Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Burhanuddin Rabbani |
A declaração dos Talibã, negando envolvimento na morte de Burhanuddin Rabbani, presidente do Alto Conselho Afegão para a Paz, aparece no terceiro dia depois do acontecido.
Evidentemente, a Quetta Shura precisou verificar atentamente todas as várias facções Talibã, antes de manifestar-se. Os Talibã, dessa vez, demoraram a pronunciar-se. Normalmente, são os primeiros a falar, quando se declaram responsáveis por algum feito. Dessa vez, nada. Até que falaram e negaram qualquer participação no atentado.
Editorial do Guardian chama a atenção para um ponto importante: “O escalpo de Rabbani teria alta cotação na lista de alvos dos Talibã, que se têm aplicado em matar altos funcionários e líderes afegãos, não fosse o fato de Rabbani ser presidente do Alto Conselho Afegão para a Paz. Detoná-lo seria como detonar as próprias conversações de paz, e não há qualquer sugestão de que os Talibãs tenham algum interesse em pôr fim àquelas negociações”.[1]
De fato, a mensagem do Supremo Talibã, Mulá Omar, em discurso na cerimônia do fim do Ramadã, foi amplamente interpretada como mudança de posição: disse que o futuro da resistência pode estar na política[2] . Comentário de Ahmed Rashid, em “What the Taliban Want”. Outro comentário em “Deciphering Mullah Omar’s Eid Message”, da Radio Free Europa mantida pelos EUA / Radio Liberty, que praticamente repete os argumentos de Rashid.
Surgiram várias teorias sobre quem matou Rabbani, que só fizeram aumentar a confusão, e a notícia boa é que a agulha da suspeita move-se, dia a dia, cada vez para mais longe dos Talibã. Mas fato é que alguém ordenou a morte de Rabbani. Quem?
Continuem cavando sempre mais fundo, e não se deixem confundir pelo bater dos tambores dos EUA nem pelo agitar de sabres norte-americanos contra o Paquistão.
A declaração do primeiro-ministro da Índia Manmohan Singh diz muito. Recusou-se a antecipar qualquer julgamento sobre quais mãos estariam vermelhas do sangue de Rabbani. Eis um trecho do que escreveu a Karzai:
“Fui informado, com grande choque e profunda tristeza, da morte trágica do professor Burhanuddin Rabbani. É ato de terrorismo sem sentido, que o governo e o povo da Índia condenam. Lembro com afeto meus dois encontros com o professor Rabbani em Kabul em maio de 2011 e em New Delhi em julho de 2011, nos quais o professor partilhou comigo sua visão de paz e reconciliação no Afeganistão. A melhor homenagem que o povo do Afeganistão lhe pode prestar é prosseguir na tarefa que ele iniciou – garantir futuro de paz e segurança aos afegãos. Peço-lhe que aceite minhas profundas condolências nessa perda trágica. Quero assegurar a Vossa Excelência que a Índia permanece ao seu lado e ao lado do povo afegão, nessa hora de tristeza.”
É possível que o primeiro-ministro indiano colha informações do presidente Mahmoud Ahmedinejad, quando se encontrarem em New York essa semana. Teerã está sempre muito bem informada sobre o que se faça em nome da guerra ao terror no Afeganistão. Além disso, Teerã foi a última parada de Rabbani, de onde saiu para passar alguns dias com membros de sua família que vivem em Sharjah.
Quer dizer, até ser chamado para voltar imediatamente a Kabul, por mensagem que recebeu como se tivesse sido enviada das embaixadas dos EUA e Grã-Bretanha, entregue a ele por um oficial afegão. A mensagem falava de evento de extrema importância que requeria sua volta imediata a Kabul. Infelizmente, a mensagem lhe pareceu autêntica, e ele voltou.
Os iranianos saberão o que passava pela cabeça de Rabbani, enquanto se encaminhava para a morte. Quase com certeza, Rabbani esteve, em Teerã, com o embaixador Mohsen Pak-Ayeen e conversaram. Essa é uma das razões pelas quais me chamou a atenção o que disse o embaixador Pak-Ayeen.
A segunda razão é que PakAyeen foi meu colega, embaixador do Irã, quando fui embaixador da Índia, em Tashkent. Eram os dias tumultuosos da Aliança da Norte e da resistência anti-Talibã. O embaixador Pak-Ayeen e eu nos tornamos amigos – e, ah, não sei se haverá outro diplomata em toda a nossa região que conheça o Afeganistão como ele, como a palma da mão. Sim, sim, de Afeganistão ele entende. Eis o que Pak-Ayeen disse sobre a morte de Rabbani:
Funcionário do serviço diplomático do Irã acusa a OTAN, no assassinato de Rabbani
21/9/2011, Fars News Agency -
Teerã (FNA) – Veterano funcionário do Ministério de Relações Exteriores do Irã acusou as forças da OTAN comandadas pelos EUA no Afeganistão pelo assassinato, ontem à noite, do ex-presidente afegão Burhanudin Rabbani.
Em entrevista à FNA em Teerã, na 4ª-feira, o chefe do serviço para o Afeganistão do Ministério das Relações Exteriores do Irã Mohsen Pak-Ayeen manifestou profunda lástima pelo covarde assassinato do ex-presidente do Afeganistão; descreveu Rabbani como Mujahid (combatente de Deus) do clericato, que lutou contra as políticas colonialistas da Inglaterra e da ex-União Soviética.
Lembrou que Rabbani também se opunha firmemente ao pacto de segurança entre Kabul e Washington sobre o estabelecimento de bases norte-americanas permanentes no Afeganistão.
“Foi assassinado para afastar um Mujahid que lutou durante anos pela independência do Afeganistão. Seu assassinato é mais um, numa cadeia de ataques terroristas que levou à morte de Davoud Zee e Ahmad Karzai” – disse o diplomata.
Disse que o ataque terrorista que matou Rabbani visou a pressionar Karzai para que concorde com exigências que só interessam aos assassinos.
“À frente, na lista desses interessados, estão estados membros da OTAN e os EUA. São responsáveis por esse ato terrorista. Invadiram o Afeganistão sob a desculpa de criar segurança e combater o terrorismo, há dez anos. E não conseguiram restaurar a segurança no Afeganistão.”
“Países estrangeiros, comandados pelos EUA, querem obter à força uma implantação militar permanente no Afeganistão e matam qualquer um que se oponha a essa presença permanente. Mataram o mártir Rabbani” – repetiu Pak-Ayeen.
Rabbani foi morto num atentado terrorista na 3ª-feira à noite, por uma bomba escondida num turbante.
Era, atualmente, presidente do Alto Conselho Afegão para a paz, formado de atuais e ex líderes políticos e personalidades nacionais. Foi presidente do Afeganistão de 1992 a 1996, quando o país enfrentou brutal guerra civil. Foi derrubado da presidência quando os Talibã assumiram o poder, em 1996.
Notas dos tradutores
[2] Ver 31/8/2011, Mulá Mohammad Omar, dos Talibã: “Mensagem do fim do Ramadã, 2011”.
Embaixador *MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Asia Online. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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