terça-feira, 7 de abril de 2015

Pepe Escobar: Empório eurasiano ou guerra nuclear?

6/4/2015, [*] Pepe EscobarAsia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Angela Merkel e o telefone espionado...
Fonte de alto nível da diplomacia europeia confirmou para Asia Times que o governo da chanceler alemã Angela Merkel está em vigorosa campanha de aproximação com a China, tentando romper a parceria estratégica em várias frentes entre China e Rússia.

Pequim não precisa, necessariamente, dar muita atenção ao gesto político de Berlim, uma vez que a China está movendo os cordões de seu projeto de Nova Rota da Seda paneurasiana, que implica laços estreitos de comércio/ negócios/ business com a Alemanha e também com a Rússia.

O gambito alemão só mostra que setores falcões mais conservadores do governo norte-americano, dedicados a cercar e atacar a Rússia, aumentaram a pressão. Por mais que ainda se ouçam conversas sobre o quanto Merkel ficou ofendida por ter sido espionada pela Agência de Segurança Nacional dos EUA, que gravou seus telefonemas, a chanceler dança pela música de Washington. “Sentir-se muito ofendida” só significará alguma coisa, se a chanceler levantar unilateralmente as sanções alemãs contra o Irã. Enquanto Merkel não fizer isso, nada, aí, é mais importante que joguinhos de “policial bonzinho e policial durão”: táticas de negociação.

O resumo de tudo é que Washington absolutamente não pode tolerar qualquer relacionamento próximo comercial/político entre Alemanha e Rússia, porque isso ameaça diretamente a hegemonia dos EUA no Império do Caos.

Assim sendo, toda a tragédia na Ucrânia nada tem a ver com direitos humanos ou a santidade das fronteiras. A OTAN arrancou o Kosovo da Iugoslávia-Sérvia, sem se preocupar com referendo algum, do tipo que houve na Crimeia.

Preste atenção àqueles S-500s

Paralelamente, se desenvolve outro gambito fascinante. Alguns atores da Think-tankelândia norte-americana – com os acolhedores laços que mantêm com a CIA – estão redistribuindo suas fichas de apostas sobre a Guerra Fria 2.0, temerosos de que tenham errado na avaliação do que realmente acontece no tabuleiro de xadrez geopolítico.

Acabo de retornar de Moscou e há por lá uma sensação de que o Gabinete Federal de Segurança e a inteligência militar russa estão cada vez mais fartos do fluxo interminável de provocações que lhes chega do pessoal de Washington/OTAN – dos Bálticos à Ásia Central, da Polônia à Romênia, do Azerbaijão à Turquia.

Global Research publicou um sumárioextenso mas não completo, do que é visto em toda a Rússia como ameaça existencial: a tentativa, de Washington/OTAN, de bloquear o comércio e o desenvolvimento eurasiano da Rússia; de destruir seu perímetro de defesa; de arrastar a Rússia para guerra com tiroteio.

Sistema de defesa anti-mísseis S-500 - Rússia
Guerra com tiroteio não chega a ser, exatamente, ideia brilhante. Os mísseis antimísseis S-500 da Rússia, e os mísseis antiaéreos podem interceptar qualquer míssil balístico intercontinental existente, qualquer míssil cruzador ou qualquer aeronave. Os S-500s voam à velocidade de 15.480 milhas/hora, alcançam altitude de 115 milhas; viajam 2.174 milhas horizontais; e podem interceptar até dez mísseis simultaneamente. São armas que simplesmente não podem ser “contidas” por nenhum dos sistemas antimísseis que os norte-americanos tenham hoje.

Alguns, no lado dos EUA, têm dito que o sistema S-500 está sendo concluído num programa acelerado, como uma fonte na inteligência dos EUA disse a Asia Times. Não há confirmação do lado russo. Oficialmente, Moscou diz que o programa estará pronto em 2017. Resultado final, agora ou em breve: o sistema selará o espaço aéreo da Rússia. Não é difícil extrair as necessárias conclusões.

Daí nasce a “política” do governo Obama de promover histeria de guerra, combinada com lançar guerra de sanções, contra o rublo e contra o petróleo contra a Rússia – serviço que continua a ser executado por bando de subespécies subzoológicas.

Alguns adultos na União Europeia já viram o escrito na parede (nuclear). As defesas convencionais da OTAN são piada. Qualquer “avançada” militar – como está sendo tentada agora – é também piada, e pode ser demolida pelas 500 armas nucleares táticas que Moscou pode usar.

Na dúvida, abuse

Claro que é preciso tempo para virar a mentalidade vigente de Guerra Fria 2.0, mas há indicações de que talvez os Masters of the Universe estejam prestando atenção – como mostra esse ensaio de StratforPode-se dizer que apareceu uma primeira trinca (pública) no gelo.

Assumamos que a Rússia decida mobilizar cinco milhões de soldados, e entrar em produção para o exército. Num flash, o “ocidente” recuaria para uma entente cordiale. E assumamos que Moscou decida confiscar o que resta da riqueza dos oligarcas espertalhões. A taxa de aprovação de Vladimir Putin – que, no pé em que está hoje nada tem de modesta – alcançará... 98%. Até aqui, Putin tem-se mantido extremamente contido. Mesmo assim, persiste a mais furiosa demonização histérico-infantiloide do homem.

É cenário de escalada non-stop. Revoluções coloridas. O golpe de Maidan. Sanções; Putin/Hitler “do mal”; tentarem meter a Ucrânia na OTAN; bases da OTAN por toda a parte. Pois mesmo assim, a realidade – o contragolpe na Crimeia e as vitórias em campo dos exércitos das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk – já arrancaram dos trilhos a mais elaborada das políticas e planos do Departamento de Estado/OTAN. Além disso, Merkel e François Hollande da França foram forçados a uma entente cordiale com a Rússia – em torno de Minsk-2 – porque sabem que seria o único modo de impedir que Washington continuasse a armar Kiev.

Variação do índice de aprovação de Putin na Rússia
Putin está comprometido, essencialmente, num processo muito complexo de preservação/ florescimento da história e da cultura da Rússia, com sobretons de paneslavismo e eurasianismo. Comparar Putin a Hitler é ruim até como brincadeirinha de criança.

Mas, claro, que ninguém conte com a capacidade dos neoconservadores de Washington para compreender a história e a cultura da Rússia. A maioria deles seria reprovada até em joguinho de perguntas e respostas sobre seus amados heróis Leo Strauss e Carl Schmitt. Sobretudo, o anti-intelectualismo daquela gente, e aquela arrogância excepcionalista, só deixam espaço para o mais infindável bullying/ provocação.

Uma das minhas fontes, professor universitário norte-americano, enviou carta a Nancy Pelosi, com cópia para um conhecido neoconservador e marido de Victoria, Rainha do Nulandistão. A resposta dele, do endereço de e-mail da Brookings Institution: Por que você não vai se Fo*er [aqui “disfarçado”]?” Mais uma clara ilustração de caso em que marido e mulher falam a mesma língua.

Afinal vê-se sinal de vida inteligente na Av. Beltway, decidida a combater a célula de neocons que opera de dentro do Departamento de Estado, das páginas infestadas de neocons do Wall Street Journal e do Washington Post, uma gangue de think-tanks e, claro, a OTAN, cujo atual comandante militar, general Gen. Breedlove/Breed-ódio, trabalha duro nessa sua encarnação pós-tudo do Dr. Fantástico.

A “agressão” russa não passa de mito. Até aqui, a estratégia de Moscou tem sido exclusivamente de autodefesa. Moscou pode muito rapidamente avançar numa cooperação estratégica com o ocidente, bastando para isso que o ocidente compreenda os interesses de segurança da Rússia. Se esses interesses forem violados – como quando se provoca um urso – o urso responderá. Uma mínima compreensão da história revela que o urso sabe lá algumas coisinhas sobre resistir ao sofrimento. A Rússia absolutamente não entrará em colapso. Não derreterá.

Enquanto isso, outro mito foi também demolido: que as sanções feririam terrivelmente as exportações russas e seus excedentes comerciais. Claro que o país foi ferido, mas nada de insuportável. A Rússia goza de grande riqueza em matérias primas e tem massiva capacidade interna de produção – o suficiente para atender o núcleo mais duro da demanda interna.

Assim, voltamos à União Europeia, Rússia e China e todos entre uma e outra, todos unidos no maior empório comercial da história, por toda a Eurásia. Foi o que Putin propôs na Alemanha há alguns anos, e é o que os chineses já estão fazendo. E quanto aos neocons? O que os neocons têm a propor? Uma guerra nuclear em solo europeu.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: SputinikTom Dispatch, Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Adquira seu novo livro, Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books.

2 comentários:

  1. Olá. Acompanho a quase um ano seu blog. Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente trabalho. É algo de utilidade pública, que deveria ser amplamente divulgado. Por fim, gostaria de saber se e quando o livro Empire of Chaos terá uma tradução. E também se possível, indicações de livros que abordem a temática, bem como outros que achar relevante. Em português, pois, infelizmente não domino o inglês. Muitíssimo obrigado e continue com esse blog maravilhoso.

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    1. Embora o Pepe seja brasileiro e domine vários idiomas não conheço tradução de seus livros para português. Nós temos publicado quase todos os artigos dele aqui na redecastorphoto com tradução da Vila Vudu. Sugiro que vc pergunte a ele, mesmo em português, lá nos "comentários" do Asia Times se haverá tradução dos livros. Há muito pouca literatura DECENTE de geopolítica em língua portuguesa. Mas tem muito picareta "especialista" do GAFE (Globo, Abril, FSP, Estadão) no mercado escrevendo toneladas de BOBAJOL. Fica a seu critério No seu lugar aprenderia INGLÊS...

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