quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Pepe Escobar - "Paquistão: na alça de mira do Pentágono"

Pepe Escobar

30/9/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
  

Ver também
8/6/2011, “Os EUA insuflam uma nova Guerra Fria”, MK Bhadrakumar 
16/6/2011, “CIA tenta amotinar o exército do Paquistão”, MK Bhadrakumar


A Síria terá de esperar. A próxima parada, na estrada da “guerra longa” cunhada pelo Pentágono, parece que será no Paquistão. Sim, já há guerra no que o governo de Barack Obama batizou de Af-Pak. Mas o tempo vai fechar e a hora está chegando, agora cada vez mais perto, para a parte “Pak”. Pode-se chamar de campanha “nenhuma bomba deixada para trás”.

Al-Qaeda é coisa do passado; afinal de contas, há homens da al-Qaeda, como Abdelhakim Belhaj, já no comando de Trípoli. O novo mega bicho-papão fabricado em Washington é hoje a rede Haqqani. 

Uma incansável indústria de fabricar consenso contra a rede Haqqani já roda a pleno vapor, ativada por uma constelação dos suspeitos neoconservadores de sempre, oferta sortida de republicanos inventadores de guerras, “funcionários do Pentágono” e o complexo militar-industrial ativo na corporação da imprensa-empresa. 

A rede Haqqani, força de 15-20 mil combatentes pashtuns liderada por Jalalludin Haqqani, mujahideen que combateram contra os soviéticos, é componente chave da guerrilha afegã, de suas bases na área tribal paquistanesa do Waziristão Norte. 

Para o almirante Mike Mullen, chefe do Comando Militar Conjunto dos EUA [ing. US Joint Chiefs of Staff], a rede Haqqani “atua como verdadeiro braço da agência de serviço secreto do Paquistão, Inter-Services Intelligence (ISI)”. Mullen demorou nada menos que 10 anos, desde o início do bombardeio norte-americano contra o Afeganistão, para descobrir isso. Merece um Prêmio Nobel da Paz. 

Segundo a narrativa do governo dos EUA, o serviço secreto do Paquistão deu sinal verde para que a rede Haqqani atacasse a Embaixada dos EUA em Kabul, dia 13 de setembro. 

O chefe do Pentágono Leon Panetta andou dizendo que, como resposta, Washington poderia tomar iniciativa unilateral. Significa que vasto número de agricultores pashtuns, inclusive mulheres e crianças, que já estão sendo dizimados ao longo de meses em ataques dos aviões-robôs norte-americanos (drones), devem ser classificados como coadjuvantes numa operação humanitária. 

A “guerra longa” do Pentágono, também conhecida como “guerra ao terror”, pode custar à economia paquistanesas espantosos 100 bilhões de dólares – e mais de 30 mil mortos, grande parte dos quais são civis. Em guerra de “nenhuma bomba deixada para trás”, deve-se esperar que o “dano colateral” continue a crescer. 

Em dúvida, leia o livro

Previsivelmente, o chefe do exército do Paquistão, general Ashfaq Parvez Kiani – por falar dele, eterno queridinho do Pentágono – nega que o ISI divida o leito com os Haqqanis. Fato é que, sim, dividem. Mas muito mais obsceno é o discurso atual do Paquistão – segundo o qual os EUA fracassaram vergonhosamente no Afeganistão e, agora, tentam culpar o Paquistão pelo desastre.

O almirante Mullen, pelo menos, diz o que se lê no livro indispensável de Syed Saleem Shahzad, Inside al-Qaeda and the Taliban: Beyond Bin Laden and 9/11. No livro, Saleem, que foi chefe da sucursal de Asia Times Online no Paquistão, detalha como o legendário – e vaidoso – Jalalludin Haqqani (que ainda tinge o cabelo) jamais deixou de ser um dos principais senhores-da-guerra Talibã; e como o serviço secreto do Paquistão jamais deixou de mantê-lo informado de que ataques do próprio ISI contra o próprio Haqqani, seu filho e sua rede, não passavam de pirotecnia.

Os Haqqanis têm base no Waziristão Norte, mas comandam grande parte do show em Paktia, Paktika e Khost do outro lado da fronteira. O astuto Jalalludin jurou total fidelidade ao líder Talibã Mulá Omar – que todos sabem que está escondido em Quetta, na província paquistanesa do Baluquistão, mas mantêm-se misteriosamente invisível até aos melhores olhos celestes dos EUA. 

Crer que o ISI simplesmente se livraria dos Haqqanis, ou que desmantelaria suas bases no Waziristão Norte, para que não mais pudessem atacar os EUA e as forças da OTAN no Afeganistão é puro mais desejar que raciocinar. Os militares paquistaneses tem cachorro grande na luta afegã, chamado Talibã – que eles mesmos inventaram no início dos anos 1990s.

Mais importante que isso, os Haqqanis são força na qual o Paquistão sempre poderá manter, como uma espécie de exército de reserva, para fazer frente à crescente influência da Índia no Afeganistão. 

Quando a ministra de Relações Exteriores do Paquistão Hina Rabbani Khar diz que os EUA “não podem dar-se o luxo de alienar o Paquistão”, está absolutamente certa. Se acontecer, o Talibã histórico imediatamente superturbinará a sequência já praticamente ininterrupta de ataques letais dentro do Afeganistão. O Talibã Paquistanês (Tehrik-e-Taliban Pakistan, TTP) turbinará os ataques transfronteiras, de Kunar e Nuristan no Afeganistão, contra Dir e Bajaur no Paquistão. E grupos militares linha-dura no Paquistão sentir-se-iam ainda mais motivados para livrar-se, de vez, do governo civil.

Dado que Washington em certa medida treina e equipa os militares de Islamabad, e a Agência Central de Inteligência, CIA, é também íntima do ISI paquistanês, há quem suponha que Islamabad “pertença” a Washington.

Até pertence – mas só até certo ponto. Seria útil que alguém organizasse um seminário em Washington para explicar que o exército paquistanês tem agenda muito diferente da agenda do serviço secreto; e que o ISI é infiltrado de células secretas de bandidos; uma dessas células pode ter assassinado Saleem Shahzad.

Os militares paquistaneses trabalham hoje para tirar do Talibã “histórico” liderado pelo Mulá Omar, e também do Hizb-e Islami de Gulbuddin Hekmatyar, a maior parte da influência que têm no Afeganistão. Mas, ao mesmo tempo, aquelas células linha mais dura que há dentro do ISI querem continuar a apoiar a rede Haqqani, que veem como ferramenta para manter subjugado qualquer futuro governo afegão.

A hora de Pequim entrar no jogo

A coisa vai realmente pegar fogo se – quando – o consortium Pentágono/ CIA/ Casa Branca ordenar que helicópteros das Forças Especiais dos EUA violem a soberania do Paquistão (à moda do que já aconteceu em Abbottabad, no ataque para matar Osama bin Laden), e ataquem os Haqqanis, quando então haverá risco de confronto direto com o exército do Paquistão. O primeiro-ministro Yousuf Raza Gilani já convocou reunião de emergência exatamente para analisar essa específica possibilidade. 

Se acontecer, Islamabad com certeza se mobilizará e fará o que tiver de fazer para desmantelar a rede logística de suprimentos, crucialmente importante, que vai do porto de Karachi, no sul, até o desfiladeiro Khyber, interrompendo o fluxo de suprimentos para os soldados da OTAN no Afeganistão. Esse movimento destruirá qualquer possibilidade de partilhamento de inteligência e cooperação nas ações de contraterrorismo/contrainteligência. E até a al-Qaeda obterá melhores condições para viver em todo o Paquistão – e não só nas áreas tribais. 

Isso, para nem falar que o Paquistão tem exército de 610 mil soldados, com cerca de mais 500 mil reservistas. Se se considera que nada além de 15-20 mil Talibã conseguiram manter as tropas de EUA/OTAN cercadas no Afeganistão ao longo de anos, a matemática ajuda a explicar a via que resta a Washington, como única saída: desastre. 

O Paquistão é um dos principais ativos geopolíticos da China. Não há dúvida alguma de que Pequim já fez todos os cálculos e já viu que a estratégia enlouquecida de Washington – ou incontrolável impulso para lançar operações “cinéticas” a torto e a direito – só pode resultar em alienação total do Paquistão. 

O ministro chinês de Segurança Pública Meng Jianzhu – o mais alto funcionário da segurança chinesa – esteve em Rawalpindi na 2ª-feira. Não por acaso, o ministro do Interior declarou que “a China sempre aparece ao nosso lado, nos momentos mais difíceis”. Meng, por sua vez, disse que se discutiram meios para “contribuir para a segurança nacional e a estabilidade na região”. [1]

Também na semana em curso, o exército do Paquistão iniciou manobras conjuntas no Punjab com forças da “amiga especial do Paquistão”, a Arábia Saudita. Com amigas especiais como Pequim e Riad para compensar equipamento militar ou renda perdidos, não surpreende que os generais paquistaneses não estejam, exatamente, paralisados de desespero. 

Washington, sim, está desesperada, urgentemente necessitada de fazer alguma coisa. Nesse contexto, o que se pode esperar? 

Esperem um festival de aviões-robôs drones MQ-9 Reapers, dronando o Waziristão Norte até a morte. O que para o presidente Barack Obama dos EUA é “ferramenta de capacidades únicas”, para os agricultores pashtuns é arma de terroristas. 

Esperem ataque depois de ataque, sem parar, pelos drones comandados de uma sala de controle na base da força aérea dos EUA em Nellis, Nevada. 

Esperem chuva de mísseis estratégicos bombardeando sem parar, e danos colaterais espetaculares. 

Esperem mais ataques de forças de operações especiais ordenados pelo Comando Militar Conjunto dos EUA para “matar/capturar”. 

Esperem nova gigantesca Lista de Resultados Prioritários do Comando Militar Conjunto [ing. Joint Prioritized Effects List], exatamente como houve no Afeganistão; é lista sem nomes: só números de telefones celulares ou por satélite. Se o seu número entrar nessa lista por engano, considere-se desde já assado no fogo do inferno (à moda dos mísseis Hellfire). 

Esperem vingança eterna, imorredoura, mortal, dos pashtuns contra os norte-americanos, que virá, inevitável como a morte e os impostos. 

E, sobretudo: esperem que a tal “guerra de baixa intensidade” vire, a qualquer instante, guerra de intensidade vulcânica. 



Nota dos tradutores

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