domingo, 12 de outubro de 2014

OTAN rasteja na direção da Síria. Irã fixa a linha vermelha

9/10/2014, [*] MK BhadrakumarIndian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Teerã veio a público hoje, para alertar a Turquia contra “qualquer movimento que exacerbe e complique ainda as condições na região e venha a ter consequências irreparáveis”. O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores revelou que Teerã fez uma démarche com Ancara, para que aja com grande prudência. É a primeira reação iraniana, desde que o Parlamento turco aprovou, na 5ª-feira (2/10/2014, vídeo acima, em inglês), resolução que autoriza o governo a enviar tropas para a Síria.

A reação iraniana é forte e implica aviso de que, se tropas turcas cruzarem a fronteira turca, haverá “consequências irreparáveis”. Hmm. As coisas estão ficando altamente explosivas. Por que essa reação tão forte, dos iranianos?

Evidentemente, Teerã já decifrou o plano de jogo do primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, que está jogando por três trilhas. Erdogan calcula que a campanha aérea dos EUA contra o Estado Islâmico não bastará para conter a ameaça extremista, e que serão indispensáveis os “coturnos em solo”. Sabe que a Turquia é o único país em posição de mobilizar ali os coturnos em solo necessários para reforçar a estratégia dos EUA contra o Estado Islâmico.

Forças turcas observam ataque do ISIS/ISIL em Kobane (8/10/2014)
Assim sendo, Erdogan impôs uma pré-condição – entrará no jogo, desde que os EUA remodelem sua estratégia anti-EI na Síria, para incluir “mudança de regime”. Mas Washington prevaricou. Então, Erdogan jogou sua segunda carta – reviveu a antiga proposta turca, de criar uma “zona segura” [orig.buffer zone] dentro da Síria. Na sequência, converteu a “zona tampão” em precondição para Ancara intervir para defender a cidade de Kobane, no norte da Síria, junto à fronteira turca, que estava sendo atacada pelo Estado Islâmico.

Mais uma vez, Washington vacilou. Kobane já está sob controle do Estado Islâmico. Mas, de um modo ou de outro, Erdogan marcou um gol: Kobane é cidade curda e a captura pelo EI enfraquece a organização separatista curda PKK que combate contra o exército turco.

Posto em forma simples, Erdogan está permitindo que o Estado Islâmico (que a Turquia apoia secretamente) esmague os curdos no norte da Síria, enquanto, ao mesmo tempo oferece ajuda a Obama para combater o EI, desde que, claro, os EUA acompanhem as ambições territoriais turcas (disfarçadas sob os planos para zona “tampão” e “zona aérea de exclusão”) na Síria – que seriam o primeiro tiro com vistas à “balcanização” daquele país.

Claramente, a agenda de Erdogan está focada na “mudança de regime” na Síria e, em segundo lugar, em enfraquecer e eventualmente dizimar os grupos curdos separatistas, ao mesmo tempo em que mantém, como sempre manteve, atitude ambivalente em relação ao Estado Islâmico.

Por quanto tempo Barack Obama conseguirá resistir contra a chantagem de Erdogan? A resistência dos EUA contra a ideia da “zona segura” está enfraquecendo, como o secretário de Estado John Kerry deixou fortemente sugerido hoje (9/10/2014) em comentário que fez depois de reunir-se com seu contraparte britânico – embora o Pentágono ainda insista que aquela “zona segura” não está sendo considerada na estratégia dos EUA. O ponto é que Obama já está sendo criticado em casa por ter “feito pouco” para impedir a queda de Kobane.

Recep Erdogan e Jens Stoltenberg (9/10/2014)
Interessa muito a Erdogan enviar tropas turcas como alguma espécie de intervenção pela OTAN na Síria. Isso torna a visita do secretário-general da OTAN, Jens Stoltenberg, hoje, a Ancara, altamente significativa. (O enviado especial dos EUA à Síria, general John Allen, também chegou hoje a Ancara.) O presidente francês François Hollande manifestou apoio à ideia de uma “zona segura na Síria. Isso, claro, implica que a Arábia Saudita também já aprovou a ideia.

Não há dúvida de que está havendo uma acumulação de energia na direção de a OTAN intervir na Síria. Pode vir sob aparência modesta, no início, em termos de a OTAN oferecer “proteção” a um estado membro (Turquia).

O poderoso presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Deputados dos EUA Edward Royce disse em declaração na qual critica duramente o governo Obama, que “um exército terrorista está às portas da OTAN. É tempo de a Turquia e outros membros da Aliança passarem a envolver-se mais fortemente no combate contra o ISIL na Síria”.  

Erdogan provavelmente está avaliando que, se tropas turcas invadem a Síria sob a proteção de uma operação da OTAN, o Irã (e a Rússia) hesitarão antes de empreender qualquer contrarreação que as poderia por numa rota de colisão contra a aliança ocidental.

Mas Teerã parece ter já decifrado essas intenções. O porta-voz do ministério de Relações Exteriores anunciou hoje que o Irã está disposto a intervir (militarmente) para libertar Kobane do EI, se o governo sírio do presidente Bashar Al-Assad fizer essa solicitação a Teerã. Em termos reais, Teerã já esvaziou o pretexto para uma intervenção da OTAN na Síria.

Erdogan pode ter dado passo maior que a perna. Dentro da Turquia também está crescendo a oposição contra enviar soldados turcos à Síria, inclusive dentro do campo islamista.

Refugiados curdos chegam na Turquia (7/10/2014)
Na verdade, se os curdos conseguirem livrar Kobane sem ajuda do Irã, Erdogan ficará completamente exposto. As repercussões podem ser muito sérias para a Turquia, porque os curdos não aceitarão o que estará claramente visível como uma traição cometida por Erdogan. Já irrompeu violência antigoverno  em grande escala nas regiões curdas, no leste da Turquia.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.

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