14/4/2015, [*] Ivan Lizan – The Vineyard of the Saker
Traduzido do russo para inglês por Aleksey e para português pela Vila Vudu
Os principais oligarcas da Ucrânia (clique na legenda para aumentar) |
Desde a vitória da “revolução da dignidade” já transcorreu um ano, o que nos permite fazer um cálculo provisório de perdas/ganhos das atividades oligárquicas na Ucrânia e compreender quem, dos mais ativos participantes do golpe da Praça Maidan, venceu, quem perdeu, e o que o futuro reserva aos oligarcas ucranianos.
“Era liso, no papel. [Os generais] esqueceram as ravinas”. [1]
O objetivo básico da primeira revolução, a Maidan “de veludo”, organizada por Sergei Lyovochkin, cujo apogeu foi o espancamento dos que se manifestavam pró-Europa dia 30/11/2013 – mudou o modelo das relações entre os clãs oligárquicos da república ucraniana.
O clã de Donetsk, chefiado por Yanukovich e Akhmetov, opôs-se ao clã Dnepropetrovsk, cujo símbolo era Yulia Timoshenko e cujo mais rico oligarca-membro era Igor Kolomoisky. A principal reclamação do clã de “Dnepropetrovsk” ao clã de “Donetsk” era contra o apetite insaciável por riquezas, da família de Viktor Fedorovich Yanukovich; e contra a posição deles, de não assinarem os acordos de euro-associação, que satisfariam muito bem os objetivos de alguns oligarcas, interessados em integrar a cadeia de mercadorias em nível de base. (A luta por mais riquezas).
Os acordos de Moscou, que foram iniciados por Mykola Azarov, não apenas satisfizeram apetites de oligarcas ucranianos, mas foram também o início de um processo de redirecionamento gradual da Ucrânia no rumo da união aduaneira encabeçada pela Rússia. Mas em janeiro de 2014, com os eventos da Praça Maidan, ficou claro que, nas grandes questões de geopolítica mais ampla, os oligarcas ucranianos não eram orquestradores de qualquer grande jogo, mas peças de valor apenas mediano, que estavam sendo operadas e movimentadas pelos EUA.
Fato é que, em fevereiro, os oligarcas já haviam perdido praticamente todo e qualquer controle sobre as atividades das massas revolucionárias, e o único que, retrospectivamente, obtivera algum benefício fora Igor Kolomoisky. Os outros estavam entre os que quase perderam muito mais do que ganharam.
A revolução não devora só os próprios filhos, devora também os pais.
É difícil saber se os oligarcas ucranianos previram e contabilizaram as diferentes combinações possíveis e os resultados de suas atividades revolucionárias na Ucrânia ou não. Provavelmente tentaram prever e contabilizar alguma coisa, mas com certeza não previram corretamente os resultados. Se se consideram os resultados do ano passado, pode-se garantir que nenhum dos oligarcas ganhou coisa alguma em termos de capital agregado. Nenhum deles ficou mais rico.
O oligarca cujas riquezas mais sofreram foi o príncipe do Donbass, Rinat Akhmetov, que perdeu quase metade de seu capital e todos os seus domínios feudais. A única coisa que ainda mantém Akhmetov à tona é a sólida reserva de força e energia do império DETEK, que faz salivar a concorrência, mas não pode ser facilmente atacada por causa de sua importância estratégica e complexo gerenciamento. Detalhe a considerar é que a DETEK inclui usinas de energia térmica, elemento chave no sistema energético da Ucrânia, minas de produção e estruturas de transporte de carvão. Outro fator chave é que confiscar esse item do patrimônio de Akhmetov poderá gerar riscos imprevisíveis para toda a elite de Kiev.
A DETEK de energia possui inclusive usinas nucleares |
De qualquer modo, a guerra no leste do país e a luta contra Igor Kolomoisky abalaram Akhmetov muito gravemente, e ante os eventos em curso e as perdas que tem sofrido, é bem provável que chegue completamente quebrado ao dia de Ano Novo. As usinas de produção de aço de Rinat Akhmetov lá estão, em território da República Popular de Donetsk; e quase todas as suas propriedades no Donbass estão sendo disputadas por Kiev e pela República Popular de Donetsk.
Um dos organizadores da Maidan “de veludo”, Dmitry Firtash, está hoje na Áustria, cujo governo está decidindo se o extradita para os EUA. Firtash era o principal empresário da indústria química na Ucrânia, especializado na fabricação de fertilizantes. Problemas com o fornecimento de gás, a moeda ucraniana desvalorizada e a contração do mercado interno fizeram encolher a demanda por fertilizantes, o que levou ao fechamento de suas fábricas. A fábrica “Styrene” em Gorlovskiy, por exemplo, em território da República Popular de Donetsk, foi duramente atingida durante os bombardeios que a região sofreu. A prisão de Firtash mostrou a posição frágil desse específico oligarca ucraniano, que teve confiscada também sua usina de nitrogênio, “Tajik Nitrogen”, no distante Tadjiquistão, além de suas propriedades na Ucrânia.
Viktor Pinchuk também não se deu bem; sua empresa produtora de tubulações foi à falência e o negócio de seguros também morreu pouco depois.
Vadim Novinsky está virtualmente falido, e os prejuízos de sua indústria de construção de navios já chegam a US$ 4 bilhões, que corresponde ao valor estimado do contrato (hoje já perdido) para a construção de um navio tanque para a Gazprom russa, no estaleiro de Nikolaev. Seu banco Forum também sofreu; e investigação iniciada em fevereiro no “Smart group” podem levar à encampação também dessa propriedade de Novinsky.
Sergei Taruta é caso de perfeita bancarrota (nas próprias palavras dele, ao descrever sua situação financeira). Mas esse magnata não foi à bancarrota por ter cavado trincheiras entre a fronteira russa e o Donbass, mas porque perdeu suas propriedades que estão hoje em território da República Popular de Donetsk.
Konstantin Zhevago e Sergei Tigipko caíram fora e decidiram não se envolver na disputa. Escaparam com escoriações leves, mas o capital deles também perdeu peso. Os negócios de Zhevago estão padecendo porque os preços da mineração de ferro desabaram, e banco dele, “Finance and Credit”, está à beira da falência. Os negócios de Tigipko devem chegar ao fundo do poço em breve, e ele também está bem próximo da total ruína financeira.
“Governo é assunto do [Banco] Private. Oligarca, aí sim, sou eu” (Igor Kolomoisky)
Ao final do ano passado, os únicos oligarcas que se mantinham em pé na Ucrânia eram Igor Kolomoisky e seus colegas no grupo financeiro e industrial “Privat”. Apesar da redução no capital, “Private” tem precisamente o que outros oligarcas e suas organizações não têm: muito músculo.
Sede do Privatbank em Dnipropetrowsk |
Igor Kolomoisky e os dois Gennadys próximos dele, Korban e Bogolyubov, conseguiram por causa de suas últimas posições, alugar mercenários a tempo e formar milícias privadas próprias. As mudanças no poder ajudaram a dar-lhes cobertura, não só na proteção ao patrimônio já existente, mas, também, para ampliar a influência deles nas regiões de Odessa, Zaporozhye e Kharkov, criando praticamente um estado dentro do estado, no qual Igor Kolomoisky tornou-se líder. Nas eleições parlamentares, o grupo “Private” consolidou sua representação no Parlamento e várias vezes “derrotou” Kiev. Poroshenko e Yatsenyuk foram obrigados não só a alocar bilhões para refinanciar dívidas do “Private,” e fingir que não viram o roubo de 603 mil toneladas de petróleo do principal oleoduto, mas também tiveram de tolerar Kolomoiskiy como governador nomeado da região de Dnipropetrovsk, e seu vice-governador, Igor Papitzu, no governo da região de Odessa. Não é possível remover Papitzu e Kolomoiskiy sem declarar guerra ao banco “Private”, não há qualquer garantia de vitória contra aquelas poderosas milícias armadas, e ninguém em Kiev decide-se a dar tal e tão temerário passo.
De fato, Kolomoysky é o único oligarca na Ucrânia que representa real ameaça contra os governantes de Kiev e, por sua vez, é uma força de reserva para Washington, que os EUA poderão usar depois da bancarrota dos projetos políticos hoje em andamento.
Bem-sucedidos gerenciadores de crises
Enquanto isso, o concorrente de Kolomoiskiy é o presidente Petro Poroshenko, o qual, apesar de os lucros de sua empresa Roshen terem aumentado nove vezes, é, no geral, completo perdedor. Nem o tráfico de armas está ajudando o oligarca-presidente através de sua empresa de construção e engenharia “A Forja de Lênin”. Lateralmente, deve-se observar que o Banco MIB, de Poroshenko, está crescendo; durante o ano passado o capital foi aumentado em 85%, mais, provavelmente que os lucros, graças ao talento e ao trabalho duro do ex-dentista-chefe Oleksandr Yanukovych.
Também Arseniy Yatsenyuk muito trabalhou para esse resultado, e certamente aumentou o capital do banco, com o desenvolvimento do crédito e aumento do custo do dinheiro diretamente para o comércio de armas. Mas os resultados de Arseny Petrovich não foram bons, por causa das dificuldades para provar a propriedade dos suprimentos e fundos [trecho incompreensível].
Sobreviver à destruição do habitat
O problema que mais atormenta todos os oligarcas ucranianos é que já não controlam os processos políticos no país no qual ganhavam dinheiro. O máximo em que os dois, Poroshenko e Kolomoysky, conseguem interferir é no processo de realocação de recursos do orçamento e na distribuição de bens atraentes. Mas não conseguem mais interferir, como faziam antes, na economia.
O procedimento de cercar Yanukovich e confiscar todos os seus bens, que coincidiu com os primeiros passos do roteiro montado para desintegrar a Ucrânia, levou à destruição da burguesia de sempre e da oligarquia ucraniana. Se antes as questões de segurança pessoal eram deixadas por conta do governo ucraniano e das organizações policiais mantidas pelo orçamento do Estado, quando o Estado entrou em colapso aumentaram, para todos, os custos do componente defensivo do poder.
Manifestação anti-Maidan na Praça Lenin, Donetsk 27/2/2015 |
O colapso da economia e o colapso não controlado do sistema bancário não atingirão só os meros mortais, mas também os oligarcas, supremas divindades da oligarquia. Ainda é possível, para eles, realocar os bens saqueados do patrimônio da Ucrânia. Mas manter o butim e fazê-lo render e gerar lucros em dólares tornou-se inacreditavelmente difícil.
Desde que engenharia e metalurgia entraram em queda livre, e há um buraco de proporções épicas no orçamento, só sobreviverão os oligarcas e respectivos grupos que:
●– mantenham alguma conexão com o Departamento de Defesa, para monopolizar os serviços de reparos de equipamentos, para o exército de Kiev;
●– enquadrem-se bem no esquema de compra e venda de armas e de prestação de ajuda pelo ocidente, inclusive financeira;
●– consigam manter vivos os respectivos negócios relacionados a importação e exportação, negócios que são críticos para manter a moeda, ou controlem setores estratégicos da economia (desde que PPG “Private” sobreviva, porque é a espinha dorsal do monopólio da produção de ligas de ferro e exportação de moeda, e Rinat Akhmetov, com sua holding DETEK a fornecer eletricidade).
Os oligarcas ucranianos do agro-business também enfrentarão dificuldades: o preço dos fertilizantes, do maquinário e do combustível subirá consideravelmente, e o acesso ao crédito será mais difícil. Mas os oligarcas transferirão o aumento dos custos para os fazendeiros e outros atores de mercado, e a troca de grãos por moeda não será afetada.
A paulada mais dura desabará sobre os banqueiros, a falência do “Delta Bank” e a corrida catastrófica de depositantes para retirar seus fundos do banco, a incapacidade para pagar juros aos clientes sobre os depósitos levará à morte a maioria dos bancos e todo o sistema financeiro da Ucrânia. O último a tombar no mercado bancário da Ucrânia será o banco “Private” de Igor Kolomoisky.
Delta Bank sofre "corrida" de seus depositantes |
A redução nas oportunidades para pilhagens tornará mais feroz a guerra entre os oligarcas, e o país se desintegrará em várias “prefeituras”, só formalmente incluídas numa una e indivisível (e fictícia) Ucrânia.
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Este ano será crucial para a oligarquia ucraniana, os mesmos oligarcas que destruíram o próprio habitat. O Estado, sim, tem curvas e oblíquas, mas sempre foi bom provedor. Agora, os oligarcas estão forçados a construir suas “prefeituras” feudais sobre as ruínas da Ucrânia; e terão de viver independentemente.
A experiência da Ucrânia mostra que a ausência completa de qualquer senso de proporções na privatização dos lucros e socialização das perdas do Estado levou à ruína dos que, precisamente, parasitavam o próprio corpo do Estado. Com certeza os leitores ouvirão falar, ano que vem, de outros gerentões talentosos, mas perdulários e arrogantes, que tiveram de fugir do país onde um dia viveram da própria fama de empreendedores de sucesso.
O sistema econômico ucraniano que trabalhava sobre um conjunto de bens, empresas e organizações que pertenciam a diferentes oligarcas, exauriu-se e já não se aguenta sobre as próprias pernas. Porque dentro de um ano, dois anos, guerra de igual intensidade, ou ainda pior, reduzirá ainda mais a taxa de funcionamento da Ucrânia, não só para os oligarcas como também para o povo, quando as últimas instituições do Estado que ainda estejam em funcionamento também entrarem em colapso.
Consequentemente, então, tudo terá de começar do zero: a nacionalização-estatização e a industrialização.
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Nota dos tradutores
[1] “Era liso, no papel. [Os generais] esqueceram as ravinas” é frase de Tolstoi, já convertida em provérbio, que os russos usam muito.
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[*] Ivan Lizan é um jornalista ucraniano especializado em geopolítica.
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