembarcados dos EUA, apontando as metralhadoras contra eles. Pode ainda acontecer que, como em Saigon em 1975, os helicópteros sejam vistos transportando as próprias forças de ocupação em fuga desabalada. 

Seja como for, e diga o secretário Gates o que quiser, o jovem Iêmen – mais de 2/3 da população do Iêmen tem menos de 24 anos – lembrará por muitos anos o lado que os EUA escolheram, quando o Iêmen lutava pela própria democracia.



Nota de tradução
[1] “Comitê de Imprensa”, TV Brasil, 15/4/2011, vídeo em: A mídia e o Caso Bolsonaro:
“O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) vem frequentando o noticiário sob as acusações de racismo e homofobia. Mas até agora a mídia não se preocupou com um aspecto fundamental na análise do comportamento dele: será que Bolsonaro fala por si mesmo ou é o intérprete de fatias da população brasileira que pensam da mesma forma? Os comentários dos blogs e sites da internet revelam a existência de simpatizantes das posições assumidas pelo deputado Jair Bolsonaro. Nessa história deve-se acreditar nas boas intenções da mídia em relação à cobertura ou existe apenas a intenção de alavancar tiragem e audiência? Nesta edição do Comitê de Imprensa, Paulo José Cunha conversa com os jornalistas Iolando Lourenço, repórter da Agência Brasil, e Rodolfo Lago, editor- executivo do site Congresso em Foco”.

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