domingo, 12 de abril de 2015

Conflicts Forum: Conservadores no “ocidente”: a guerra interna

10/4/2015, Conflicts Forum’s Weekly Comment, 6-13 March 2015
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


O que se conhece como neoconservadores não são realmente conservadores, assim como os neoliberais não são liberais, no sentido clássico das palavras. São de algum modo assemelhados, mas não são exatamente a mesma coisa. 
O neoliberalismo norte-americano cresceu em íntima parceria com o neoconservadorismo, como um ramo da “Escola de Chicago” nos anos 1970s e 1980s  e partilham uma certa visão de época; mas, enquanto os neoliberais enfatizam a restruturação da economia global, a desregulação e a privatização, os neoconservadores são mais focados em acumular poder executivo e na necessidade de manter centralizado esse poder.


Philip Breedllove
Em artigo que marca diferença significativa do discurso habitual, a principal revista política alemã, Der Spiegel, fustiga furiosamente dois generais da OTAN por terem mentido (como realmente mentiram) ao acusar a Rússia de estar escalando numa inexistente intervenção militar na Ucrânia (quando, na verdade, vivia-se um breve período de cessação de hostilidades entre Kiev e o Donbass, depois de Minsk-2).

O governo alemão está alarmado – o artigo alerta – Estarão os norte-americanos tentando fazer gorar os esforços de mediação na Europa liderados pela chanceler Angela Merkel? Fontes na chancelaria referiram-se às palavras de [general norte-americano] Breedlove como “perigosa propaganda”.

A ira de Berlin é dirigida conta a “5ª coluna” em Washington

Conforme se avança na leitura do artigo, contudo, vê-se claramente que o alvo da irritação de Berlim nem é tanto o governo norte-americano per se, mas, mais os “falcões” (os chamados neoconservadores) em termos gerais:

No que tenha a ver com o serviço de entregar armas à Ucrânia, [Victoria] Nuland e [o general] Breedlove trabalham de mãos dadas. No primeiro dia da Conferência de Segurança de Munique, os dois reuniram toda a delegação norte-americana, a portas fechadas, para expor a estratégia dos EUA para quebrar a resistência europeia contra armar Kiev (...) Quem primeiro falou foi Nuland (...) “Vocês têm de repetir sem parar que a Rússia está levando mais e mais “coisa” [orig. offensive stuff] ofensiva para lá, enquanto nós queremos ajudar os ucranianos a defender-se contra esses sistemas”, disse Nuland.

Mas não é só sobre a Ucrânia, ou no que tenha a ver com demonizar o presidente Putin, que os neoconservadores estão trabalhando organizadamente para promover seus objetivos ideológicos: está acontecendo o mesmo no que tenha a ver com o empenho total dos mesmos neoconservadores para fazer naufragar as negociações com o Irã e para repor na pauta o objetivo de derrubar o presidente Assad.

O que de fato há por trás desses confrontos políticos é uma furiosa campanha ideológica, que está sendo construída pelos neoconservadores, contra outro ramo de conservadorismo, pode-se dizer, com “c” minúsculo.

Esse conservadorismo com “c” minúsculo é mais enraizado no “conservadorismo” de Edmund Burke (filósofo político irlandês do século XVIII), mais cauteloso, às vezes com toques de pessimismo, no que concerne às misérias da natureza humana; mais cético sobre a eficácia dos governos; e que, por tudo isso, prefere limitar a intrusão dos governos na vida dos cidadãos; e que, sobretudo, desconfia profundamente de todos e quaisquer projetos grandiloquentes e ideológicos. O conservadorismo de Burke tem raízes na mesma filosofia do século XVIII que originou o conservadorismo mais radical.

Na verdade, o que se conhece como neoconservadores não são realmente conservadores, assim como os neoliberais não são liberais, no sentido clássico das palavras. São de algum modo assemelhados, mas não são exatamente a mesma coisa. O neoliberalismo norte-americano cresceu em íntima parceria com o neoconservadorismo, como um ramo da “Escola de Chicago” nos anos 1970s e 1980s – e partilham uma certa visão de época; mas, enquanto os neoliberais enfatizam a restruturação da economia global, a desregulação e a privatização, os neoconservadores são mais focados em acumular poder executivo e na necessidade de manter centralizado esse poder.

Essas duas orientações do conservadorismo (o neoconservador e o conservadorismo burkeano) estão hoje engalfinhados em luta de vida ou morte. É luta amarga, com os dois lados ameaçados pelos revides gerados pelo impacto gravemente reacionário e regressivo de suas políticas. Como Stephen Walt notou, os neoconservadores jamais admitem os erros de suas políticas (as guerras, os golpes, as tentativas de “mudança de regime”, etc.), nem pedem desculpas; simplesmente insistem e prosseguem, sem tomar conhecimento do mundo.

Vemos essa divergência ideológica mais evidente nas ambiguidades inerentes ao modo como os anglo-saxões abordam o presidente Putin e a Rússia: o conservador burkeano compreendia, originalmente, os movimentos do presidente Putin na Crimeia e no leste da Ucrânia, mas, porque absolutamente não alimenta nenhuma fé na honestidade humana, já começou agora a suspeitar de que Putin talvez tenha ambições mais amplas; além disso, seja como for e em todos os casos, o conservador burkeano é inerentemente hostil a qualquer tipo de “homem forte nacional”, que Putin parece encarnar (porque implica ameaça de intrusão na esfera privada do cidadão – precisamente o que os conservadores burkeanos mais abominam).

Os neoconservadores, por sua vez, simplesmente demonizaram o presidente Putin sem parar e desde o primeiro momento, e deixam claro que querem vê-lo pelas costas – querem “mudança de regime” na Rússia, e já. Os conservadores burkeanos, com sua desconfiança inerente contra qualquer tipo de poder, foram, com o tempo, tornando-se mais permeáveis à demonização do presidente Putin e da Rússia obrada pelos neoconservadores – e com a maré de opinião acompanhando os neocons.

MUDANÇA DE REGIME?
Sequência similar de eventos aconteceu com respeito à Síria e ao Presidente  Assad (embora, nesse caso, a maré esteja agora crescendo na direção do ponto de vista dos burkeanos).

A orientação burkeana do conservadorismo não quer guerra com a Rússia (acreditando que, em todos os casos, o ocidente sempre poderá retroceder, antes que se chegue à guerra), e aceitaria a ideia da chanceler alemã, para quem a agressividade da OTAN e de Victoria Nuland é, simplesmente, a “voz” do projeto ideológico neoconservador – no esforço para arrastar a Europa para seus delírios de derrubarem Putin. Na visão burkeana, é importante alertar Putin para que respeite “os limites”, mas não, evidentemente, em nenhum caso, deixar que o confronto chegue à guerra (os burkeanos tradicionalmente desconfiam da guerra como instrumento de política por meios militares – e chamariam a atenção para todas as recentes guerras em que os EUA envolveram-se, das quais nenhuma alcançou qualquer articulação política bem-sucedida em termos políticos).

Há talvez aqui, evidente na expressão burkeana, uma certa paixão, baseada no pressuposto de que Obama partilharia suas opiniões (para eles, Obama seria instintivamente burkeano), de que o presidente dos EUA apenas deixará passar a fúria neoconservadora e confiará nas sanções e nas manobras com o preço do petróleo para fixar os limites para Putin (ou para o Irã). Pode até ser verdade no que tenha a ver com instintos burkeanos em Obama, mas, ao mesmo tempo, os neoconservadores estão criando fatos consumados: estão “metendo as massas pela ponte” (em termos trotskistas [1]), com as repetidas “visões” de Breedlove, que vê soldados russos por todos os lados.

Der Spiegel  mais uma vez:

Os líderes alemães em Berlin estão pasmos. Não compreendem o que Breedlove anda dizendo. E não é a primeira vez. Mais uma vez, o governo alemão, apoiado em inteligência coletada pela Bundesnachrichtendienst (BND), agência alemã de inteligência estrangeira, absolutamente não partilha a visão do Comandante do Supremo Comando Aliado na Europa da OTAN [orig. Supreme Allied Commander Europa (SACEUR)].

O padrão parece estar-se repetindo. Durante meses, Breedlove foi ouvido em comentários sobre atividades russas no leste da Ucrânia, sempre falando de avanços de tropas na fronteira, acumulação de munição e supostas colunas de tanques russos. Sempre os números de Breedlove eram significativamente mais altos que os números com que trabalham os aliados europeus dos EUA na OTAN. O que se vê, é que o general está completamente controlado pelos linhas-duras no Congresso dos EUA e na OTAN.

A dificuldade para ler corretamente os sinais norte-americanos

É claro pois que não se trata de debate acadêmico sobre o conservadorismo “ocidental”: trata-se de amarga e furiosa luta ideológica, em curso em Washington e em algumas partes da Europa. E essa “guerra” na esfera anglo-europeia está progressivamente projetando a sua própria desintegração interna e o próprio caos, para o mundo exterior – o que já estava muito claramente evidente na carta aberta ao Irã enviada pelos 47 senadores norte-americanos do Partido Republicano, carta na qual dizem, essencialmente, que os iranianos não devem acreditar no que o presidente Obama lhes diga, sobre algum acordo nuclear; ou no movimento ensandecido de Breedlove, que inventou, literalmente, uma invasão militar russa na Ucrânia, para convencer os europeus a fornecer armamento letal aos neonazistas de Kiev. Essa amarga luta ideológica está gerando incoerência estratégica em muitas esferas, inclusive na “guerra contra o ISIS”, caso em que os “falcões” têm uma agenda (derrubar o presidente Assad e enfraquecer o Irã) e os burkeanos têm outra (enfraquecer e degradar o ISIS).

Essa projeção da desintegração interna do “ocidente” implica consequências bem claras: uma das características dos sistemas caóticos é que qualquer mínimo erro, por pequeno que seja, no que entra no sistema, pode gerar resultados gigantes e completamente inesperados, no que sai do sistema. Os sistemas caóticos, além disso, podem passar por vários diferentes estágios ou fases, mas, no final, essas fases misturam-se e vão-se tornando também cada vez mais caóticas. Em resumo, sistemas caóticos são imprevisíveis e incontroláveis. E o problema, no caso que estamos comentando, está, precisamente, nos “mínimos” sinais de entrada.

Embora os conservadores burkeanos talvez esperem que os russos lerão corretamente o movimento ocidental, e que o presidente Putin saberá distinguir acertadamente entre o que fazem os neoconservadores ensandecidos e os instintos burkeanos de mais moderação do presidente Obama, pode acontecer de não ser bem assim. Uma das razões (de porque é possível que os observadores externos não consigam entender coisa alguma) é a decisão de Obama, desde o início de seu governo, de construir uma administração de inimigos ideológicos – neoconservadores, neoliberais, liberais clássicos e burkeanos – todos apertados uns contra os outros no mesmo governo (e brigando sem parar, feito cão e gato). O atual governo dos EUA é nada, nem é uma coisa, nem é outra.

Mais que isso, ainda que o próprio Obama seja (talvez com razão) considerado como instintivamente burkeano, a ênfase que dá à “excepcionalidade” e à “indispensabilidade” dos EUA é puro neoconservadorismo à Carl Schmitt, cortesia da Escola de Chicago. Assim sendo, como se pode esperar que os russos consigam distinguir entre os dois movimentos e ver qual a real “intenção” dos EUA em relação à Rússia? Eles não conseguem – porque os sinais são incoerentes demais. Nessa situação, os russos têm, evidentemente, de se preparar para o pior.

Mas, tão acertadamente quanto no diagnóstico sobre a dificuldade de saber se se levam a sério ou não os instintos de Obama, Der Spiegel também observa que:  

Barack Obama parece quase isolado. Por um lado, até agora está dando todo apoio aos esforços diplomáticos de Merkel, mas, ao mesmo tempo, nada faz para calar os que tanto trabalham para aumentar as tensões com a Rússia e entregar armas a Kiev. Fontes em Washington dizem que “Breedlove nada diz que não passe, antes, pelo crivo da Casa Branca e do Pentágono”. O general, dizem as fontes, tem o papel do “super falcão”, cuja tarefa é aumentar a pressão sobre parceiros transatlânticos mais reservados, dos EUA. 

Mas, se Breedlove ainda terá de atuar mais pesadamente sobre seus parceiros europeus, a retórica belicosa do general e de outros já resultou num output diferente e inesperado, do sistema em geral, que dificilmente poderia ter sido planejado: pelo menos entre o povo russo, os EUA já aparecem sob luz muito mais negativa, até, que durante a Guerra Fria. 81% dos russos declararam que agora têm opinião desfavorável sobre os EUA – porcentagem que dobrou ao longo do ano passado (e 71% dos russos têm hoje opinião desfavorável sobre a União Europeia). Fracasso retumbante do plano que previa que, quanto maior a pressão norte-americana, mais rapidamente Putin seria rejeitado pelo povo russo.


Por tudo isso, será que o verdadeiro Obama poderia “levantar-se”, por favor, para que todos o vejam? A OTAN está sendo mobilizada e a Rússia e os russos também já se preparam para a guerra. Os aspectos técnicos da mobilização, mesmo cem anos depois da Grande Guerra, são automáticos (embora, hoje, mais tecnologicamente automatizados), mas nem por isso se deve esquecer o momento em que, dia 1º de agosto de 1914, o Kaiser Wilhelm tentou deter a mobilização dos exércitos alemães, e recebeu dos seus generais a informação de que já não era possível deter coisa alguma: 11 mil trens já rodavam nos trilhos, e ninguém mais conseguiria parar a guerra. Agora o que roda nos trilhos são mísseis e ogivas nucleares – com os EUA já enviando equipamento militar para a Letônia, um funcionário do Ministério de Relações Exteriores da Rússia cogita de instalar mísseis e ogivas nucleares na Crimeia.

Qual a natureza dessa guerra ideológica ; porque seus efeitos irradiam tanta instabilidade?

Acima, delineamos a tradição burkeana. É tradição que tem raízes profundas no conservadorismo norte-americano, mas, como na Grã-Bretanha, sua força está acabando: o movimento não tem nenhum advogado contemporâneo articulado e está na defensiva.

O principal antagonista dos conservadores burkeanos nessa “guerra” intestina, a orientação neoconservadora, deve muito de sua doutrina a Carl Schmitt – filósofo alemão próximo do Partido Fascista – que delineou precisamente esse projeto ideológico muito amplo (que os burkeanos e os liberais clássicos detestam). Schmitt assistiu ao desmonte da República de Weimar, que ele via como incapaz de se autodefender contra o liberalismo clássico, e a qual, na avaliação de Schmitt, fizera o serviço de sapa contra as defesas do Estado, por sua incapacidade para compreender a natureza do poder e por causa do desprezo inato que o liberalismo sente pelo trabalho de empunhar e acionar sem piedade o poder (amoral). Feitas as contas, argumentava Schmitt, a sobrevivência de um estado depende de sua vontade e de sua habilidade para usar o poder e eliminar quaisquer competidores potenciais ou inimigos, sem comiseração.

Essa convicção ajuda a explicar por que os neoconservadores – como o professor Walt observou – nunca admitem algum fracasso, nunca perdem desculpas e só seguem atropelando. A capacidade dos EUA não apenas para projetar, mas também a disposição para usar, o poderio militar praticamente corresponde, ponto a ponto, em termos mais gerais, aopoder; se os EUA não fizerem assim, darão prova de fraqueza, estarão em declínio (como a República de Weimar) – segundo a visão neoconservadora Schmittiana.

Para ser efetivamente exercido, o poder tinha de ser concentrado num executivo tomador de decisões, e assim surge a muito repetida frase de Schmitt:

(...) a verdadeira soberania (poder) está com quem decide sobre as exceções.

Schmitt elaborou sobre a importância da excepcionalidade incorporada em lei, e a favor de o verdadeiro poder executivo exigir o enfraquecimento do Parlamento e do Judiciário (nos dois casos como objetivo em si mesmo, mas também para que nada ofusque a excepcionalidade do poder executivo perante a lei – lei a qual só se aplica aos outros). Esse legado (associado aoethos norte-americano de quem se sente fundador de uma Nova Jerusalém) ajuda a explicar a insistência dos EUA a favor do excepcionalismo legal. É puro Carl Schmitt.


O poder também exige um polo oposto em torno do qual possa ser constituído e em torno do qual seja possível reunir as massas e mobilizá-las: o poder sempre exige um inimigo. Exige inimigo inequivocamente mau, a ponto de os liberais nunca se atreverem a sugerir que fosse possível entabular qualquer tipo de negociação com ele (por exemplo, o Islamismo), ou tão mau que jamais pudesse ser autorizado a tentar atrair para si sequer um mínimo de simpatia popular.

A influência básica exercida por Schmitt sempre foi escondida sob o tapete (por motivos óbvios). Mas mediante seus seguidores e seguidores schmittianos de Leo Strauss (embora o próprio Strauss não fosse integralmente schmittiano), o pensamento de Carl Schmitt teve enorme influência (por exemplo, nos governos de Reagan e de Bush Filho).

A Escola de Chicago, principal fonte de transmissão daquele pensamento, acrescentou a ele a “grande ideia” paralela: a noção neoliberal de governança econômica global, a ser obtida graças ao controle que os EUA exercem sobre a moeda mundial de reserva, a influência dos EUA no FMI e no Banco Mundial e o compromisso da Ordem Internacional com a restruturação, a desregulação e a privatização neoliberais.

Mas isso também, à sua maneira, tinha a ver com poder (o elemento comum com o neoconservadorismo). Embora disfarçado sob uma linguagem de mercados livres, o neoliberalismo é efetivamente uma estratégia de acumulação (mediante práticas como a privatização e a financeirização) para trazer o controle econômico e financeiro global de volta para o controle soberano dos EUA. Dessa maneira, a proclamada “liberdade” dos livres mercados operou “primariamente como um sistema de justificação e legitimação para qualquer coisa que tenha de ser feita para alcançar esse objetivo”. Mais recentemente, o Tesouro dos EUA armou o sistema financeiro global para acionar mais firmemente as alavancas políticas dos EUA, para controle e coerção. 

Por alguma estranha alquimia, o neoconservadorismo schmittiano atraiu especialmente e foi promovido por gente que inicialmente fora influenciada por ideais de Trotsky tanto nos EUA como na Europa (incluindo Tony Blair, que disse que o livro que mais o influenciara e o levara para a política teria sido a biografia de Leon Trotsky, escrita por Isaac Deutscher, de 1958). O fundador da conhecida revista neoconservadora Public Interest, Irving Kristol, e os coeditores Nathan Glazer, Sidney Hook e Albert Wohlstetter, também foram ou membros ou muito próximos da esquerda trotskista no final dos anos 1930s e início dos 1940s.

O que os conservadores mais velhos e mais jovens absorveram do seu passado socialista foi um conceito idealista de internacionalismo – explica  John Judis em Foreign Affairs – Os neoconservadores que passaram pelos movimentos trotskista e socialista passaram a ver a política externa como uma cruzada, cujo objetivo seria primeiro o socialismo global, depois a democracia e, por fim, o capitalismo democrático. Jamais viram a política externa em termos de interesse nacional ou equilíbrio do poder. O neoconservadorismo foi uma espécie de trotskismo invertido, que buscava "exportar democracia", nas palavras de [Joshua] Muravchik, assim como Trotsky originalmente visava a exportar socialismo. 

Aí se vê o alcance da “grande ideia” de Schmitt: não surpreende que os russos (e grande parte do Oriente Médio) desconfiem tão profundamente (e não se sintam absolutamente confortados) pelas vozes burkeanas reminiscentes, embora enfraquecidas.

É absolutamente claro que essa “guerra interna”, dentro da esfera conservadora anglo-europeia toca a própria essência da civilização ocidental. Essa guerra redesperta paixões profundas: a luta pelas liberdades civis; a luta dos partisans contra o fascismo. Toca também nos movimentos políticos no sul da Europa que lutam contra a “austeridade” e o “sistema”. Essa “guerra interna” tem tudo para se revelar disputa feia e amarga, que pode fazer rachar profundamente o ocidente e semeará muito mais amplamente o caos.
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Nota dos tradutores

[1] O autor faz aí uma espécie de citação “por perversão” do pensamento trotskista original. Os “termos trotskistas” a que ele faz referência são:

É necessário ajudar as massas, no processo de suas lutas cotidianas, a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir em um sistema de REIVINDICAÇÕES TRANSITÓRIAS que parta das atuais condições e consciência de largas camadas da classe operária e conduza, invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado(Leon TROTSKY, Programa de Transição, 1938).

Evidentemente, as pontes conservadoras e neoconservadoras são pontes de natureza essencialmente diferentes, que partem de pontos diferentes, vão para pontos diferentes e visam a objetivos diferentes. Vale aí o que Trotsky também ensina no mesmo Programa:

A social-democracia não tem necessidade desta ponte, porque, de socialismo, ela só fala nos dias de festa.

No trecho final do artigo explica-se o incômodo que essa citação “por perversão” causou aos tradutores, como causará a muitos, no início da leitura.

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[*] Alastair Crookeàs vezes erroneamente referido como Alistair Crooke, (nascido em 1950) é um diplomata britânico, fundador e diretor do Conflicts Forum, uma organização que defende o engajamento entre o Islã político e o Ocidente. Anteriormente, foi figura proeminente, tanto da Inteligência Britânica (MI6) como da diplomacia da União Europeia como conselheiro para assuntos do Oriente Médio de Javier Solana (1997-2003), no cargo de High Representative for Common Foreign and Security Policy da União Europeia. Foi ácido crítico da violência e saques militares contra os territórios palestinos e movimentos islâmicos de 2000-2003. Esteve envolvido nos esforços diplomáticos no Cerco da Igreja da Natividade, em Belém. Foi membro do Comitê Mitchell sobre as causas da Segunda Intifada, em 2000. Manteve encontros clandestinos com a liderança do Hamas em junho de 2002. É defensor ativo do engajamento do Hamas no processo de paz na Palestina, a quem ele se referiu como “Combatentes da Resistência".
Crooke estudou na University of St Andrews (1968–1972) do qual ele obteve um mestrado em Política e Economia. Seu livro Resistance: The Essence of the Islamist Revolutionfornece informações sobre o que ele chama de “revolução islâmica” no Oriente Médio, ajudando a oferecer insights estratégicos sobre as origens e a lógica de grupos islâmicos que adotaram resistência militar como uma tática, incluindo Hamas e Hezbollah. Seguindo a essência da Revolução islâmica desde as suas origens no Egito, através de Najaf, Líbano, Irã e da Revolução Iraniana até os dias de hoje, desbloqueando algumas das questões mais espinhosas que cercam estabilidade na atual paisagem do Oriente Médio.

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[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás de narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.

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