quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Ucrânia: Relatório de Situação (SITREP) 8/10/2014, 16h UTC/Zulu


A calma antes da tempestade?

8/10/2014, The SakerThe Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido no Quiosque do Barrossorto na Vila Vudu:
(Voz fina) — Cróóóóóózes! Tire o fracking e ponha o pré-sal e... Socorro! A Ucrânia é aqui! Aécim é uma espécie de “Yats”, que os EUA querem plantar aqui!”
(Voz grossa) — Acho que o Aécim tá mais é pra Yéltsin...

The Saker
Situação militar

A situação na Ucrânia e Novorússia é muito tensa e pode levar ao reinício das hostilidades.

As Forças de Repressão da Junta (FRJ) usaram o cessar-fogo para lamber as feridas, reorganizar-se, concentrar as forças, trazer os reforços muito necessários, preparar fortificações defensivas e trazer para perto novas unidades. As Forças Armadas da Novorússia (FAN fizeram o mesmo, mas, diferentes das FRJ, as FAN sofrem de falta de equipamento, situação tornada possivelmente ainda pior pela redução no fluxo de armas, particularmente armas pesadas, da Rússia (que chegavam pelo chamado voentorg). Em termos de pessoal, o influxo de voluntários para as Forças de Defesa da Novorússia (FDN) manteve-se forte e contínuo.

Por que Moscou fechou a válvula do respiradouro para a Novorrússia?

Pode haver inúmeras razões, mas as três principais são, provavelmente:

1. Um modo de pressionar a liderança novorussa a respeitar o cessar-fogo e para lembrá-los de que não podem ignorar a posição do Kremlin.
2. Para negar aos anglo-sionistas qualquer possibilidade de encontrarem alguma prova dovoentorg.
3. Para mostrar aos europeus: “Viram bem? Estamos cumprindo nossa parte no acordo, mas a Junta, não”.

O item 3, por falar dele, é absoluta verdade.

Embora o aeroporto de Donetsk tenha sido finalmente “tomado”, não porque “todos os Ukiesforam mortos”, mas porque “todo o sistema de artilharia dos Ukies foi destruído”, porque é isso que interessa a Donetsk), as FRJ continuam a bombardear a cidade ao norte, a oeste e a sudoeste. E há muito preocupantes sinais de que as FRJ preparam-se para tentar cercar Gorlovka.

7/10/2014, Mapa dos combates 
(clique na imagem para aumentar)

Enquanto isso, as FAN recolheram as unidades que haviam seguido para o extremo norte e até para oeste de Mariupol e o “front sul” tem agora formato muito mais defensável, como se viu no mapa anterior (aqui, uma versão de mais alta resolução).

A linha de frente não se moveu durante o cessar-fogo. As FAN fizeram alguns avanços locais, as FRJ retrocederam em algumas locações, mas em geral a linha de contato permaneceu a mesma e está sendo usada como uma base para o desenvolvimento de um plano de desengajamento preparado por especialistas ucranianos, da Organização de Segurança e Coordenação da Europa (OSCE), novorussos e russos. Na verdade, há hoje oficialmente 80 oficiais russos no Donbass (convidados por Kiev) que estão participando do desenvolvimento da planejada “zona neutra” entre os dois lados. Esse fato em si, muitíssimo interessante como é hoje, mostra que EUA, União Europeia, OSCE e a Junta tiveram de desistir do que insistiam em repetir, que os russos não teriam voz nem status num “processo ucraniano interno e soberano”.

Outro desenvolvimento muito interessante foi a oferta do presidente Lukashenko, da Bielorrússia, que se dispôs a enviar soldados mantenedores da paz, o que as autoridades novorussas imediatamente aceitaram. Até aqui, ainda não está oficialmente sobre a mesa, mas a oferta é interessante pelas seguintes razões:

1. Os bielorrussos têm exército extremamente forte, bem treinado e bem equipado e podem ser força robusta e eficaz para manter a paz.

2. As forças armadas bielorrussas são extremamente próximas das forças armadas russas e, para todas as finalidades práticas, são uma só entidade. Assim, ambos, novorussos e russos, podem confiar nos bielorrussos.

3. Por mais que Lukashenko não passe de bocó que volta e meia faz declarações bizarras e contraditórias, ele também é homem que sabe ver o escore do jogo e que permanecerá leal à Rússia e à Organização do Tratado de Segurança Coletiva [orig. Collective Security Treaty Organisation (CSTO)].

Em outras palavras, trazer os bielorrussos como mantenedores da paz – pode bem significar o fim de quaisquer esperanças que os Ukies ainda tivessem de reconquistar o Donbass. Isso, contudo, pode significar o fim de qualquer esperança que os novorussos tenham de libertar a Novorússia ocupada pela Junta.

O cessar-fogo será mantido?

Não sei, mas tenho confiança que os novorussos não serão os primeiros a quebrá-lo. A maioria dos novorussos odeia esse cessar-fogo, mas também compreendem que há questões políticas maiores a serem consideradas, e que eles simplesmente não podem desafiar Moscou. Quanto ao Kremlin, sua posição parece ser que o “Plano A” é tirar o máximo proveito do cessar-fogo; e o “Plano B” e assegurar que todo o peso político de um eventual reinício das hostilidades caia sobre os Ukies.

Examinando a mídia russa (empresas-imprensa e as redes sociais), eu diria que:

1. Há amplo consenso na Rússia, de que os novorussos ganharam o direito de serem libertados de Kiev. Claro que muitos (a maioria?) russos compreendem que a Novorússia pode ter de permanecer formalmente como parte de uma Ucrânia unitária, mas só formalmente, não de forma significativa; e só temporariamente. Bom exemplo é a análise desse blogueiro (em russo e em tradução automática ao inglês).

2. Ninguém na Rússia confia na Junta ou em Poroshenko. Há um consenso de que o único modo de manter segura a Novorússia é torná-la militarmente forte para resistir a qualquer possível ataque ucraniano.

3. O campo Dugin-Limonov perdeu a guerra de Relações Públicas e pouca gente ainda defende qualquer tipo de intervenção militar declarada. Mas isso pode mudar muito rapidamente, se as FRJ romperem o cessar-fogo e atacarem.

4. O campo dito “liberal” (no sentido russo) apoiado pela CIA está em total desarranjo. Exceto o canal de TV Dozhd ou a rádio Ekho Moskvy, ninguém mais os leva a sério, e quando um de seus representantes aparece na TV, acaba destripado em poucos minutos por outros entrevistados.

Concluo, de tudo isso, que a Rússia está “pronta para o pulo”: se os Ukies rompem o cessar-fogo e atacam massivamente, o “respiradouro-voentorg” será imediatamente reaberto e fluirá livremente; se os Ukies tiverem sucesso e se as FAN não conseguirem mesmo resistir ao assalto, a Rússia intervirá diretamente outra vez, como fez em agosto. Se a Novorússia for realmente ameaçada, Putin enviará abertamente militares russos (embora só venha a fazer isso se não lhe restar absolutamente nenhuma outra opção).

Situação política: Banderastão

A situação na Ucrânia ocupada pela Junta (também chamada “Banderastão”) é do mais completo caos. Violência (política e criminal) por toda parte, e o estado, pode-se dizer, deixou de funcionar. Considere-se por exemplo a destruição de várias estátuas de Lênin.

Primeiro, para começar, o fato de que estejam sendo destruídas já é exemplo eloquente de o quanto os Ukies são ignorantes, porque foi Lênin quem criou a Ucrânia como estado; Stálin depois acrescentou o oeste da Ucrânia; e Krushchev deu a Crimeia aos Ukies. Assim, podem repetir sempre o mesmo slogan “Комуняку на гілляку” (“comunistas para os galhos”, no sentido de que os comunistas devem ser enforcados), mas a realidade não se altera: a Ucrânia moderna é entidade 100% montada pelos comunistas (...). Mas o ponto principal é que a destruição dessas estátuas mostra que já não há qualquer lei ou ordem, e que as gangues de rua são a única “autoridade restante”.

Segundo, há clãs que lutam uns contra outros dentro da Junta (Poroshenko  vs  Kolomoiski  vs Liashko vs Iarosh vs Tymoshenko etc.), mas não resta nenhuma real oposição. Ou, pelo menos, acho que se pode dizer que já não resta qualquer oposição real.

Elena Bondarenko

Depois do brutal ataque ao Deputado Nestor Shufrich (que está hospitalizado), só restam duas figuras de oposição, mais ou menos bem conhecidas: Elena Bondarenko e Nikolai Levchenko, ambos, como Shufrich, do Partido das Regiões. Bondarenko foi abertamente ameaçada pelo Ministro de Relações Exteriores, que realmente disse o seguinte, na TV Ukie:

Quando a ouço falar, minha mão vai direto para a minha pistola.

Palavras, em público, de uma alta autoridade no Banderastão!

Elena Bondarenko
Na verdade, muito me preocupa a segurança pessoal dela; depois que se recusou a participar da próxima farsa eleitoral dos Ukie, sua vida está absolutamente sob risco; o mais provável é que ela já tenha escapado para a Rússia ou a Crimeia.

Nikolai Levchenko

A outra figura destacada na “oposição” é Nikolai Levchenko, deputado também do Partido das Regiões frequentemente associado ao oligarca Rinat Akhmetov. Levchenko, que foi eleito no Donbass, é especialmente odiado por muitos comandantes de campo novorussos, porque se opõe às FRJ e às FAN, e porque várias vezes já disse que esses dois lados são o mesmo lado. Mas ninguém sabe se Levchenko acredita sinceramente que a resistência armada só faz piorar tudo, ou se apenas fala pelos interesses financeiros de Rinat Akhmetov. O que posso dizer é que ele se opôs abertamente à Junta neonazista no Parlamento, e que, por causa disso, já foi atacado e agredido. Bondarenko também se atreveu a desafiar abertamente a JuntaUkie em seus discursos no Parlamento e foi arrancada à força da tribuna, mas não foi (ainda?) espancada.

Importante destacar aqui que esses dois, Bondarenko e Levchenko, são ucranianos leais – culpam em parte os novorussos pela violência reinante, e também rejeitaram a reintegração da Crimeia à Rússia, que culpam pelas políticas alucinadas de Kiev.

Se o Ocidente operasse com alguma decência (ou com alguma inteligência!), essas seriam as pessoas a serem apoiadas. Mas agora já é tarde demais, e pessoas como Bondarenko e Levchenko simplesmente já perderam as respectivas bases eleitorais; seus antigos eleitores que, hoje, não só rejeitam a posição “moderada” dos dois, como, também, enfrentam o destino de terem de deixar a Ucrânia e já não estão preocupados com eleições para o Parlamento.

Que eu saiba, nem Levchenko, nem Bondarenko concorrerão às próximas “eleições” que os dois já disseram que consideram total farsa (e, além do mais, dado que o Donbass não participará dessas eleições, que sentido faria a candidatura dos dois?).

Nikolai Levchenko
Quanto ao Partido Comunista Ucraniano, já está hoje basicamente na clandestinidade; vários de seus membros foram atacados, ameaçados e assassinados.

A triste, mas inegável realidade, é que não há oposição no Banderastão; só vários clãs e várias “tendências”, em que se combinam interesses dos neonazistas e dos oligarcas.

O Banderastão portanto não tem futuro político do qual se possa falar. Mas, de fato, não tem tampouco futuro econômico, cultural, social, ou qualquer outro tipo de futuro. A única dúvida é se o país acabará mais parecido com o Haiti, a Somália ou o Iraque. Em matéria de futuro, a única coisa certa agora é que o inverno será terrível e violento.

Situação política: Novorússia

Continua a luta interna, na Novorússia, entre líderes políticos e comandantes militares em campo. No melhor dos casos, alguns deles simplesmente ignoram todos os demais (Khodakovski ou os líderes cossacos); no pior, combatem diretamente uns contra outros (Bezler e Zakharchenko). Na verdade, parece que Zakharchenko renunciou, depois a renúncia foi retirada.

Por que continuam essas lutas internas?

Há várias razões, dentre as quais:

1) O acordo de cessar-fogo é extremamente controverso e, embora não satisfaça a ninguém na Novorússia, o grau de oposição varia de pessoa para pessoa.

2) Embora Strelkov tenha tentado com real empenho converter uma insurgência de milicianos voluntários num exército regular, não teve tempo suficiente e, embora a coordenação puramente militar tenha melhorado (ao que se sabe com a cooperação de especialistas do exército russo), continua a faltar unidade política.

3) Há também as próximas eleições na Novorússia, e alguns políticos (Zakharchenko, Gubarev) sentem que têm de assumir posição politicamente correta.

4) O fato de que os interesses objetivos de russos e novorussos não sejam um e o mesmo também exacerba a questão de quem obterá ajuda dos russos.

5) Alguns comandantes militares de campo novorussos (Mozgovoi?) sentem que todo esse circo político é inútil, e que a Novorússia tem de ser governada por aqueles que a libertaram: os militares. Obviamente, não é posição que seduza os políticos civis.

6) A briga dentro da Rússia, entre “Integracionistas Atlanticistas” e “Soberanistas Eurasianos” está como que respingando para a Novorússia.

Resultado disso, eu diria que a Novorússia é sólida em termos militares e fraca em termos políticos. Além disso, ao contrário do que eu esperava, Strelkov não teve grande impacto na cena política russa e, pelo menos até agora, permanece relativamente recluso. Não tenho explicação para isso.

Conclusão:

Por um lado, o cessar-fogo está sendo constantemente e cada vez mais violado. É com certeza possível um grande ataque Ukie. Por outro lado, o trabalho de criar uma zona intermediária entre os dois lados, que possivelmente envolva tropas estrangeiras, está sendo tocado ativamente, e o conflito pode ser temporariamente congelado ao longo da atual linha de contato. Os dois lados, o Banderastão e a Novorússia são politicamente fracos e nenhum está realmente sob a autoridade de uma pessoa ou de um grupo claro de pessoas.

Os próximos meses serão catastróficos para a Ucrânia ocupada pelos nazistas, e, bem literalmente, tudo é possível, incluindo uma 3ª Praça Maidan; golpe; insurreições locais, operações forjadas sob falsa bandeira, assassinatos e, claro, guerra.

De certo modo, a estúpida trincheira-pré-muro que os Ukies estão construindo ao longo da fronteira com Novorússia, Rússia e Transnistria talvez acabe por proteger os vizinhos do Banderastão, da explosão que está para acontecer ali.

The Saker

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