Publicado em 02/02/2011 por Mair Pena Neto
Qualquer cidadão brasileiro que se informe pelos tradicionais meios de comunicação, principalmente a televisão, tem opinião formada, e contrária, naturalmente, a Hugo Chávez, Mahmoud Ahmadinejad e Fidel Castro. Eles fazem parte do eixo do mal que os Estados Unidos difundiram aos quatro cantos, contando com a docilidade da imprensa que lhe serve de porta-voz.
Evo Morales também está nesse grupo, assim como estava Nestor Kirchner até que sua morte levou uma multidão de argentinos às ruas, mostrando que o povo tinha entendido e apoiado integralmente sua política, que recuperou a Argentina do desastre neoliberal que a levou ao fundo do poço.
Lula seria outro a integrar o grupo dos vilões. Nesse caso, nem foi preciso orientação norte-americana. Os meios brasileiros tentaram destruí-lo durante oito anos, mas não conseguiram. Mantiveram-se num combate sem tréguas a um líder que o povo consagrava e que deixou o governo com o mais alto índice de popularidade da história. Até em sua saída, Lula poderia recorrer ao bordão que criou de que nunca na história desse país um governante foi tão popular apesar de toda a oposição midiática.
Mas quem governa aqui, a gente pode olhar e formar opinião com mais gabarito. Mais difícil é analisar os governantes e regimes estrangeiros com a pobre cobertura internacional da imprensa brasileira. Os mesmos que conhecem e condenam Chávez e Evo jamais ou pouco tinham ouvido falar de Hosni Mubarak, o ditador egípcio há 30 anos no poder com base num regime brutal e corrupto. Alguns poderiam dizer que o Egito fica mais longe que a Venezuela e a Bolívia e por isso não chega muita informação por aqui. Mas o Irã também está muito distante e todo mundo tem o que dizer sobre Ahmadinejad.
O pouco conhecimento sobre a ditadura de Mubarak se deve ao fato de o Egito não estar na pauta de condenações dos Estados Unidos. Ao contrário, é um aliado confiável, que recebe US$ 1,3 bilhões de ajuda militar norte-americana por ano, quantidade só inferior à destinada a Israel. Os Estados Unidos funcionam assim: aos inimigos, a condenação permanente. Aos aliados, olhos fechados. O Irã é brutal porque condena pessoas ao apedrejamento. A Arábia Saudita, que tem formas semelhantes de condenação, não merece uma linha de condenação.
O infeliz nessa história é que a grande imprensa brasileira repete o pensamento do Departamento de Estado. Os noticiários estão cheios de matérias sobre Irã, Venezuela e outros “mal vistos” e pouco se sabe do que acontece nos outros cantos do mundo. Quando explode uma revolta como a do Egito, as pessoas têm dificuldade de entender o processo. E a grande imprensa não se esforça muito em informar. Não é dito claramente que Mubarak está há 30 anos no poder com apoio e financiamento dos EUA, pois garante petróleo e gás a Israel e uma certa estabilidade do Estado judeu, além de ser um contraponto aos regimes islâmicos, que causam pânico aos Estados Unidos.
A cobertura é indigente e se perde em atos de vandalismo, como os que atingiram museus do Egito, como se questões colaterais tivessem mais relevância que o fato em si. Estamos testemunhando a história à frente dos nossos olhos. O Egito, assim como a Tunísia, está em convulsão e prestes a originar uma transformação radical em todo o Oriente Médio, e as oportunidades oferecidas aos brasileiros de compreenderem todo o processo é reduzida por uma cobertura sem dimensão histórica e com viés norte-americano.
Na TV Globo, a emissora de maior audiência do país, as informações, inicialmente, eram passadas via correspondentes nos EUA. Ora, a informação que o jornalista tem sobre os acontecimentos lá é a mesma que temos aqui. Ele não tem acesso a fontes primárias e apenas reproduz o que recebe de agências de notícias ou do governo americano. Seria legítimo ouvir o que tem a dizer sobre o que pensa o governo dos EUA e como pretende agir. Mas ter toda a história contada a partir de Washington é o fim da picada.
Entende-se que esse arremedo foi necessário enquanto um correspondente não chegava ao Cairo, mas a prática não foi interrompida mesmo após isso acontecer. A imprensa tradicional ainda tem grande importância no Brasil, embora já não dite mais o comportamento político como no passado. Nessa explosão egípcia, a imprensa como um todo ficou a reboque das redes sociais. Talvez fosse melhor ficar de olho nelas e sua capacidade de fazer história ao invés de reproduzir a cartilha norte-americana e seu discurso alienante.
Enviado pelo Direto da Redação
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