quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Pepe Escobar: “O pato manco caiu da caravana Rotas da Seda”

11/11/2014, [*] Pepe EscobarRússia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Governantes de países da APEC, em foto de família, Pequim, 10/11/2014: o primeiro-
ministro da Austrália, Tony Abbott, atrás de Vladimir Putin da Rússia (esq.) e do
presidente da China Xi Jinping (segundo, esq.) (foto: Reuters/Kevin Lamarque)
Dificilmente se encontraria ilustração mais clara de para onde caminha o mundo multipolar, que o que se viu recentemente na reunião de cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico [orig. Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC)], em Pequim.

Examinem bem as fotos oficiais. Trata-se de protocolo e posição – e sendo na China, sempre carregados de significados simbólicos. Adivinhem quem aparece no lugar de honra, à mão direita do presidente Xi Jinping. E adivinhem para onde foi mandado o pato manco líder da “nação indispensável”. Os chineses também sabem fazer com mestria, no que se trate de enviar mensagem global.

Quando o presidente Xi conclamou a APEC a “pôr lenha na fogueira da economia da região do Pacífico Asiático e do mundo”, quis dizer exatamente o que segue, independente de decisões não conclusivas que saíssem do encontro:

1) Pequim fará rigorosamente de tudo a favor de criar sua Área de Livre Comércio do Pacífico Asiático [orig. Free Trade Area of the Asia-Pacific (FTAAP)] – visão chinesa de acordo comercial “absolutamente inclusivo, ganha-ganha para todos” que realmente promova a cooperação na região do Pacífico Asiático, em vez dos negócios conduzidos pelos EUA, redigidos pelas corporações e que muito dividem e separam, conhecidos como Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)].

2) Um plano básico está traçado para “conectividade em todas as direções”, nas palavras de Xi – o qual implica Pequim estabelecer o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura [orig. Asian Infrastructure Investment Bank]; Pequim e Moscou acertar um segundo meganegócio de gás – dessa vez, através do gasoduto Altai, na Sibéria Ocidental; e a China canalizando não menos de US$40 bilhões para iniciar a construção do Cinturão Econômico Rota da Seda [orig. Silk Road Economic Belt] e a Rota Marítima da Seda para o século XXI.

Governantes de várias nações do mundo tomam assento, para ouvir o discurso de abertura, pelo presidente da China, Xi Jinping (C), na reunião de cúpula dos governantes dos países e membros da Cooperação Econômica do Pacífico Asiático [orig. Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC)], no Centro de Convenções Internacionais em Yanqi Lake, Pequim, dia 11/11/2014
(foto: Reuters / Pablo Martinez Monsivais).
Mais uma vez, tudo converge na direção da ofensiva mais espetacular, mais ambiciosa e de mais amplo alcance plurinacional para construir infraestrutura jamais tentada: as múltiplas Novas Rotas da Seda – uma complexa rede de ferrovias para trens de alta velocidade, oleodutos, gasodutos, cabos de fibra ótica e telecomunicação gerada e distribuída e coletada pela tecnologia mais de ponta que o mundo conhece e que a China já está construindo através dos “-stões” da Ásia Central, todas ligadas com Rússia, Irã, Turquia e o Oceano Índico, e que se estenderá para a Europa, até Veneza e Berlim.

É Pequim interligando o Sonho Pacífico-Asiático de Xi até muito além do Leste da Ásia, com olhos postos no comércio paneurasiano – cujo centro é, e não poderia deixar de ser, o Império do Meio.

A campanha “Para o Ocidente!” foi oficialmente lançada na China no final dos anos 1990s. As Novas Rotas da Seda são campanhas turbinadas “Para o Ocidente!” e “Para o Sul!” – de expandir mercados, mercados, mercados, mercados. Pensem na Eurásia num futuro próximo como massivo Cinturão de Seda Chinês – em algumas latitudes num condomínio com a Rússia.

E como deseja sua guerra? Fria ou quente?

Conforme sonha Pequim, Noam Chomsky falou muito e muito claramente sobre uma reação em cadeia estilo 1914 de erros catastróficos – cometidos pelo Ocidente – que rapidamente escapariam de qualquer controle; e o que está em jogo e sob risco, mais uma vez, é nuclear. Moscou absolutamente detesta essa terrível possibilidade – o que explica por que a Rússia, alvo da mais obcecada provocação que lhe fazem os EUA, além das sanções, tem mostrado moderação digna de um Titã. Não se trata só de que a Rússia não pode ser “isolada”, como os EUA tentaram fazer com o Irã; Moscou também já desmascarou o blefe dos neoconservadores norte-americanos na Ucrânia.

No Clube Valdai, o presidente Putin, em discurso crucialmente importante (fala inicial e perguntas & respostas) – obviamente ignorado pela imprensa-empresa ocidental – expôs com clareza as necessárias conclusões. As elites de Washington/Wall Street absolutamente não têm qualquer intenção de permitir nem a mais mínima multipolaridade nas relações internacionais. O que resta, portanto, é o caos. É o que tenho dito, em diferentes circunstâncias, e é só o que se vê ao longo dos anos de governo Obama, e é o argumento central de meu novo livro Empire of Chaos.

Moscou sabe tudo sobre as complexas interligações com a Europa – especialmente com a Alemanha – e com o evanescente, mas ainda influente, Consenso de Washington. Mas a Rússia tem a carta-trunfo de ser potência eurasiana; quando se veem em dificuldades, os russos sempre se podem pivotear para a Ásia.

Gorbachev acertou o alvo em Berlim, quando chamou a atenção para o quanto, ao quebrar a promessa que Bush-pai lhe fez pessoalmente, a OTAN comprometeu-se com uma eterna expansão rumo ao oriente; e para o quanto o Ocidente – essencialmente, os EUA mais uns poucos vassalos europeus – parecem hoje obcecados com inventar alguma nova Guerra Fria, com o novo Muro de Berlim transplantado – metaforicamente – para Kiev.

Líderes dos Países da APEC no International Convention Center, Yanqi Lake em Pequim, 11/11/2014 (Foto: Reuters / Kim Kyung-Hoon)
Moscou pivoteando-se para longe de Ocidente e em direção do Leste da Ásia é processo de desenvolvimento em vários níveis – e que já está aí há vários meses, para todos verem. Acres de floresta terão ainda de ser devastadas para imprimir a narrativa de o quanto esse resultado foi diretamente influenciado pela doutrina de política externa do próprio Obama e que o próprio Obama descreveu como “Não façam merda coisa estúpida”, e que foi batizada a bordo do Air Force One, de volta de uma viagem à – e aonde mais seria?! – Ásia, em abril passado (4/2014).

No campo da energia, a expressão posta em circulação pelo Financial Times, de que um segundo mega negócio de energia a ser firmado entre Rússia e China seria “vingança de Putin”, é o tradicional e repetido lixo. A Rússia está tomando o rumo leste porque é ali que está a principal demanda. No campo da finança, Moscou acaba de pôr fim ao mecanismo de manter o rublo enganchado no dólar norte-americano e no euro: o dólar norte-americano caiu instantaneamente contra o rublo. O banco VTB, por sua vez, anunciou que pode trocar a Bolsa de Valores de Londres pela de Xangai – que está às vésperas de passar a conectar-se diretamente a Hong Kong. E Hong Kong, por sua vez, já está atraindo as gigantes russas da energia.

Agora então, combinem esses desenvolvimentos chaves com o massivo duplo negócio de energia Yuan - Rublos, e o quadro é da Rússia ativamente se autoprotegendo de ataques especulativos que lhe venham do ocidente, politicamente motivados, contra sua moeda.

A simbiose/parceria estratégica Rússia-China expande-se visivelmente para o campo de energia, finanças e também, inevitavelmente, para o front da tecnologia militar. Aí se inclui, crucialmente importante, Moscou vender a Pequim o sistema de defesa aérea S-400 e, no futuro, o S-500.

O sistema S-500 pode interceptar qualquer Míssil Balístico Intercontinental ou cruzador, ao mesmo tempo em que os MBI e mísseis cruzadores russos que operam em Mach 17, equipados com Multiple Independently Targeted Re-entry Vehicle (MIRVs), são simplesmente imbatíveis. Pequim, por sua vez, já está desenvolvendo seus próprios mísseis terra-mar, que podem alcançar qualquer coisa que a Marinha dos EUA consiga mobilizar – de porta-aviões a submarinos e sistemas móveis de defesa aérea.

Una-se à caravana

Estrategicamente, Pequim e Washington são – e não poderiam ser outra coisa – extremos polarmente opostos no que chamei de nascimento do século eurasiano.

Pequim identificou claramente a luta de morte que movem Washington/Wall Street para preservar o curto momento unipolar. A China – e os países BRICS – trabalham na direção do que Xi definiu como um novo modelo para relações entre grandes potências.

A cabeça de Washington/Wall Street é de “ou (exclusivo) um ou (exclusivo) outro”, não de “ganha-ganha”; os autonomeados Patrões do Universo creem que sempre possam monopolizar o poder, porque a Rússia – e na sequência a China – acabarão por recuar, para evitar o confronto. Nesse aspecto chave, a região Ásia-Pacífico, hoje, assemelha-se de algum modo à Europa de 1914.

O presidente da China Xi Jinping discursa na abertura da reunião da APEC no International Convention CenterYanqi Lake, em Pequim em 11/11/2014.
(foto: Reuters / Pablo Martinez Monsivais)
Com esse tipo de conversa apresentada como se fosse “análise” nos círculos acadêmicos nos EUA, e com as elites Washington/Wall Street e sua think-tank-lândia míopes ainda agarradas a tolices míticas como o papel “histórico” dos EUA como árbitros da Ásia moderna e equilibradores-chave do poder, não surpreende que a opinião pública ocidental não consiga nem imaginar o impacto gigantesco das Novas Rotas da Seda na geopolítica do jovem século XXI.

Um quarto de século depois da queda do Muro de Berlim, os EUA, para todas as finalidades práticas, ainda são governados por uma oligarquia. A Europa é geopoliticamente irrelevante. A “democracia” foi degradada e já não passa de paródia dela mesma em praticamente todo o Ocidente. O imperialismo “humanitário” – como o imperialismo neoconservador – no Iraque, Líbia, Síria e alhures levou a desastre e mais desastre e sempre. O turbo-capitalismo financeiro é bomba-relógio.

Rússia e China podem não estar propondo sistema alternativo – por enquanto. Mas enquanto os cães da guerra, do ódio, da desigualdade ladram, a caravana China-Rússia passa. A caravana está vendendo a integração econômica da Eurásia – não bombas. A verdadeira integração da região do Pacífico Asiático pode ainda ser sonho distante. Mesmo assim, o que a reunião da APEC mostrou mais uma vez – e há fotos que o comprovam – é a espetacular implosão, em câmera lenta, do domínio geopolítico da nação ex-indispensável.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Seu novo livro,  Empire of Chaos, acaba de ser publicado pela Nimble Books.

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