terça-feira, 4 de março de 2014

Lute por mim, coitadinho de mim...


3/3/2014, [*] James Howard Kunstler, Blog Clusterfuck Nation
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Quer dizer então que, agora, estamos ameaçando iniciar a IIIª Guerra Mundial, porque a Rússia está tentando controlar o caos num estado falido junto às suas fronteiras – estado que os “nossos” doidos norte-americanos empurraram diretamente para o buraco?

A última vez que conferi, havia uma lista de países para onde, recentemente, os EUA enviaram soldados, navios armados, aviões armados, e por razões semelhantes às da Rússia na Crimeia: ex-Iugoslávia, Somália, Afeganistão, Iraque, Líbia, nenhum desses sequer próximos das fronteiras dos EUA. Não me lembro de a Rússia ameaçar confrontações militares, por causa dessas aventuras tresloucadas dos EUA.

Os telefones da Casa Branca e dos gabinetes do Congresso têm de estar totalmente congestionados, tantos são os cidadãos norte-americanos furiosos, contra a postura de nossos representantes e governantes eleitos. Tem de haver multidões levantando cartazes na praça Farragut, para lembrar aos hóspedes da Avenida  Pennsylvania nº 1.400 o papel ridículo em que nos puseram.

Os fabricantes de guerras no The New York Times falavam como promotores da Federação Universal de Luta Livre. A matéria de primeira página, ontem, dizia:

A ocupação russa na Crimeia desafiou o Sr. Obama, mais que qualquer outra crise internacional. E, no olho do furacão, a mesma questão volta, obrigatória: o Sr. Obama terá coragem para enfrentar o ex-coronel da KGB no Kremlin?

Será que perderam, de vez, as respectivas cabeça-de-ovo? Parece roteiro do velho manual [de Análise Transacional] de Eric Berne,Jogos que as Pessoas Jogam, do “tipo” lutem por mim, coitadinho de mim [Orig. Let’s You and Him Fight].

O presidente da Rússia, Vladimir Putin chegando à Crimeia 
O que os EUA e seus paus-mandados na União Europeia têm de fazer é cuidar da própria vida e parar com essas ameaças patéticas. Eles mesmos montaram a cena para o colapso da Ucrânia, ao tentar manobrar o governo como quisessem, financiando um movimento pró-Eurolândia, só para, na sequência, verem seus fantoches pagos (e caros), cederem tudo a uma gangue de neonazistas armados, cujo primeiro ato oficial foi banir do país todos os cidadãos falantes de russo, num país onde há milhões de falantes de russo. Isso nada tem a ver, claro, com o fato de que a Ucrânia, até bem recentemente, foi estado do ex-império russo soviético.

John Kerry
O secretário de Estado John Kerry – um penteado à procura de um cérebro – vai a Kiev amanhã, para fingir que os EUA estão interessadíssimos e preocupadíssimos com o destino da Ucrânia.

Dado que o comportamento dos EUA é tão visível e claramente hipócrita, resta uma perguntinha básica: quais os nossos motivos? Não acho que sejam qualquer coisa além de ostentação internacional – baseada na ilusão de que teríamos o poder e o direito de controlar tudo no planeta, ilusão que, por sua vez, brota do sentimento no qual estamos todos mergulhados, de extrema insegurança, agora que quantidade enorme de más escolhas que fizemos, puseram a mesa para um banquete de consequências.

Os EUA não estão conseguindo sequer dar conta das próprias dificuldades. Ignoramos nossa crise de energia, repetindo para nós mesmos o conto de fadas de que o combustível de xisto nos permitirá continuar a ir de carro até o WalMart mais próximo, para sempre. Escondemos de nós mesmos toda a nossa degenerescência financeira e fazemos vista grossa ante os crimes dos criminosos financeiros. A infraestrutura, nos EUA, está caindo aos pedaços. Estamos construindo uma montanha de aparelhos de vigilância e controle social que faria esverdear de inveja no túmulo o Dr. Joseph Goebbels, enquanto consumimos nosso já esvaído capital social, em estúpidas batalhas sobre confusão “de gêneros”.

Tropas russas e ucranianas ocuparam entradas e saídas da península da Crimeia
Os russos, por sua vez, têm integral direito de proteger seus próprios interesses junto à sua própria fronteira, de proteger a vida e as propriedades dos ucranianos falantes de russo (os quais, não faz muito tempo, eram cidadãos de uma Rússia maior), para desestimular atividades neonazistas no seu quintal, e, principalmente, para estabilizar uma região que tem história curta e pouca experiência de independência.

Eles também têm de enfrentar a bancarrota da Ucrânia, que talvez seja a principal causa dos atuais problemas. A Ucrânia deve muito à Rússia, mas também deve uma enormidade a uma vasta rede de bancos ocidentais. Ainda não se sabe se o calote dessas obrigações, todas conectadas, pode levar a uma onda de contágio que atinja todo o sistema financeiro global. Falta só um floco de neve para levar a montanha à avalanche.

Bem-vindos todos à era dos estados falidos. Já há vários por todo o mundo, e mais haverá, com a escassez de recursos e de capitais fazendo cair todos os padrões de vida e baixar o horizonte de confiança.

O mundo não está andando na direção em que Tom Friedman e os globalistas supuseram que andaria. Tudo que esteja organizado em escala gigante está hoje por um fio – e, de modo muito especial, os estados-nação.

Os EUA não são imunes a esse movimento, seja qual for a ilusão que alimentemos ainda sobre nós mesmos, hoje.




Nota dos tradutores

[1] Referência a Games people play, manual de Análise Transacional, de Eric Berne, dos anos 50. Um dos “jogos” que as pessoas jogam, segundo esse modelo é o de fazerem-se de “coitados” e estimular outros a lutar pela autodesignada “vítima”.
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[*] James Howard Kunstler (nascido em 19 de outubro de 1948) é um autor americano, crítico social, orador público, e blogueiro. Ele é mais conhecido por seus livros The Geography of Nowhere (1994), uma história dos subúrbios americanos e desenvolvimento urbano, The Long Emergency (2005) e, mais recentemente, Too Much Magic (2012). Em The Long Emergency, ele argumenta que o declínio da produção de petróleo é provável que resulte no fim da sociedade industrializada como a conhecemos e forçar os americanos a viver em menor escala, comunidades localizadas, agrárias (ou semi-agrárias). Começando com World Made by Hand em 2008, Kunstler tem escrito uma série de romances de ficção científica conjecturando a cultura do futuro.Dá palestras sobre temas relacionados ao subúrbio, desenvolvimento urbano e os desafios do que ele chama de “The Global Oil Predicament” (O Fim da Era do Petróleo), e a mudança resultante no “American Way of Life”. Foi conferencista no American Institute of Architects, no National Trust for Historic Preservation, no International Council of Shopping Centers, na National Association of Science and Technology,, bem como em inúmeras Universidades, incluindo Yale, MIT, Harvard, Cornell, University of Illinois, DePaul, Texas A & M, West Point e Rutgers University.



Um comentário:

  1. Atimes:
    Ukrainian blood on Kerry's hands
    By M K Bhadrakumar

    How far the blunt and threatening posture US Secretary of State John Kerry took in his interview with the CBS News toward Moscow - and President Vladimir Putin in person - over the Ukraine situation was genuine and how far it was intended to meet the domestic criticism of the Barack Obama administration being "weak" in its foreign policies doesn't really matter. What matters


    is that Kerry demanded virtual capitulation by Russia under the shadow of US retribution and that's being plain dishonest and unrealistic.

    The history of the current Ukraine crisis didn't begin with the Russian Duma's authorization of Putin to use military force in Ukraine, if necessary. Kerry can easily check that out by asking his subordinate Assistant Secretary Victoria Nuland whether she indeed discussed a road map for Ukraine's color revolution on phone with the US Ambassador in Kiev, Geoffrey Pyatt, during their famous "F**k-the-EU" conversation two months ago.

    In fact, that conversation took place on December 11 and the subsequent events in Ukraine, including the takeover by the new prime minister, Arseniy "Yats" Yatsenyuk, have been ditto according to Nuland's road map. Suffice to say, Kerry can't say there is no blood on his hands.

    More ...

    Ambassador M K Bhadrakumar served as a career diplomat in the Indian Foreign Service for over 29 years, with postings including India's ambassador to Uzbekistan (1995-1998) and to Turkey (1998-2001).

    (Copyright 2014 M K Bhadrakumar)

    http://atimes.com/atimes/Central_Asia/CEN-02-030314.html

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