1/4/2015, [*] Nikolai BOBKIN, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Os EUA bombardeiam Bagdá (ao vivo) |
A situação no Oriente Médio só deteriorou desde a invasão dos EUA ao Iraque em 2003. Tudo o que aconteceu na região depois dali foi resultado da intervenção dos norte-americanos nos assuntos internos de países do Oriente Médio, seja Tunísia, Líbia, Egito, Síria ou Iêmen. Em entrevista à VICE News, o presidente Obama disse que:
(...) o crescimento do Estado Islâmico (EI, também chamado ISIS/ISIL) pode ser conectado diretamente à excursão dos EUA ao Iraque no governo Bush.
Duas coisas: uma, que o ISIL é desdobramento direto da Al-Qaeda no Iraque, que cresceu a partir de nossa invasão – disse Obama. Aí está exemplo de consequência não desejada. E é por isso que é preciso fazer mira, antes de atirar (????). Assista vídeo a seguir, em inglês:
Ao apoiar a operação contra o movimento dos houthis, os EUA correm, novamente, grave risco de novas “consequências não desejadas”. Não há dúvidas de que o movimento dos houthis é a única força no Iêmen capaz de fazer frente à Al-Qaeda na Península Arábica [orig. Al-Qaeda in the Arabian Peninsula (AQAP)] e ao Estado Islâmico. O presidente Hadi do Iêmen acaba de ser derrubado porque era acusado de manter laços muito estreitos com radicais sunitas conectados à AQAP e ao EI. No instante em que os houthis chegaram ao poder, militantes da AQAP juraram solidariedade ao Estado Islâmico e começaram a combater os houthis. Mais uma vez, Obama atira contra terroristas errados.
Os EUA têm apresentado o Irã como o maior mal que há no Oriente Médio, ainda que não haja nenhuma prova de qualquer ameaça terroristas partida do Irã. Mais que isso, Washington tem hoje de procurar meios para cooperar com Teerã na luta contra os jihadistasdo Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Mas no Iêmen os EUA já se aliaram aqueles mesmos terroristas, para tentar neutralizar a influência do Irã. Converter sua política exterior em lamentável teatro do absurdo já é rotina, nos EUA.
A Arábia Saudita afirma que a campanha aérea no Iêmen atende a pedido do governo sunita derrubado. Washington repete a mesma coisa.
Moscou exigiu fim imediato do massacre no Iêmen e protestou contra Washington, que não consegue ver a diferença entre os dois conflitos, no Iêmen e na Ucrânia. Os EUA apoiam o presidente fugitivo do Iêmen, mas não apoiaram o ex-presidente da Ucrânia, Yanukovich, que teve de deixar o país. Os EUA outra vez afundam-se na mesma velha política de dois padrões – em duas situações que poderiam ser negociadas, sem guerra.
Tenho de usar o mesmo velho clichê – os dois padrões aí estão, bem evidentes – e nos nunca desejamos nenhum dos desenvolvimentos, nem na Ucrânia nem o que se vê hoje no Iêmen, disse o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, em conferência de imprensa durante sua recente visita à Guatemala, dia 27/3/2015.
Rodrigo Vielmann (D), Vice-MRE da Guatemala e o MRE da Rússia, Sergey Lavrov (27-3-2015) |
A reação atrasada dos EUA à mudança no poder no Iêmen mostra que a decisão de Washington, de apoiar o ataque contra o Iêmen foi motivada por sua política de oposição sistemática ao Irã.
Barack Obama foi eleito para o segundo mandato para fortalecer a posição internacional dos EUA, especialmente no mundo islâmico, quando ainda buscava um lugar na história. A principal missão a completar no Oriente Médio é pôr fim ao “dossiê nuclear iraniano” e normalizar as relações com o Irã, se possível. Há 35 anos, desde Jimmy Carter, nenhum presidente dos EUA conseguiu tal façanha. Dificilmente será Obama o homem que conseguirá. Os obstáculos que há contra um acordo nuclear com o Irã não estão só na obstinação com que o Irã defende seu programa nuclear, nem na posição que o Congresso assumiu.
A decisão de imiscuir-se também na guerra contra o Iêmen foi tomada sob influência do establishment norte-americano que entende que é imprescindível impedir que o Irã converta-se em algum tipo de liderança regional. Na visão de Washington, a guerra contra os xiitas iemenitas que seriam apoiados por Teerã é guerra para mostrar à República Islâmica que lhe falta força militar para dominar o Oriente Médio. Não foi difícil para os EUA encontrar alguém a quem repassar a tarefa.
A Arábia Saudita considera o Irã como rival que ameaça suas posições. O Egito jamais tolerou a Revolução Islâmica e sempre foi hostil ao Irã. Os vizinhos Estados do Golfo sempre tiveram medo de o estado persa vir a ser protegido pelos EUA. Marrocos e Jordânia entraram na guerra “para fazer companhia” e agradar a Washington.
Dia 28/3/2015 terminou uma reunião de árabes, que juraram derrotar os rebeldes xiitas apoiados pelo Irã no Iêmen e revelaram que já se organiza uma força conjunta árabe de intervenção, o que oferece cenário para um confronto potencialmente perigoso entre estados árabes aliados dos EUA, e Teerã, em disputa pela influência na região.
Reunião da Liga Árabe em 28/3/2015 |
Resolução daquela reunião diz que a nova força árabe conjunta de defesa será acionada a pedido de qualquer nação árabe que enfrente ameaça à sua segurança nacional; também será usada para combater grupos terroristas. O responsável pelos preparativos é o Secretário-Geral da Liga Árabe, Nabil Elaraby. Os representantes da Liga Árabe vão-se reunir novamente dentro de um mês e terão mais três meses de trabalho até definirem todos os detalhes, a serem aprovados pelo Conselho de Defesa Conjunta da Liga Árabe. Desde a guerra contra Israel, os árabes não conseguiam coordenar-se tão firmemente entre eles mesmos.
A Turquia uniu-se à coalizão de árabes contra o Irã. O presidente Tayyip Erdogan disse que Teerã tem de revisar sua posição nos conflitos que castigam Síria, Iraque e Iêmen. Segundo o presidente da Turquia, “o Irã tenta dominar toda a região” e “deve retirar seus exércitos do Iêmen, Síria e Iraque”.
Em recente conferência de imprensa, o presidente da Turquia disse que:
(...) o Irã tenta dominar toda a região. Pode-se admitir tal coisa? Já começa a nos incomodar, a Arábia Saudita e os países do Golfo. Não é absolutamente tolerável, e o Irã tem de rever isso.
Disse também que:
(...) o conflito no Iêmen evoluiu para uma luta sectária. E que o Irã tem de retirar-se de lá. O Irã tem de mudar suas posições. Tem de retirar quaisquer forças militares que tenha no Iêmen, na Síria e no Iraque, e respeitar a integridade territorial desses países – Erdogan prosseguiu.
As palavras do presidente turco desencadearam uma onda de indignação no Irã.
Os eventos no Iêmen podem desencadear crise séria nas relações entre o Irã e seus vizinhos árabes. O Paquistão já se uniu à coalizão árabe e promete total apoio à guerra liderada pela Arábia Saudita (e EUA) contra os xiitas iemenitas.
A operação militar leva o nome de “Operação Tempestade Decisiva”. De fato, toda a região parece atingida por vasta tempestade. O momento de lançar a operação não foi escolhido por acaso. O Irã está a um passo de obter um acordo sobre seu programa nuclear, o que encerrará o dossiê. Há boas chances de as conversações com o grupo P5+1 chegarem a bom termo.
Os inimigos do Irã na região compreenderam que o confronto entre Teerã e o ocidente pode estar chegando ao fim. Poucos realmente acreditam que o Irã tenha intenção de se tornar potência nuclear. A ameaça jamais se mediu pelo número de centrífugas, mas, isso sim, pelo número de países nos quais o Irã tem forte influência. A solução diplomática da questão nuclear iraniana mudará toda a situação no Oriente Médio. O Iêmen não é periférico, no sistema de segurança regional.
O país está localizado na principal rota marítima da Europa para a Ásia, entre todas as rotas que atravessam o Mar Vermelho. Quantidades gigantescas de petróleo são transportadas diariamente pelo Canal de Suez para o Mediterrâneo, da Arábia Saudita para a Ásia. Bab-el-Mandeb é um estreito localizado entre o Iêmen na Península Arábica, e Djibouti e Eritrea no Chifre da África.
A agência norte-americana de informação sobre energia [orig. US Energy Information Administration (EIA)] definou sete gargalos considerados críticos como itens de segurança energética, por causa do alto volume de petróleo e outros fluidos transportados através de pequenos estreitos. O estreito de Bab-el-Mandeb é um deles.
E o Irã também controla outro gargalo crucialmente importante – o estreito de Ormuz. O ocidente analisa as probabilidades de um governo xiita chegar ao poder no Iêmen, a partir do ponto de vista de sua segurança no campo da energia. Quem controle o Iêmen pode bloquear o Golfo Persa e impedir os navios petroleiros de alcançar o Canal de Suez – o que deixaria a Europa sem petróleo.
A força naval saudita informou que já assumiu o controle sobre todos os portos do Iêmen, os quais já estão bloqueados, enquanto prosseguem os ataques aéreos sauditas contra o Iêmen. Parece que Riad planeja ficar.
A guerra no Iêmen é desafio lançado a Teerã, esforço para forçar o país a tomar medidas retaliatórias. É verdade que o Irã não está esperando o fim do conflito no Iêmen e já se movimentou para estabelecer contatos governo a governo com a liderança dos houthis. Foi como um reconhecimento de facto, pela República Islâmica, de que os houthis são o verdadeiro governo no Iêmen.
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[*] Nikolai Bobkin é Ph.D. em Ciências Militares, professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political Studies, Institute of the U.S.A. & Canada. Colaborador especialista na revista online New Eastern Outlook. Escreve habitualmente para diversos sites e blogs tais como: Strategic Culture,Troubled Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.
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