terça-feira, 4 de março de 2014

EUA versus União Europeia na disputa pela Ucrânia

4/3/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A Ucrânia é o meio do caminho do gás entre a Rússia e a União Europeia
Ontem, pus em dúvida a confiabilidade de um “vazamento” feito pelo governo Obama para o New York Times. Escrevi que:

“Enquanto Merkel e outros políticos da União Europeia parecem querer acalmar a situação, a Casa Branca está sob pressão política doméstica para fazer mais de “alguma coisa”. Por isso, provavelmente, o New York Times publicou hoje, como se fosse um “vazamento”:

A chanceler Angela Merkel da Alemanha disse por telefone ao presidente Obama no domingo que, depois de falar com Putin, já duvida que ele mantenha contato com a realidade – informaram fontes que receberam briefing do telefonema. “Parece estar noutro planeta” – disse a chanceler alemã.

Angela Merkel
Nada disso faz sentido. Não soa como comentário de Merkel e, pior, soa absolutamente estranho, como comentário dela. Duvido que ela tenha dito o que “fontes que receberam briefing do telefonema” disseram ao NYT que ela teria dito. Parece mais uma tentativa para desacreditar Merkel [aos olhos dos russos] e dificultar ainda mais, para ela, encontrar alguma solução em acordo com os russos e fora do controle dos EUA.”

Imediatamente, o governo alemão, através do conservador Die Welt, que apoia Merkel, desautorizou o NYT, negando a veracidade da citação publicada. Die Welt escreveu [traduzido al./ing./port]:

“A chanceler não está contente com o relato publicado no New York Times. Em nenhum momento e de nenhum modo Merkel disse ou teve intenção de dizer que Putin estaria agindo de forma irracional. Na verdade, ela disse a Obama que Putin tem perspectiva diferente [da de Obama] sobre a Crimeia”.

Não, não, não sou apoiador nem defensor de Merkel. Mas, sim, há disputa, tanto entre EUA e União Europeia, como entre “leste” e “oeste”, pela Ucrânia.

Sim, a União Europeia ferrou a própria estratégia para a Ucrânia, ao dar um ultimato a Yanukovich para que assinasse o acordo de associação à EU e, quando o ultimato foi rejeitado, a União Europeia agiu para instigar os tumultos em Kiev.

Mas o que os EUA estão fazendo é pior.

Os EUA obraram para sabotar o acerto de 21/2, que três ministros da União Europeia conseguiram negociar entre Yanukovich e sua oposição, e, na sequência, ordenaram um assalto de milícias fascistas armadas (assista vídeo no fim do parágrafo) contra o Parlamento ucraniano, para impor ali, ilegalmente “eleito” um novo “presidente” da Ucrânia. Agora, há seis membros do partido fascista, de seguidores de Bandera, o Partido Svoboda, no governo ilegítimo da Ucrânia.



Mas os europeus têm interesses muito diferentes.

Todos os comentários favoráveis a Merkel, que aparecem publicados na sequência da matéria sobre ela em Die Welt apoiam a posição dos russos nesse conflito e rejeitam o governo dos fascistas na Ucrânia. E esse é jornal quase sempre conservador e muito pró-EUA. O público alemão, apesar da campanha de propaganda anti-Rússia, e como já se lê publicado no mais prestigioso veículo da imprensa-empresa alemã, absolutamente não está do lado dos EUA e de seus intervencionistas da OTAN.

Há uma longa “tradição” de usar grupos fascistas nacionalistas contra a Rússia. A Rússia perdeu mais de 20 milhões de vidas na luta contra o fascismo e, para os russos, ver fascistas no governo de Kiev é ataque inadmissivelmente violento contra sua própria identidade nacional. Os russos conhecem a própria história e com certeza sabem quem está por trás daqueles fascistas de Kiev. ISSO, provavelmente, foi o que Merkel disse a Obama, quando falou da perspectiva de Putin.

O ucraniano Stepan Bandera (centro da foto) foi Comandante do Exército nazista e
responsável pela morte de inúmeros russos e ucranianos que lutaram contra o nazismo
O partido Svoboda e o Setor Direita (Pravy Sektor) na Ucrânia veem-se como continuação da tradição de Stepan Bandera, galego, ultra-nacionalista, terrorista brutal, fascista e, depois, agente que trabalhou para vários serviços secretos “ocidentais”. Livro muito revelador, arquivado nos Arquivos Nacionais dos EUA sobre “Sombras de Hitler – criminosos de guerra nazistas, inteligência dos EUA e a Guerra Fria” [orig. Hitler’s Shadows - Nazi War Criminals, U.S. Intelligence and the Cold War (pdf)] inclui um capítulo exclusivamente dedicado a “Colaboradores: inteligência aliada e a OUN, Organização dos Nacionalistas Ucranianos”. Copio aqui alguns excertos:

Reinhard Gehlen
As operações britânicas através de Bandera expandiram-se. Um resumo do MI6, do início de 1954, registrava que “o aspecto operacional dessa colaboração [entre os britânicos e Bandera] desenvolvia-se  satisfatoriamente. Gradualmente se obteve completo controle sobre operações de infiltração e, apesar de o dividendo da inteligência ser baixo, foi considerado suficiente para que valesse a pena prosseguir (...)”
...

Bandera era, segundo os que tinham contato com ele, “profissional da clandestinidade, com antecedentes de terrorista e noções implacáveis sobre as regras do jogo (...). Uma espécie de bandido, se preferirem, de patriotismo ardente e incendiário, o qual oferecia contexto ético e justificativa para seu banditismo. Nem melhor nem pior que outros desse gênero.
...

Em abril de 1959, Bandera outra vez pediu apoio da inteligência da Alemanha Ocidental e, dessa vez, Gehlen estava interessado. A CIA observou que “É visível que Bandera está procurando apoio para operações ilegais dentro da Ucrânia”. Os alemães ocidentais concordaram com apoiar pelo menos uma missão daquele tipo, baseados no “fato de que Bandera e seu grupo já não eram os degoladores que haviam sido” e porque Bandera “ofereceu provas de que seus contatos com agentes internos.” Uma equipe treinada e paga pelos alemães ocidentais cruzara, saídos da Tchecoslováquia, no final de julho; e os alemães prometeram apoio a Bandera para futuras operações, se aquela primeira fosse pelo menos “moderadamente satisfatória”.
...

Mykola Lebed
Em junho de 1985, o General Accounting Office mencionou o nome de Lebed em relatório público sobre nazistas e colaboradores que se instalaram nos EUA com a ajuda de agências de inteligência dos EUA. O Gabinete de Investigações Especiais [orig. Office of Special Investigations (OSI)] do Departamento de Justiça começou, naquele ano, a investigar Lebed. A CIA temia que investigações públicas sobre Lebed pudessem comprometer a operação QRPLUMB e que o fracasso na proteção de Lebed desencadearia a ira da comunidade de emigrados ucranianos. Então, a CIA, para encobrir Lebed, negou qualquer conexão entre ele e os nazistas e o apresentou como combatente da liberdade da Ucrânia. A verdade, é claro, era mais complicada. Ainda no final de 1991, a CIA tentou dissuadir o OSI de aproximar-se dos governos alemão, polonês e soviético, em busca de relatórios de guerra ou relacionados à guerra, que tivessem a ver com a Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN). O OSI acabou por abandonar o caso, incapaz de encontrar documentos definitivos sobre Lebed.

Mykola Lebed, comandante de Bandera na Ucrânia durante a guerra morreu em 1998. Está enterrado em New Jersey, e seus papéis estão arquivados no Instituto Ucraniano de Pesquisa, na Universidade de Harvard.”

Há pouca dúvida de que os serviços secretos dos EUA e alguns políticos neoconservadores norte-americanos estão ainda mexendo as cordas de movimentos fascistas na Ucrânia. Quem, senão eles, teriam treinado aqueles fascistas, em países vizinhos (como diz Putin)? Agora, a russofobia desses mesmos personagens está ameaçando a paz na Europa.





[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como “Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça  Hauspostille  (1927)  de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). No Brasil, produzimos versão SENSACIONAL, na voz de Cida Moreira, gravada em “Cida Moreira canta Brecht”, que incorporamos às nossas traduções desse blogMoon of  Alabama, à guisa de homenagem. Pode ser ouvida a seguir:



5 comentários:

  1. Mais uma guerra, mais sangue derramado, mais caos. O caos é lindo, mas quando não leva a lugar algum, é só caos.

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  2. Na tua opinião, qual seria o interesse da parte da Alemanha da Frau Merkel em uma eventual entrada da Ucrânia na União Européia?? Lembrando que a Alemanha nas duas guerras mundiais tentou meter a mão sem sucesso na Ucrânia.

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    1. Estratégica 1. Colocar a OTAN mais próxima (geograficamente) da Rússia
      Estratégica 2. Facilitar a passagem de um novo oleogasoduto Cáucaso-Europa.
      Tem outras, mas estas, penso eu, são suficientes...

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  3. Não entendo até onde vai essa provisoriedade do governo ucraniano... Quereriam os EUA manter, ou tentar, mantê-lo até pudessem ter sua vontade executada, e depois, devido a composição fascista do mesmo, escanteá-los.

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    1. Tem eleição geral marcada para maio/2014 (se não me engano dia 15 de maio) Os EUA tem até essa data para forjar seus interesses por lá. Mas as regiões autônomas como a Crimeia, p. ex., já estão providenciando eleições gerais para este próximo 15/3/2014...

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