quinta-feira, 30 de abril de 2015

Obama & o seu Tratado Trans-Pacífico (TPP): “Quem pratica o mal odeia a luz e dela não se aproxima”

25/4/2015, [*] William K. BlackBlog New Economic Perspectives (em Quito)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Leia também:


Barack "excepcional" Obama discursando
para cadetes de West Point em 28/5/2014
O presidente Obama quer que o mundo saiba que ele toma como ofensa pessoal que a base do Partido Democrata oponha-se aos seus mais recentes esforços para vender os direitos dos povos do mundo às mais sórdidas empresas-corporações planetárias, mediante o para sempre infame Tratado Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)].

Em recente conferência de imprensa, Obama cuspiu vários memes de Republicanos conservadores, como seus únicos argumentos para fazer aprovar o Tratado Trans-Pacífico. Em seguida, partiu para o ataque pessoal contra a senadora Elizabeth Warren e líderes trabalhistas (sem citar nomes). Obama, famoso por não perder a fleuma quando é criticado pelos Republicanos mais linha-dura, mostra-se cheio de não-me-toques quando criticado por Democratas. Obama nunca se enfurece quando o “painel da morte” dos Republicanos o ataca, mas enfureceu-se contra Warren que, para o presidente, estaria fazendo ataque supostamente tão desonesto quanto, mas contra o processo secreto de elaboração do Tratado Trans-Pacífico.

Um dos aspectos mais repreensíveis desse TPP é que é (continua a ser) elaborado em segredo – quer dizer: só é secreto para nós o povo, os eleitores – com lobistas das grandes empresas interessadas literalmente redigindo, ali, sua lista de desejos. Obama cometeu o erro crucialmente grave de atacar Warren pessoalmente, o que é mais ou menos equivalente a um prefeito de cidade pequena lançar ataque pessoal contra Jon Stewart. Qualquer um sabe que, na sequência, Stewart lavará o chão com a pele do tal prefeito.

Ou, transferindo a metáfora para Hollywood, o ator que faz o presidente no filme The American President avisa seu adversário político que se limite a atacar o presidente, não a namorada dele: “melhor você se meter comigo, porque Sydney Ellen Wade não é da sua laia”. A senadora Warren não é da laia de Obama no que tenha a ver com proteger o povo dos EUA contra fraudes e abusos de grandes empresas & seus altos executivos.

Obama é o presidente dos EUA que, para sua eterna vergonha, disse aos banqueiros que os estava protegendo contra as demandas do povo dos EUA, que exigiam que o estado de direito fosse restaurado, de modo que gangsteres banqueiros pudessem ser levados à barra dos tribunais, acusados, julgados e condenados pela epidemia de fraudes que levaram à crise financeira e à Grande Recessão (de 2007/2008 - Nrc). Obama, sendo quem é, usou palavreado que ofendeu da forma mais vil o povo dos EUA: disse que os norte-americanos queriam usar pá e ancinho contra os banqueiros, não o devido processo legal.


Sherrod Brown                  Elizabeth Warren
Aqui vai a “denúncia do dinheiro” da carta de Warren e do senador Sherrod Brown, respondendo ao ataque de Obama.

Executivos das maiores corporações do país e seus lobbyistas já tiveram significativas oportunidades, não só para ler [o texto do Tratado Trans-Pacífico] mas também para modelar os termos’ – diz a carta. – ‘As 28 comissões de aconselhamento comercial sobre diferentes aspectos do Tratado Trans-Pacífico têm, somadas, 566 membros, e 480 deles – 85% – são altos executivos das grandes empresas ou lobbyistas da indústria. Muitas das comissões de aconselhamento – incluindo as comissões de produtos químicos e medicamentos, têxteis e confecções, e serviços e finanças – são constituídas integralmente de representantes da indústria.

Em resumo, Obama montou as comissões para garantir que os lobbyistas das grandes empresas e de seus altos executivos dominariam completamente a REDAÇÃO SECRETA do Tratado Trans-Pacífico. E todos nos EUA sabem que o resultado disso tem de ser um falso acordo tratado de comércio, arquitetado exclusivamente para permitir que os altos executivos continuem a saquear o país impunemente.

Obama está agora requerendo mais um elemento também repreensível – a “tramitação em caráter de urgência” [ing. “fast track”] – cuja mecânica implica que o texto do cínico “Natal-em-maio das empreiteiras e de seus altos executivos” não poderá receber emenda que exclua nenhuma, nem a mais ínfima ou mais perigosa das provisões do projeto de lei, espalhadas pelo texto como minas explosivas, pelos lobbyistas das grandes empresas e seus altos executivos. Não acho que se opor ao Tratado Trans-Pacífico de Obama seja questão “de partido”. Os Republicanos têm o dever de ajudar no esforço para impedir a mais recente agressão do governo Obama contra o povo dos EUA.
Os infelizes signatários do TPP
O Tratado Trans-Pacífico, é claro, está sendo vendido à opinião pública pela mesma coorte de economistas que nos meteram na crise financeira e na Grande Recessão (de 2007/2008-Nrc)) e nas múltiplas Grandes Depressões (2008-Nrc) na Espanha, Itália e Grécia. É mentira deles que esse travesti de acordo sobre interesses especiais, projetado sobretudo por lobbyistas de grandes empresas, represente algum “livre comércio”. Primeiro torturam a linguagem e a verdade, antes de se porem a torturar o mundo.

O Tratado Trans-Pacífico é o oposto perfeito de “livre comércio”. O jargão dos economistas que o apoiam é um monte de lixo fedido, usado para ocultar as provisões de “busca de lucros” e erguido para ajudar os altos executivos das grandes empresas a se autoenriquecerem à custa dos povos do mundo. Adam Smith, que apoiava o comércio mais livre, alertava já há dois séculos que quando grandes empresários e seus altos executivos reúnem-se em segredo, a coisa rapidamente vira conspiração contra o interesse público; e alertava que esses grandes empresários e altos empresários usam o próprio poder para promover os próprios interesses, à custa dos acionistas e do público. Smith já avisava que a coisa “sempre termina em conspiração contra o bem público, ou em complô para aumentar preços” . [1]

Assim também, o ainda mais conservador Frédéric Bastiat alertou, em frase que ganhou fama:

Quando o saque torna-se meio de vida para um grupo de homens que vivem juntos em sociedade, eles criam para si, no decorrer do tempo, um sistema jurídico que autoriza o saque e um código moral que glorifica o saque.

O Tratado Trans-Pacífico é o sistema legal concebido para autorizar o saque e garantir-lhe impunidade. Os economistas são os sacerdotes pagos para glorificar o saque cometido pelos altos executivos dos grandes conglomerados empresariais e grandes redes. Se se admite que lobbyistas desses altos executivos redijam em segredo um projeto de lei de acordo comercial, e em seguida o blindem contra qualquer modificação pelo povo e seus representantes eleitos, fazendo aprovar em regime de urgência até os mais desprezíveis desses movimentos de saqueio... não há dúvida alguma de que a lei gerará cada vez mais saque e roubo, não algum “livre mercado”.

Há cinco aspectos no tratado de Obama que são indefensáveis e causarão imenso dano à base e aos cidadãos em geral – e os esforços de Obama para não deixar que vejam a luz quaisquer críticas que surjam a esses aspectos indefensáveis são um sexto aspecto, que clama por rejeição. É indefensável: 

1. REDIGIR O TRATADO EM SEGREDO (porque inventaram que as propostas para a redação final seriam “informação de segurança nacional”), sem que a opinião pública seja informada do que estão fazendo. Nunca houve nem há hoje qualquer fundamento que justificasse declarar que essas propostas teriam qualquer traço de “informação de segurança”.
2. AUTORIZAR OS LOBBYISTAS DAS GRANDES EMPRESAS e respectivos altos executivos a redigir, em segredo, os termos do acordo.
3. REQUERER “REGIME DE URGÊNCIA” NA VOTAÇÃO DO TRATADO, impedindo que se removam do texto os mecanismos de roubo & saque lá introduzidos em linguagem de lobbyista. 
4. Abrir mão da soberania dos EUA e de outras nações e entregá-las a (anti) tribunais precários que esse tratado cria,[2] todos eles dominados por advogados que trabalham para os executivos e conglomerados interessados.
5. Admitir que esses (anti) tribunais precários que esse tratado cria destruam leis vitais e levem nações à bancarrota em favor dos piores saqueadores empresariais corporativos – expondo o mundo a críticas ainda mais frequentes e severas. Já várias vezes expliquei esses dois últimos pontos.

O que o TTP determina é tão danoso, que chega à depravação. E há muita experiência já acumulada, terrível experiência global com FALSOS tratados comerciais até mais limitados que o TTP, suficiente para sabermos que o adjetivo “depravado” não é exagero.

Zach Carter
Como Zach Carter explicou, a “fúria de Obama contra a base do próprio partido” parece ser efeito, sobretudo, do que a senadora Warren e forças trabalhistas disseram sobre o primeiro e indefensável aspecto (acima) do esquema para saque legalizado a favor dos altos executivos.

Obama surpreendeu os jornalistas, ao aparecer numa teleconferência com o Secretário do Trabalho, Thomas Perez, num esforço do presidente para rebater as críticas de Warren e de outros influentes Democratas, que se preocupam com a evidência de que o Tratado Trans-Pacífico no qual Obama tanto se empenha, exacerbará a desigualdade de renda e enfraquecerá leis chaves de proteção ao trabalho e ao trabalhador nos EUA.

“A ideia de que podemos derrubar a globalização, reduzir o comércio está mal pensada” – disse Obama na teleconferência. – “Já é tarde demais para isso”.

Embora Obama não tenha citado o nome da senadora Warren, muito do comentário que fez pareceu dirigida a ela. Os dois já tiveram divergências graves sobre o TTP essa semana. Obama disse em entrevista pela TV na 3ª-feira (28/4/2015), que Warren “está simplesmente errada” nessa questão. Warren reagiu distribuindo carta para levantar fundos para sua campanha de reeleição em que alerta os seus apoiadores para o fato de que o que Obama tem dito sobre o TTP nunca passa de “ideias ocas, porque nós sabemos ver imediatamente o que é o verdadeiro acordo”.

O argumento de Obama é que deputados e senadores podem agora “ver” o texto do TTP. O vocabulário sugere que o presidente continua a proibir que deputados e senadores recebam para exame cópias impressas do texto da proposta de acordo. Sem cópias impressas é impossível examinar detalhadamente o texto e sugerir emendas (o que claramente indica que o objetivo de Obama é realmente capar a capacidade do Congresso para excluir do TTP os mecanismos e proteções contra as mais danosas medidas que executivos de grandes conglomerados passarão a poder tomar em proveito próprio, se o TTP for aprovado).



Ainda não se sabe com certeza se os membros do Congresso terão autorização para tomar notas, ao lerem o texto. Obama proibiu as notas – outra vez com o claro objetivo de tornar impossível qualquer reação efetiva contra a autorização que os lobbyistas estão recebendo para saquear impunemente. Zach Carter observou o tom “legalista” arrogante de Obama em seu esforço fracassado para responder às críticas da Senadora Warren.

Obama parecia estar fazendo referência implícita à resposta de Warren na teleconferência da 6ª-feira (24/4/2015), observando que agora os membros do Congresso podem ver o texto do Tratado e terão meses para revisá-lo antes da votação da versão definitiva.

“Esses críticos que andam dizendo que é tratado secreto, ou que estão distribuindo e-mails para suas campanhas para mobilizar seus militantes para que se oponham à aprovação de um acordo secreto, podem agora se aproximar e ver (sic) o texto do tratado” – disse Obama. “Cada vez que ouço gente repetindo a noção de que o tratado é secreto – lamento, mas tenho de dizer: é desonestidade. E é um pouco preocupante ver amigos meus recorrendo a esse tipo de tática”.

Carter publicou novo artigo sobre a carta da senadora Warren e do senador Sherrod Brown em que respondem aos ataques pessoais de Obama contra ambos. A carta é devastadora.

No sábado, a senadora Warren e o senador Sherrod Brown (D-Ohio) responderam com carta em que, na essência, dizem a Obama que diga coisa com coisa ou cale o bico. Se o acordo é tão sensacional, escreveram Warren e Brown, o governo que divulgue, para conhecimento dos eleitores, todos os textos que estão sendo negociados, antes que o Congresso vote “em regime de urgência” uma legislação que roubará do Legislativo sua autoridade para introduzir emendas naquele tratado.

Os membros do Congresso têm de poder discutir o tratado com seus eleitores e de participar de robusto debate público, em vez de serem enrolados em leis de sigilo  – escreveram Warren e Brown, na carta a que The Huffington Post teve acesso.

Essencialmente, Warren e Brown apenas invocaram as Santas Escrituras:

20 Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, porque teme que suas obras sejam conhecidas.

21 Mas quem pratica a verdade sai para a luz, para que se veja claramente que suas obras são para o bem (João 3:20-21).


Santas Escrituras
Obama não apenas permite que lobbyistas redijam o TTP em segredo. Ele também protegeu sob leis de sigilo os projetos que estão sendo redigidos, convertendo-os em segredos de segurança nacional. Seria de morrer de rir, não fosse tão pervertido.

Não pode haver dúvida alguma de que Obama e os lobbyistas sempre souberam que os projetos sempre foram tão inadmissíveis em substância, que Obama foi forçado a tomar medidas obscenas para impedir que especialistas honestos tivessem acesso aos projetos do TTP! O mais recente artigo de Carter explica:

Críticos Democratas e alguns Republicanos sentiram-se particularmente frustrados pela decisão de Obama de tratar os documentos do TTP como informação sigilosa, o que os impede de responder em detalhe ao que Obama diz sobre o tratado.

“O seu governo” – diz a carta de Warren e Brown – “está tratando como informação sigilosa os projetos do TTP e os mantém longe do escrutínio público. Portanto, sim, é acordo secreto”.

Hoje, é ilegal que imprensa, especialistas, advogados e o público em geral examinem o texto desse Tratado. E quando o senhor disse que os membros do Congresso podem “andar sobre” e ler o texto do acordo – o que já fizemos – o senhor deixou de mencionar que todos os deputados e senadores estão proibidos, por lei, de discutir em público o que “vejam” naqueles textos.

Warren e Brown manifestaram-se particularmente ofendidos por terem sido acusados de desonestidade.

“Respeitosamente sugerimos que caracterizar como desonestas  as avaliações feitas por sindicatos, jornalistas, membros do Congresso e outros que discordam do que só o senhor diz sobre questões de transparência na discussão do Tratado é, simultaneamente, mentir e desservir aos mais altos interesses do povo dos EUA” – diz a carta.

As táticas hipnóticas de “Jogo das Três Tampinhas” de Obama para fazer o Congresso engolir a limitação à sua capacidade para examinar e discutir efetivamente os textos do TTP são truque velho em Washington, D.C., já bem desenvolvidos quando comecei a trabalhar lá, há 42 anos. Mas Obama não está apenas omitindo a verdade integral sobre o TTP estar sendo redigido em segredo. “Tenho de dizer” que é Obama quem, nisso, está “recorrendo à tática” de ser (muito) “desonesto”. 



O Tratado Trans-Pacífico é tratado que Obama, os economistas fracassados e os altos executivos dos grandes conglomerados envolvidos nele sabem que não sobreviverá, se exposto ao sol. Todos esses sabem perfeitamente que há muita verdade no que disse o juiz Brandeis, que “o sol é o melhor dos desinfetantes”. O TTP está sendo redigido em segredo, para que a pestilência lá fique, bem protegida contra a ação do desinfetante.

Gente que estivesse trabalhando em tratados decentes, que promovessem o interesse público, jamais admitiria que uma legião de lobbyistas redigisse um acordo dessa importância, e acolheria com alívio qualquer crítica àqueles projetos. O sigilo protegido que Obama está assegurando aos lobbyistas e altos executivos das grandes corporações norte-americanas foi previsto para maximizar os meios e os poderes para saquear tornados exclusivos e reservados aos altos executivos dos grandes conglomerados comerciais.

Obama não pode negar esses fatos. Então, se põe a tentar deslocar a discussão; ataca os senadores, para ignorar e fazer esquecer a questão central, que é os lobbyistas redigindo um tratado comercial e o assalto aos poderes do Congresso o qual, sem as emendas, fica impedido de se opor a qualquer ataque contra o interesse público dos EUA. O que Obama jamais diz pela TV é que apenas uma mínima parcela dos que se opõem ao TTP conseguirão ver o projeto: só os membros do Congresso.

Apenas comecei a explicar como a capacidade dos congressistas foi deliberadamente capada pelas táticas de “Jogo das Três Tampinhas” de Obama. Qualquer pessoa que entenda o Congresso dos EUA sabe que os membros eleitos dependem muito de suas equipes de especialistas, para que analisem e destrincem legislações muito complexas como é o TPP – tratado que foi atentamente urdido por advogados empresariais para ocultar os saques e roubos, por trás do mais impenetrável “juridiquês”.

É como tentar encontrar “Ovos de Páscoa” escondidos num fotograma de filme. Só que, nesse caso, a missão dos lobbyistas dos grandes conglomerados é também garantir que todos os ovos estejam bem podres. Ainda que os próprios congressistas possam ver os documentos que compõem o projeto do Tratado Trans-Pacífico, os assessores especialistas estão absolutamente proibidos, até, de apenas “olhar”, que fosse, aqueles papéis.

Não há “briefing” que se aproveite, se for distribuído pelo governo Obama, sobre um projeto de Tratado Trans-Pacífico, pois todos sabem que o governo Obama é garoto-propaganda do TTP e está dedicado a impedir que o Congresso jamais ponha o dedo na(s) ferida(s).

Candidata, por exemplo, como Hillary Clinton deveria ser obrigada a manifestar alguma posição sobre o TTP. Mas, não! Obama já se encarregou de livrá-la dessa obrigação. Hillary não tem autorização para dizer uma palavra, que fosse, sobre o Tratado Trans-Pacífico.

Obama: - Sim! Vai ajudar o comércio.
Warren: - Não! Vai nos custar empregos.
Hillary: - Dizendo "Sim" ou "Não" custará MEU emprego... 
E assim se vê o aspecto mais amplo da coisa toda. Qualquer pessoa que realmente desejasse que o TTP fosse compreendido e os Ovos de Páscoa podres identificados e eliminados teria enviado os textos já redigidos para serem examinados por gente como eu – para ter certeza de que as partes podres do Tratado Trans-Pacífico fossem mesmo extirpadas.

Mas Obama cuidou para que especialistas independentes como eu fôssemos excluídos e impedidos de expor os muitos escândalos e crimes que os advogados lobbyistas estão autorizando para eles mesmos, em novas leis escondidas naqueles textos, em hectares de juridiquês.
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Como Eamonn Butler escreveu, a ideia de Smith é que o único meio pelo qual uma “conspiração de empresários e comerciantes contra o bem público” pode ser bem-sucedida é se os conspiradores forem protegidos por leis do estado, aplicadas pelo governo. Sem esse apoio, as próprias pressões da concorrência fariam com que qualquer conspiração desse tipo fosse sempre derrotada pela concorrência entre eles.

[2] O autor refere-se ao mecanismo para Arbitragem para Resolução de Disputas Investidor-Estado” (ARDIE), em inglês Investor-State Dispute Settlement, ISDS, que o Tratado Trans-Pacífico cria. Sobre isso ver O que quer Obama com seus tratados TPP & TTIP?, 26/4/2015, Eric Zuesse, traduzido no blog redecastorphoto.

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[*] William K. Black, JD, Ph.D. é professor associado de Direito e Economia na University of Missouri-Kansas City.Foi diretor-executivo do Institute for Fraud Prevention de 2005 até 2007. Lecionou na LBJSchool of Public Affairs na University of Texas, na Austin University em na Santa Clara University, onde ele também foi o graduado em residência de Direito em Seguross e professor visitante no Markkula Center for Applied Ethics.
Professor Black foi Diretor de Contencioso do Federal Home Loan Bank Board, Vice-Diretor do FSLIC, Vice-Presidente Sênior e Conselheiro Geral do Federal Home Loan Bank of San Francisco e Sub–Chefe Sênior do Conselho do Office of Thrift SupervisionFoi Diretor encarregado da National Commission on Financial Institution Reform, Recovery and Enforcement.
Seu livro, The Best Way to Rob a Bank is to Own One (University of Texas Press 2005) é considerado “um clássico” da literatura financeira. Black colaborou recentemente com o Banco Mundial no desenvolvimento de sistemas de combate à corrupção e prestou serviços de perícia para OFHEO em sua ação de execução contra o ex-administração da Fannie Mae.
Atualmente ensina sobre combate aos crimes de colarinho branco, finanças públicas, leis antitruste, direito, economia e desenvolvimento na América Latina..
É frequentemente convidado, como especialista, pelas mídias nacionais e internacionais (rádios, TVs e jornais).

O assassinato como política de Washington e como fracassou – 1990-2015


A estratégia de assassinar o “bandido-em-chefe”


28/5/2015, [*] Andrew CockburnTomDispatch blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Sobre o tema, ver também: COCKBURN, Andrew (2015) Kill Chain: The Rise of the High-Tech Assassins [As cadeias de matar: ascensão dos assassinos high-tech].



Warren Weinstein e Giovanni LoPorto (D)
Com a guerra ao terror aproximando-se do 14º aniversário – guerra que os EUA parecem estar perdendo, com os jihadistas avançando no Iraque, na Síria, no Iêmen – os EUA mantêm-se obcecadamente presos a sua estratégia de “alvejar alvos de alto valor” [orig. “high-value targeting”], o eufemismo preferido no país para “assassinato”. O Secretário de Estado, John Kerry, citou com orgulho a eliminação de “50%” dos “top comandantes” do Estado Islâmico como recente indicação de avanços. Houve notícias de que Abu Bakr al-Baghdadi, o Califa do Estado Islâmico, em pessoa, teria sido gravemente ferido num ataque aéreo em março e, portanto, estava afastado do comando diário da organização. Em janeiro, como a Casa Branca só admitiu com grande atraso, um ataque cujo alvo era a liderança da al-Qaeda no Paquistão conseguiu matar também um cidadão norte-americano, Warren Weinstein e outro refém que estava com ele, o italiano Giovanni Lo Porto.

Mais recentemente no Iêmen, quando a al-Qaeda na Península Arábica tomou um aeroporto chave, um drone dos EUA assassinou Ibrahim Suleiman al-Rubaish, suposta figura importante na hierarquia do grupo. Ao mesmo tempo, o canal saudita de notícias, al-Arabiya mostrava um baralho cujas cartas exibiam fotos dos principais inimigos dos sauditas no Iêmen, lastimável cópia do infame baralho de cartas criado pelos militares dos EUA pouco antes da invasão do Iraque, como indicação dos iraquianos a serem mortos (Saddam Hussein era o ás de espadas).

Seja qual for o eufemismo – os israelenses preferem falar de “prevenção focada” – o assassinato tem sido claramente a estratégia preferencial de Washington no século XXI. Os métodos de matar, incluindo drones, mísseis cruzadores e equipes de rastreadores-matadores nas Forças Especiais, podem variar, mas a noção central, de que o caminho do sucesso está em matar diretamente os líderes inimigos já está firmemente incorporada. Como a então Secretária de Estado, Hillary Clinton, disse em 2010:

Acreditamos que o uso de operações orientadas pela inteligência e com alvo predefinido contra insurgentes de alto valor e suas redes é componente chaveda estratégia dos EUA.

Análises dessa política recordam, corretamente, o precedente sangrento do Programa Fênix da CIA na era Vietnã, quando foram “neutralizados” pelo menos 20 mil seres humanos. Mas há fonte de inspiração mais recente e mais direta, embora menos notada, para o programa de assassinatos por matadores norte-americanos, no Oriente Médio Expandido e na África: a chamada “estratégia de assassinar o bandido-em-chefe” que foi usada nas guerras das drogas de Washington nos anos 1990s.


DRONE Predator MQ9-Reaper
Como me disse pessoalmente um ex-alto funcionário da Casa Branca para contraterrorismo, em entrevista em 2013:

A ideia nasceu da guerra às drogas. O precedente já estava no sistema, modelando nosso pensamento. Tínhamos alto grau de confiança na serventia do assassinato predefinido. Havia convicção generalizada de que essa era ferramenta que tínhamos de usar.

Tivesse o tal funcionário especialista melhor informação sobre o resultado desse capítulo da guerra às drogas, talvez tivesse menos confiança na utilidade da “ferramenta”.

Na verdade, a parte mais estranha dessa história é que a estratégia de matar os chefões da droga, que deu resultado terrivelmente errado, praticamente o oposto do que se esperava, tenha voltado a ser aplicada em grande escala, depois, na guerra ao terror – e com exatamente os mesmos resultados terrivelmente errados.

Aparece a estratégia de assassinar o bandido-em-chefe [orig. kingpin strategy]

No início dos anos 1990s, a Drug Enforcement Administration (DEA) era a prima pobre dentre as agências de polícia federal nos EUA. Criada duas décadas antes pelo Presidente Richard Nixon, dormitava à sombra das irmãs mais poderosas, sobretudo o FBI. Mas o futuro trouxe-lhe esperanças. O presidente George H.W. Bush acabava de relançar a guerra às drogas que havia sido lançada por Nixon, e havia gordas dotações orçamentárias à vista. Além do mais, em contraste com os tempos de Nixon, quando os grupos de traficantes viviam nas sombras, naquele momento o inimigo já tinha rosto ou rostos conhecidos. Os cartéis colombianos de tráfico de cocaína já estavam na mídia, seu poder e a eficiência violenta e cruel espalhafatosamente divulgados na televisão e nos jornais.

E Robert Bonner, ex-procurador e juiz federal nomeado para dirigir a DEA em 1990, viu ali, bem clara, uma oportunidade. Embora Nixon alimentasse fantasias de usar sua força antidrogas para assassinar traficantes, e até tivesse pedido a líderes da comunidade de emigrados cubanos anti-Castro que lhe fornecessem os indispensáveis assassinos, Bonner tinha em mente coisa mais sistemática. Chamou seu plano de uma “estratégia de assassinar o bandido-em-chefe”, cujo objetivo seria a eliminação, por morte ou por captura, dos “pinos centrais”, os bandidos-em-chefe que dominavam aqueles cartéis.

Robert Bonner, ex-nº 1 do DEA
Implícito no conceito estava o pressuposto de que os EUA enfrentavam uma ameaça estruturada hierarquicamente, que poderia ser derrotada pela remoção dos elementos chaves do comando. Nisso, Bonner fazia eco a uma doutrina tradicional da Força Aérea dos EUA: que todo e qualquer sistema inimigo tem contém necessariamente “nodos críticos”, cuja destruição levaria ao colapso do inimigo.

Num discurso revelador de 2012, numa reunião de veteranos da DEA organizada para comemorar os 20 anos de lançamento da estratégia de assassinar o bandido-em-chefe, Bonner falou do inimigo empresarial que enfrentara. Os grandes traficantes de droga, disse ele,

(...) são, por qualquer ponto de vista que se os analisem, grandes organizações. Por definição operam transnacionalmente. São integrados verticalmente em termos de produção e distribuição. E, aliás, mantêm gente muito esperta, embora também muito cruel, no topo; e têm estrutura de controle e comando. E eles também têm seus especialistas, encarregados de determinadas funções essenciais da organização, como logística, vendas e distribuição, finanças e policiamento.

Daí se inferiu que a remoção desses personagens muito espertos do topo da organização, para nem falar dos especialistas em logística, tornaria o cartel inoperante e, assim, se interromperia o fluxo de narcóticos para os EUA.

A caça aos bandidos-em-chefe prometia ricas recompensas institucionais. Além da superior presença do FBI, Bonner teve de discutir com outro predador carnívoro na selva da burocracia de Washington, que ansiava por tomar contra do território da agência de Bonner. “DEA e CIA eram como cão e gato” – relembra o ex-diretor da DEA, numa entrevista em 2013. “Havia tensão real entre elas”. Mas Bonner conseguiu negociar a paz com a poderosa agência, “com o quê passamos a ter uma aliada muito importante: a CIA podia usar a DEA e vice-versa”.

Queria dizer que a agência superior podia usar os poderes legais da agência antidrogas para agir domesticamente, com grande vantagem. Essa próspera relação atraiu outros potentes aliados. Agora, não apenas a sua agência estava mais próxima da CIA, como me disse Bonner, mas “através da CIA, nos aproximamos também da Agência de Segurança Nacional, NSA”. Uma nova Divisão de Operações Especiais criada para trabalhar com as agências superiores ficou encarregada de supervisionar os ataques aos bandidos-em-chefe, operando a partir de massiva inteligência eletrônica.

Essa nova orientação rapidamente ganharia credibilidade depois da eliminação do líder do cartel mais afamado de todos. Pablo Escobar, figura dominante do cartel de Medellín, era objeto de atenção obsessiva dos federais norte-americanos. Há muito tempo escapava das caçadas organizadas e comandadas pelos EUA, antes de negociar um acordo com o governo da Colômbia em 1991, pelo qual passou a residir numa “prisão” que o próprio Escobar construíra nas colinas acima de sua cidade natal. Um ano depois, temendo que o governo planejasse trair o acordo e entregá-lo aos norte-americanos, Escobar deixou aquela prisão e mergulhou na clandestinidade.

A caçada que se seguiu, para prender o barão das drogas fugitivo marcou um ponto de virada. A Guerra Fria acabara; Saddam Hussein fora derrotado na 1ª Guerra do Golfo em 1991; escasseavam as ameaças críveis contra os EUA; e pairava no ar o perigo dos cortes no orçamento da “defesa”. Foi quando os EUA empregaram toda a parafernália da vigilância tecnológica originalmente desenvolvida para confrontar o inimigo soviético, contra um único alvo humano. A Força Aérea enviou vasto sortimento de aviões de reconhecimento, inclusive os SR-71s, capazes de voar a velocidade equivalente a três vezes a velocidade do som. A Marinha enviou seus próprios aviões espiões; a CIA contribuiu com um drone helicóptero.

Houve momento em que havia 17 dessas aeronaves espiãs voando simultaneamente sobre Medellín, embora, como adiante se verificou, nenhuma delas tenha oferecido qualquer informação que ajudasse a localizar Escobar. A DEA tampouco fez qualquer contribuição relevante. Quem realmente teve papel decisivo foram traficantes rivais de Escobar, de Cali – o segundo maior cartel colombiano de tráfico de drogas – que trabalharam na destruição dos sistemas de poder e de organização do grupo de Escobar. Combinaram inteligência racionalmente construída e operada, e a mais sangrenta e violenta crueldade.

Com a sua antes poderosa rede de informantes e guarda-costas já destruída, Escobar acabou localizado, por causa de um rádio rastreado; e foi morto a tiros quanto tentava fugir por um telhado, dia 2/12/1993. Embora seja assunto controverso e jamais confirmado, um ex-alto funcionário da DEA garantiu-me que, sem dúvida possível, o tiro que o matou partiu da arma de um atirador de elite da Força Delta das Operações Especiais do Exército dos EUA.

Depois desse sucesso, a DEA voltou suas atenções para o cartel de Cali, jogando contra ele todos os recursos disponíveis: “Desenvolvemos realmente o uso de gravações telefônicas clandestinas” – disse-me Bonner. Paciência e uma quantidade enorme de dinheiro acabaram por produzir resultados. Em junho e julho de 1995, seis dos sete cabeças do cartel de Cali foram presos, inclusive os irmãos Gilberto e Miguel Rodríguez-Orijuela e o cofundador do cartel, José “Chepe” Santacruz Londoño. Embora Londoño tenha depois escapado da prisão, acabou também caçado, encontrado e assassinado. Pressão continuada dos EUA ao longo dos anos finais da década e depois disso, resultaram numa longa cadeia de chefões do tráfico para as prisões, com sentenças de prisão perpétua, ou para os cemitérios.

Pablo Escobar

Caem os bandidos-em-chefe... e sobe o tráfico

A estratégia parecia ter sido sucesso retumbante.

Quando Pablo Escobar teve de fugir e esconder-se, sua organização começou a desmoronar (...) e acabou destruída. E essa foi a estratégia que chamamos de “estratégia de assassinar o bandido-em-chefe”, jactava-se Lee Brown, o “czar da droga” de Bill Clinton, em 1994.

Pelo menos em público, nenhum funcionário do governo deu-se ao trabalho de explicar que, se o objetivo da tal estratégia era conter o uso de drogas pelos norte-americanos, o resultado final foi o exato oposto do que deveria ter sido. O ponto pelo qual a vitória da estratégia converteu-se em fracasso estava no preço da cocaína negociada nas ruas dos EUA. Naqueles anos, a DEA dedicava esforço enorme no monitoramento do preço da droga nas ruas, usando agentes infiltrados para comprar e compilando depois, laboriosamente, em cuidadosos “balanços”, tudo o que fora pago.

Mas a droga obtida por esses meios sub-reptícios era de pureza terrivelmente variável, com a cocaína muita vezes trocada por substituto sem valor comercial. Assim, o preço do grama de cocaína pura variava enormemente, porque alguns maus negócios, de material de baixa pureza, faziam o preço médio oscilar muito. Os varejistas de rua começaram a compensar os preços mais altos reduzindo a pureza da droga que vendiam, em vez de cobrar mais caro por grama. Com isso, os quadros de preço que a Agência mantinha passaram a indicar menor movimento; e nada informaram sobre os eventos que estavam afetando os preços e, portanto, a oferta da droga.

Mas em 1994, o Instituto de Análises para a Defesa, o think-tank que o Pentágono mantém intramuros, começou a examinar mais detidamente os dados sobre drogas nos EUA. O analista, um ex-piloto de combate da Força Aérea, de nome Rex Rivolo, foi encarregado de fazer exame independente da situação da guerra às drogas, a pedido de Brian Sheridan, o prático e realista Diretor da Comissão para Política de Controle de Drogas do Departamento de Defesa – que desenvolvera saudável desrespeito pela DEA e suas operações.

Depois de informar aos funcionários da DEA que suas estatísticas não valiam nada, mero “ruído aleatório”, Rivolo pôs-se a trabalhar para desenvolver uma ferramenta estatística que eliminaria o efeito, no tráfico, das oscilações da pureza das amostras recolhidas pelos agentes infiltrados. Tão logo Rivolo pôs em funcionamento a nova ferramenta, começaram a surgir conclusões interessantes: a caçada aos bandidos-em-chefe das organizações quase com certeza estava influenciando os preços e, por extensão, a oferta. Mas não na direção que o DEA propagandeava. Longe de impedir que o fluxo de cocaína alcançasse as narinas dos norte-americanos, a caçada aos barões estava acelerando o processo. Eliminar os bandidos-em-chefe havia, de fato, aumentado a oferta de cocaína nos EUA.


Civis indignados no Paquistão protestam
contra os assassinatos indiscriminados
Foi revelação que causou impacto, porque andava contra atitudes muito tradicionais da cultura policial nos EUA, que chegavam aos dias da guerra de Eliot Ness contra os contrabandistas de bebida nos anos 1920s e que se tornariam a base das guerras contrainsurgência de Washington no século XXI. Era diagnóstico que poderia ter sido feito intuitivamente, sobretudo depois que a estratégia de assassinar o bandido-em-chefe passou a ser aplicada contra terroristas e insurgentes. Mas, pelo menos daquela vez, havia dados observáveis, computáveis, inegáveis.

No último mês de 1993, por exemplo, a antes gigantesca organização de contrabando de cocaína de Pablo Escobar já estava em cacos, e ele estava sendo caçado pelas ruas de Medellín. Se a premissa da estratégia da DEA – que eliminar os barões da droga faria diminuir a oferta de drogas – estivesse correta, a oferta de cocaína dos EUA deveria ter sido interrompida.

Na verdade, aconteceu o oposto: naquele período, o preço da cocaína nas ruas dos EUA caiu de cerca de US$ 80 para cerca de US$ 60 o grama, porque aumentou a oferta de outros grupos para o mercado norte-americano. E o preço continuaria a cair ainda mais depois da morte de Escobar. Igualmente, quando o principal grupo que comandava o cartel de Cali foi preso em meados de 1995, os preços da cocaína, que haviam subido muito no início daquele ano, entraram em declínio vertiginoso, que continuou ao longo de 1996.

Certo de que a queda dos preços e a eliminação dos bandidos-em-chefe estavam conectadas, Rivolo pôs-se a procurar uma explicação, que encontrou numa velha teoria econômica que chamou de “competição monopolística”.

É coisa de que não se fala há anos – ele explicou. No essencial, diz que se você tem dois produtores de algo, há determinado preço. Se você dobra o número de produtores, o preço é cortado ao meio, porque os dois produtores partilham o mercado.

A questão portanto era – ele continuou – quantos monopólios havia por aí? Tínhamos três ou quatro grandes monopólios. Mas vocês os pulverizaram, dividiram-nos por vinte. Quem conheça as leis da competição monopolística, já saberia que o preço despencaria. Claro que nos anos 1990s o preço da cocaína estava despencando, porque a concorrência estava chegando e forçando a disputa. A melhor coisa que poderiam ter feito seria deixar aí um cartel sobre o qual tínhamos algum controle. Se o objetivo de vocês é reduzir o consumo de drogas nas ruas, o mecanismo tem de ser esse. Mas se você é policial, sua meta é prender o bandido. Daí que nós passávamos o ano inteiro tendo de lutar  contra a mentalidade policial dessas organizações provincianas como a DEA.

A “estratégia de assassinar o bandido-em-chefe” une-se à Guerra ao Terror

No fundo das selvas do sul da Colômbia, fazendeiros plantadores de coca não precisam de obscuras teorias econômicas para compreender as consequências da estratégia de matar o bandido-em-chefe. Quando chegaram as primeiras notícias de que Gilberto Rodríguez-Orejuela havia sido preso, pequenos varejistas no vilarejo remoto de Calamar deram vivas.

Graças à virgem abençoada! exclamou uma senhora idosa, a um repórter norte-americano que lá estava.

Espere só até que os EUA entendam o que isso realmente significa – disse outro residente local. – Mas... sabe-se lá! Vai-se ver talvez até aprovem, porque é realmente uma vitória da livre empresa! Nada de monopólios controlando o mercado e decidindo o quanto nós, os que plantamos, devemos receber. Aconteceu a mesma coisa quando eles mataram Pablo Escobar: agora, vai haver dinheiro para todos!

Miguel e Gilberto Rodriguez Orejuela (D) presos em 2005
Aí está juízo e avaliação que se comprovaram absolutamente corretos. Quando os grandes cartéis foram desmontados, o negócio reverteu para grupos menores, e até mais violentos, que trataram de manter satisfatórias a produção e a distribuição, sobretudo porque mantinham laços com os grupos para–militares fascistas antiguerrilhas aliados do governo da Colômbia e tacitamente apoiados pelos EUA.

Grande parte do trabalho de Rivolo sobre esse assunto ainda é material sigiloso. Não surpreende que seja, não apenas porque desmonta toda a argumentação a favor da “estratégia de assassinar o bandido-em-chefe” na guerra das drogas dos anos 1990s, mastambém porque acerta o plexo da doutrina dos “alvos de alto valor” a serem assassinados, e que é obsessão do governo Obama, com suas campanhas de assassinatos com drones por todo o Oriente Médio Expandido e partes da África.

Rivolo pôde, na verdade, monitorar a aplicação da mesma estratégia de matar o bandido-em-chefe também na década seguinte. Em 2007, foi nomeado para uma pequena, mas muito capacitada, célula de inteligência ligada ao quartel-general em Bagdá do general Ray Odierno, o qual, naquele momento, era o comandante de operações dos EUA no Iraque. Enquanto lá esteve, Rivolo ocupou-se com examinar o que estava acontecendo no contexto da eliminação dos “indivíduos de alto valor” [ing. “high-value individuals,” (HVIs)]. Construiu uma lista de 200 desses indivíduos-alvos de alto valor – líderes de insurgências locais –que haviam sido assassinados ou capturados entre junho e outubro de 2007. Em seguida, examinou o que acontecera depois da eliminação deles, nas localidades onde operavam.

Os resultados, ele descobriu quando pôs os números em gráficos, eram mensagem inequívoca, muito clara: a estratégia estava forçando novidades nas localidades, mas não as novidades desejadas. Era praticamente a mesma mensagem que já se inferira do uso da estratégia de matar o bandido-em-chefe na guerra às drogas dos anos 1990s. Matar os “indivíduos de alto valor” não fazia diminuir o número de ataques nem ajudava a salvar vidas norte-americanas: aumentava o número de ataques e de norte-americanos mortos. Cada assassinato de líder local, causava pandemônio. Num raio de três km da base de operações do alvo assassinado, os ataques, ao longo de 30 dias depois do assassinato aumentavam 40%. Num raio de cinco km, típica área de operações de célula insurgente, o aumento ainda era de 20%.

Ray Odierno
Resumindo suas conclusões para o general Odierno, Rivolo acrescentou uma enfática linha final:

Conclusão: a Estratégia de matar indivíduos de alto valor, nossa principal estratégia no Iraque, é contraproducente e tem de ser reavaliada.

Como no caso da “estratégia de matar o bandido-em-chefe”, as causas desse resultado aparentemente contraintuitivo não são difíceis de compreender. Os comandantes mortos eram imediatamente substituídos, e os novos comandantes quase sempre eram mais jovens e mais agressivos que os antigos chefes, ansiosos para “fazer um nome” e demonstrar seu valor.

A pesquisa e as conclusões de Rivolo, que foram apresentadas em resumo para os mais altos níveis, não provocaram qualquer diferença.

A estratégia de matar o bandido-em-chefe pode ter fracassado nas ruas das cidades dos EUA, mas com certeza foi retumbante sucesso no que tenha a ver com a prosperidade da DEA. O orçamento da agência, indicador seguro do status da agência, aumentou 240% durante os anos 1990s, de US$ 654 milhões em 1990, para mais de US$ 1,5 bilhões uma década adiante.

Assim também, embora em escala muitíssimo maior, o assassinato de alvos de alto valor também fracassou e não gerou os resultados esperados no Oriente Médio Expandido, onde cresceu o recrutamento para o terror, multiplicado, agora, à sombra dos drones matadores. (A remoção de al-Baghdadi do controle diário do Estado Islâmico, por exemplo, em nada retardou ou reduziu as operações do grupo).

Mas a estratégia tem gerado, isso sim, inestimáveis proveitos para muita, muita gente, desde os fabricantes dos drones até os funcionários do contraterrorismo na CIA, que fracassaram tão espetacularmente na prevenção do 11/9/2001 e agora fazem do assassinato a sua própriaraison d'être.

Não surpreende que os sauditas queiram drones e mais drones – seguindo no Iêmen as nossas pegadas. Mundo, mundo, vasto mundo... Quem será o próximo?

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[*] Andrew Cockburn é editor em Washington da Harper’s Magazine. Nascido em Londres em 1947, mas criado na Irlanda (County Cork), cobre questões de segurança nacional nos EUA há muitos anos. É autor de vários livros, co-produtor em 1997 do filme The Peacemaker e em 2009 de um documentário sobre a crise financeira, American Casino. Seu livro mais recente é Kill Chain: The Rise of the High-Tech Assassins.