sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Torturar Manning, para pegar Assange

16/12/2010, Glenn Greenwald, Salon  
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu 

No The New York Times de hoje, Charlie Savage explica o projeto do Departamento de Defesa para conseguir processar criminalmente WikiLeaks e Julian Assange. Os investigadores federais “estão à procura de provas de que WikiLeaks e Bradley Manning conspiraram e planejaram os vazamentos – tentando descobrir se Assange estimulou ou ajudou o soldado a vazar os documentos. – Em seguida, poderão acusar Assange por conspiração. Assange deixará de ser visto como mero destinatário dos documentos vazados. Para conseguir isso, é indispensável persuadir o soldado Manning a depor contra Assange.”

Há pelo menos dois comentários a fazer sobre tudo isso.

Primeiro, o governo Obama enfrenta um grave dilema: “está sob intensa pressão para que use Assange como exemplo, para deter uma torrente de vazamentos presentes e futuros”, como escreveu Savage. De outro lado, a evidência de que nem Assange nem WikiLeaks cometeram qualquer crime. 

Como vários professores da Columbia Journalism School explicam, opondo-se a qualquer tipo de condenação, é impossível inventar teorias que condenem Assange e Manning, sem, ao mesmo tempo, condenar todo o bom jornalismo investigativo. Pretender que WikiLeaks não recebeu e publicou material secreto, mas procurou o material secreto e ajudou os vazadores, é o modo que o Departamento de Justiça tenta inventar para distinguir o trabalho de Assange e WikiLeaks, e o jornalismo “tradicional” [1].

Como Savage explica, essa teoria implicará que “o governo evitará questões sobre por que não processa e condena, além de Assange e WikiLeaks, também todas as organizações tradicionais de mídia e todos os jornalistas investigativos que também publicam notícias que os governos decidam que não devam ser publicadas – inclusive, claro, o New York Times."

Toda essa argumentação é fictícia, porque essa distinção é totalmente ilusória. Só muito raramente acontece de jornalistas investigativos limitar-se a esperar que lhes sejam enviadas informações secretas; todos eles trabalham muito para obter seus materiais; não é verdade que só se publiquem informações consideradas secretas quando acontece de haver vazamentos, e tudo amanhecer, de repente, na caixa de e-mails de jornalista perfeitamente passivo e inativo. Praticamente todos os jornalistas vivem em ativa procura de material secreto. Por isso, quando podem, estimulam vazadores potenciais para que entreguem os documentos que tenham, para que seja possível confirmar um ou outro boato, uma ou outra história; jornalistas também trabalham muito para obter que vazadores em potencial concordem com a publicação do material secreto que tenham em seu poder. Consultam outras fontes, para confirmar uma ou outra informação vazada, buscam fontes alternativas de vazamentos, que sirvam, uns, como comprovação de outros.

Jim Risen e Eric Lichtblau contam como asseguraram absoluto anonimato a “quase uma dúzia de militares, da ativa e da reserva”, para conseguir que revelassem o que sabiam sobre os programas de escuta clandestina da Agência Nacional de Segurança de Bush [2].

Dana Priest diz que falou com vários “militares norte-americanos e estrangeiros”, para conseguir saber o que era o programa “black site” da CIA [3].

Esses dois trabalhos renderam a esses jornalistas Prêmios Pulitzer – e serviram como poderoso estímulo para que mais fontes procurassem mais jornalistas, todos desejosos de revelar, para que fossem publicados, os segredos aos quais tinham acesso.

Em resumo, é trabalho rotineiro de jornalistas investigativos – de fato, é a definição do trabalho dos jornalistas investigativos – fazer exatamente o que o Departamento de Estado do governo Obama decidiu provar que WikiLeaks fez ou faz.

Para conseguir acusar alguém do crime de “conspiração”, porque vazou documentos secretos ou estimulou que alguém lhe entregasse documentos secretos, o Departamento de Estado prepara-se para criminalizar todo o jornalismo investigativo. Depois, então, o Departamento de Estado do governo Obama tratará de acusar o mesmo jornalismo investigativo também pelo crime de “espionagem”, em todos os casos em que algum jornal publicou informação considerada secreta.

Segundo, a história de Savage parece lançar substancial luz sobre o assunto de minha coluna de ontem, sobre as condições em que Manning continua detido [4].

A necessidade de forçar Manning a fazer declarações que incriminem Assange – obrigá-lo a dizer que Assange, ativamente, antes dos vazamentos, ajudou Manning a ter acesso e a vazar aqueles documentos – seria motivo óbvio para submeter Manning àquelas condições desumanas: se você quiser melhor tratamento, basta incriminar Assange.

No Huffington Post ontem, Marcus Baram citou Jeff Paterson, que administra um fundo que financia o pagamento dos advogados que defendem Manning, e que teriam dito que Manning está extremamente abatido pelas condições em que está detido, mas que nada ainda se tornara público, para não prejudicar o trabalho dos advogados que tentam negociar melhores condições e tratamento ao preso.

Seja verdade ou não, o Departamento de Justiça parece estar decidido a pressionar Manning para que incrimine Assange. É bizarro, de fato, que o Estado norte-americano considere fazer um acordo com funcionário do próprio Estado para tentar incriminar alguém que nada tem a ver com o Estado, e que publicou informação secreta que qualquer jornalista publicaria. Mas isso explica, pelo menos em parte (embora nem de longe justifique) o motivo pelo qual o governo mantém Manning em condições de tão violenta repressão: para ‘amolecê-lo’, para ‘induzi-lo’ a dizer o que o mandem dizer e que pareça necessário para poder acusar formalmente WikiLeaks e Assange (...).

Bob Woodward, por exemplo, não faz outra coisa na vida além de tentar seduzir, pressionar e até manipular funcionários do governo para que lhe entreguem informação secreta, material do qual produz seus livros. Bob Woodward será também “conspirador” criminoso? Pela teoria do Departamento de Justiça dos EUA, sim.

Tudo isso reforça uma evidência inescapável: não há meio legal pelo qual seja possível processar Assange e WikiLeaks sem, simultaneamente, criminalizar todo o jornalismo, porque o trabalho de WikiLeaks é absoluto e puro trabalho jornalístico, feito de atos jornalísticos: descobrir e divulgar o comportamento secreto das facções mais poderosas do mundo. É essa conduta – não algum suposto crime – que explica por que o Departamento de Justiça tanto precisa, tão urgentemente, processar alguém.



Notas de Tradução

[3] Washington Post, 1/11/2005, em:  CIA Holds Terror Suspects in Secret Prisons

Um comentário:

  1. ggreenwald Glenn Greenwald
    @
    @VilaVudu Obrigado - é minha lingua favorita.
    6 minutes ago


    VilaVudu Vila Vudu
    @
    @ggreenwald We' translated your column into Brazilian portuguese:http://bit.ly/fgSCeJ .
    9 minutes ago

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