segunda-feira, 17 de março de 2014

Ucrânia: Pressão por Reforma Constitucional e sanções frouxas

17/3/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Nos púlpitos os fantoches dos EUA: Oleksander Turchinov (E) Arsenii Yatseniuk 
Como já documentado ontem, o não-documento russo “vazado” que exigia reforma constitucional na Ucrânia e mais autonomia para suas regiões foi pelo menos parcialmente aceito pelo secretário de Estado Kerry:

Em telefonema ao Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Lavrov, o segundo entre ambos depois do fracasso do encontro que tiveram na 6ª-feira (14/3/2014) [1] em Londres, Kerry exigiu que a Rússia “apoie os esforços dos ucranianos de todo o espectro para resolver a partilha de poder e a descentralização, mediante um processo de reformas constitucionais amplo e inclusivo, que proteja os direitos das minorias” – disse o Departamento de Estado.

Insistir que Kerry teria “exigido [algo] da Rússia”, não passa de tentativa idiota de mascarar os fatos. A ideia dessas mudanças na Constituição da Ucrânia partiu claramente do lado russo, e as mudanças já eram parte do acordo de 21 de fevereiro, rompido pelo golpe apoiado pelos EUA.

Depois do telefonema entre Kerry e Lavrov, houve um telefonema entre Putin e Obama. O resumo da conversa distribuído pela Casa Branca também menciona a questão da Constituição.

[O presidente Obama] observou que o governo ucraniano continua a dar passos concretos para a desescalada da crise, especialmente, que se prepara para eleições na próxima primavera e começa a cuidar da reforma constitucional (...).

Usando o reconhecimento do plano russo, o Kremlin aumentou a pressão e tornou públicas as suas exigências:

Moscou, por sua vez, conclama a Ucrânia a tornar-se estado federativo, como modo de resolver a polarização entre as regiões oeste da Ucrânia – a favor de laços mais estreitos com os 28 estados da União Europeia – e as regiões do leste, que tem longos laços com a Rússia.

Em declaração na 2ª-feira (17/3/2014), o Ministro de Relações Exteriores da Rússia conclamou o Parlamento da Ucrânia a convocar uma assembleia constituinte que possa redigir um primeiro esboço de Constituição para converter o país em federação, dando mais poder às suas regiões. Lavrov disse também que o país deve adotar “status político e militar neutro”, demanda que reflete a preocupação dos russos de que a Ucrânia seja integrada à OTAN.

A Rússia trabalha também para que o russo se torne língua oficial da Ucrânia.

Em Kiev, o novo governo da Ucrânia descartou a proposta russa, como inaceitável; disse que “parece um ultimato”.

O governo fantoche ucraniano ainda tem de aprender a jogar esse jogo. Com Kerry e Obama já tendo concedido a “reforma constitucional” na Ucrânia, não há como o governo fantoche escapar dela. Kiev precisa urgentemente de dinheiro, e os que podem, com alguma possibilidade, pagar – o FMI, os EUA e a UE – farão questão de ver atendidas as suas “condições”.

A Rússia também pode escalar e ajudar as regiões leste e sul da Ucrânia a criarem seu próprio estado independente de Kiev, ou tentar, como fez a Crimeia, ser incorporadas à Federação Russa. O governo da Ucrânia acerta ao chamar de “ultimato” a demanda dos russos: é exatamente isso, e Kiev não tem escolha além de submeter-se.

O aparato militar ucraniano não tem condições de enfrentar as forças russas
Mas isso parece que ainda não está bem entendido. O Parlamento ucraniano, os agora cerca de 300, que sobraram dos 450 deputados originais, depois que os demais fugiram sob ameaças de violência, decidiu mobilizar os militares ucranianos e dirigiu fantásticos 12% do orçamento total do país para recriar algum tipo de força armada. Mas os militares ucranianos foram negligenciados durante mais de 20 anos:

Não são absolutamente força pronta para combater. Falta dinheiro e não há força armada, nem aérea, nem de superfície, nem têm capacidade sequer comparável à que a Rússia pode deslocar – mesmo que a Rússia não seja nenhum modelo de prontidão militar – disse Anthony Cordesman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacional, à rede FoxNews.com.

A maioria dos soldados ucranianos são ainda recrutas, e os profissionais têm salários equivalentes à metade do salário médio na Ucrânia. Ainda não se sabe o quanto esses militares são leais ao governo golpista. Não espero que venham a ter papel muito significativo.

Enquanto isso, EUA e União Europeia impuseram algumas sanções contra alguns indivíduos russos e ucranianos, embora a “Folha de Fatos” [orig. Fact Sheet] da Casa Branca sequer diga quais são as sanções:

Em resposta às ações do governo russo que contribuem para a crise na Ucrânia, essa nova Ordem Executiva lista sete cidadãos russos funcionários do governo designados para receber sanções. São eles: Vladislav Surkov, Sergey Glazyev, Leonid Slutsky, Andrei Klishas, Valentina Matviyenko, Dmitry Rogozin e Yelena Mizulina.

Parece que ninguém tem nem ideia de por que (e com que “castigos”) esses indivíduos seriam sancionados. Faz algum sentido impor sanções a alguém “por causa” de seu status?

  • Valentina Matviyenko: Matviyenko recebe sanções porque é presidenta do Conselho da Federação;
  • Dmitry Rogozin: Rogozin recebe sanções porque é vice-primeiro-ministro da Federação Russa;
  • Yelena Mizulina: Mizulina recebe sanções porque é deputada no Parlamento;
  • ????. 
EUA e UE impõem sanções...
Esses russos que receberam sanções são todos funcionários públicos que sequer podem manter bens em território estrangeiro. O que os EUA farão contra eles?

Um parágrafo da “Folha de Fatos” ameaça empresários e oligarcas russos:

Os EUA também buscarão meios para processar indivíduos que usam seus recursos para influenciar ou apoiar ou agir em nome de altos funcionários do governo russo. Sabemos que a liderança russa recebe apoio significativo de, e toma ações mediante indivíduos que, eles próprios, não têm nenhuma função na administração. Nosso foco atual é identificar esses indivíduos e atacar o patrimônio pessoal deles, mas não empresas que eles administram em nome do estado russo.

Façam o que lhes dê na telha. Putin tem cerca de 70% dos russos a seu favor. Não precisa manifestar consideração a esse ou aquele oligarca. Os russos estão rindo desse ataque frouxo. [2] Nenhuma dessas sanções influenciará as decisões deles. Publicarão uma lista de retaliação, e sancionarão, também sem sentido algum alguns funcionários dos EUA e da União Europeia, e a coisa ficará nisso.

Aos EUA cabe agora a desagradável tarefa de silenciar os fascistas e cabeças duras do governo fantoche na Ucrânia e obrigá-los a aceitar algum processo para criar alguma Constituição que faça sentido. O governo russo manterá abertas todas as opções no leste e no sul, até que apareça alguma Constituição aceitável na Ucrânia, seja posta em termo e valha alguma coisa.

Por hora, Moscou pode sentar-se e divertir-se com os chiliques frouxos que Bruxelas e Washington DC produzirão.



Notas dos tradutores

[1] Como se lê em: EUA e Rússia concordam em deixar rolar a bola na Ucrânia − 16/3/2014, MK Bhadrakumar, Indian Punchline − redecastorphoto, essa reunião não fracassou. Foi, de fato, muito bem sucedida e levou ao bom resultado que hoje se anuncia.
  [postado pelo Twitter, aqui traduzido]:

Camarada @BarackObama, o que você fará com os que
não têm nem propriedades nem contas bancárias no exterior? 
Ou... Você não pensou nisso?! http://bit.ly/1ebMXDM
__________________


[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como“Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). No Brasil, produzimos versão SENSACIONAL, na voz de Cida Moreira, gravada em “Cida Moreira canta Brecht”, que incorporamos às nossas traduções desse blogMoon of Alabama, à guisa de homenagem. Pode ser ouvida a seguir:


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