sábado, 29 de março de 2014

Pepe Escobar: “EUA desesperados para isolar a Rússia em todos os fronts”

28/3/2014, [*] Pepe Escobar, Rússia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Reunião do G7 na residência oficial do Primeiro Ministro holandês em Haia (24/3/2014) discutem as linhas de contorno do Nuclear Security Summit (NSS).- Foto: Jerry Lampen
O governo Obama não carregará prisioneiros em sua sanha para tentar “isolar” a Rússia em todos os fronts possíveis – até agora, sem resultados importantes.

Já listei algumas razões pelas quais a Ásia não isolará a Rússia. E também algumas razões pelas quais a União Europeia não pode isolar a Rússia. Mesmo assim, o governo Obama prossegue, incansável, e continua a atacar em três grandes fronts – o G-20, o Irã e a Síria.

Primeiro, o G-20. A ministra de Relações Exteriores da Austrália, Julie Bishop, lançou um balão de ensaio, especulando que a Rússia e o presidente Vladimir Putin poderiam ser barrados da reunião do G-20 em Brisbane, em novembro.

A reação dos outros quatro nações-membros BRICS foi imediata:

A custódia sobre o G-20 pertence a todos os estados-membros igualmente, e nenhum estado-membro pode determinar, unilateralmente, sua natureza e caráter.

Austrália, sempre subserviente aos EUA, teve de calar o bico. Por hora.

Presidentes dos países BRICS em Durban 2013
Os BRICS, não por acaso, são a aliança chave do mundo em desenvolvimento dentro do G-20, que atualmente está discutindo o que interessa nas relações internacionais. O G-7 – que “expulsou” a Rússia de sua próxima reunião em Sochi, já transferida para Bruxelas – não passa de balcão de conversas de autopromoção.

De sanção em sanção

Então, há o Irã. O vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Ryabkov deixou muito claro que se os EUA e fantoches selecionados insistirem em lançar sanções econômicas por causa do referendo da Crimeia,“nós tomaremos também medidas de retaliação”. E falava das negociações do P5+1 sobre o dossiê nuclear iraniano.

EmThree Reasons Why Russia Won't Wreck the Iran Nuclear Negotiations[Três razões pelas quais a Rússia não arruinará as negociações nucleares iranianas], 25/3/2014, Suzanne Maloney, Brookings], lê-se uma exposição bem acurada de o que o establishment norte-americano pensa sobre o papel da Rússia naquelas negociações.

É verdade que a revelação, em 2009, de uma instalação iraniana secreta, subterrânea, de enriquecimento de urânio não agradou a Moscou – a qual, em resposta, cancelou a venda do sistema S-300 de defesa aérea a Teerã.

Mas mais crucial é o fato de que Moscou quer que o dossiê nuclear iraniano permaneça sob o guarda-chuva do Conselho de Segurança da ONU – onde a Rússia pode exercer seu poder de veto; qualquer solução terá de ser multilateral, não engendrada por neoconservadores psicótico(a)s.

O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon (C) abre as chamadas negociações de paz de Genebra II ao lado do emissário da ONU-Liga Árabe para a Síria, Lakhdar Brahimi (E) em 22 /1/2014 em Montreux. (Foto: Fabrice Coffrini)
Facções políticas conflitantes no Irã talvez ainda duvidem do comprometimento de Moscou a favor de alguma solução justa – considerando que Moscou não fez grande coisa para aliviar o terrível pacote de sanções. E, sim, Rússia e Irã são concorrentes, como exportadores de energia – e sanções que castiguem o Irã são presentes para a Rússia (50% menos petróleo iraniano foi exportado desde 2011, e o país não se qualifica como grande exportador de gás natural).

Mas se o frenesi das sanções dos EUA engolfar também a Rússia, haverá fogos no céu: Moscou acelerará a troca de mais de 500 mil barris/dia de cru iraniano em troca de a Rússia construir mais uma usina nuclear; haverá outros movimentos russos para detonar a parede de sanções ocidentais; e Moscou também pode decidir vender não só os sistemas de defesa S-300 mas os S-400 ou o futuro e ultra sofisticado sistema de defesa S-500, a Teerã.

É tempo de ataques forjados, sob bandeiras falsas

Vadim Lukov
Há, finalmente, a Síria. Mais uma vez, os BRICS estão na vanguarda. O embaixador russo Vadim Lukov acertou o olho do alvo, quando disse que:

Falando bem francamente, sem a posição dos BRICS, a Síria já estaria, há muito tempo, convertida em Líbia.

Os BRICS aprenderam a lição para o caso da Síria, quando permitiram, com as abstenções em votação na ONU, que se abrisse a via para o bombardeio humanitário da OTAN que destruiu a Líbia e converteu o país em estado arruinado. Subsequentemente, a diplomacia russa interveio, para salvar o governo Obama de bombardear a Síria por causa de uma estúpida, sem sentido, autoinfligida “linha vermelha” – com consequências potencialmente cataclísmicas.

Agora, o enredo novamente se adensa. O enviado da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi anda dizendo que o reinício das conversas de paz de Genebra-2 está “fora de questão” por enquanto. Em briefing ao Conselho de Segurança da ONU no início de março, Brahimi culpou o governo sírio pela interrupção.

É completo absurdo. As incontáveis facções de oposição na Síria, todas oportunistas, jamais quiseram, nunca, qualquer negociação; só queriam mudança de regime. Para nem falar da nuvem de jihadistas – as quais, até recentemente, vinham criando fatos em campo com armas fornecidas a todas elas pelos petrodólares do Golfo.

Agora, abundam os boatos de que o governo Obama estaria pronto para “isolar” a Rússia – e por extensão os BRICS – também no caso da Síria.

O governo Obama, servindo-se dos proverbiais ‘funcionários’ não identificados, anda distribuindo relatos de desinformação sobre ataques de jihadistas contra interesses ocidentais, partidos do norte e do nordeste da Síria. Pode ser o prelúdio para um perfeito ataque de “terceiros”, apresentado sob bandeira falsa, a ser usado como pretexto para “justificar” uma intervenção ocidental – atropelando, obviamente, a ONU. Os doidos pró-guerra nunca pararam de sonhar com a tal zona de exclusão aérea sobre a Síria.

Mercenários da al-Qaeda (Frente al-Nusra) em 4/2013, próximo de Aleppo, Síria.
Foto: Guillaume Briquet
Esse cenário articula-se claramente com o escândalo em curso no governo Erdogan na Turquia: o que todos vimos por YouTube é exatamente uma conversa no plano da segurança regional, sobre como um membro da OTAN, a Turquia, poderia forjar um ataque, sob bandeira falsa, e atribuí-lo à Síria.

A conclusão é que a OTAN está longe de ter desistido da “mudança de regime” na Síria. Há notáveis simetrias em tudo isso. Putsch na Ucrânia. Ataque forjado na Síria. Ataque da OTAN à Síria? Ataque russo no leste da Ucrânia. Pode não ser tão delirante quanto parece. Daí que... abriram-se as apostas.

Todo o Novo Grande Jogo na Eurásia está sendo de tal modo distorcido, que agora temos Obama, o especialista em Direito Constitucional, a legitimar a invasão e a ocupação do Iraque (“os EUA procuramos trabalhar dentro do sistema internacional, não reivindicamos nem anexamos território iraquiano”) e os doidos fazedores-de-guerra na Think-tankelândia norte-americana a pregar embargo de petróleo contra a Rússia, como para o Irã, com Washington a usar seus fantoches sauditas para completar o serviço.

Depois de dar aulas aos europeus, em Haia e Bruxelas, sobre os desígnios “maléficos” dos russos, e desfilar em Roma feito neo-Cesar, Obama encerra seu tour triunfal precisamente lá, em sua satrapia saudita. Temos de nos preparar para uma imunda caixa de docinhos que vem por aí.



[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

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