sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Rússia poderá dispensar a rede SWIFT

E utilizar outro sistema de comunicações/compensações internacionais interbancárias

12/11/2014, [*] Yves SmithNaked Capitalism
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Muitos observadores nos EUA mostraram-se descabidamente excitados sobre o que chamam, pejorativamente, de “esforços para quebrar a hegemonia do dólar”, como, dentre outros, o esforço conjunto dos chamados países BRICS para formar um banco de desenvolvimento.

Por mais que seja considerado importante manter uma cadeia internacional de entidades de financiamento, particularmente as que se focam em atividades que, em teoria, aumentam os benefícios coletivos de depender de uma moeda de reserva, não se pode concluir disso que lançar novas e úteis instituições de financiamento quebrará a dominação do dólar. Por mais que faça todo o sentido que os países se ressintam de os EUA abusarem muito da sua posição de emissor da moeda de reserva, também é verdade que não há concorrente à espera nas coxias. A Eurozona acabou com a chance que tinha, ao fracassar na operação de sanear pelo menos, que fosse, os seus bancos ainda mais doentes do que os norte-americanos, e ao piorar ainda mais uma situação já ruim e aderir a destrutivas políticas de austeridade.

Claramente, a China tem potencial para deslocar os EUA no longo prazo, mas não dá sinais de disposição para incorrer nos indispensáveis déficits comerciais, uma vez que isso significaria exportar demanda e, portanto, empregos. Nenhum país fez, sem solavancos, a transição, de grande economia puxada por exportações, para grande economia puxada pelo consumo; uma crise, ou qualquer prolongado mal-estar, também adiariam o momento em que a China consiga substituir os EUA como cão chefe da moeda.

Mas não poder livrar-se do dólar no curtíssimo prazo absolutamente não significa que países que os EUA tentam castigar (usando a influência norte-americana sobre o sistema internacional de pagamentos) não consigam encontrar vias de fuga em prazo bem menos longo. A Rússia, convertida em inimigo n° 1 dos EUA, aparentemente pelos pecados de ajudar a Síria (quando o Congresso opôs-se firmemente a qualquer ação militar); por opor-se, com sucesso, contra o golpe de estado patrocinado pelos EUA na Ucrânia; por colaborar com o Irã; por dar abrigo a Edward Snowden tornou-se alvo de sanções econômicas cada vez mais violentas. As que mordem mais fundo são as sanções aplicadas contra bancos russos, que estão expostos em moedas estrangeiras e têm usado os mercados de capital estrangeiros para lançar papéis da dívida e ações [orig. to issue debt and equity].

Hoje, a Rússia anunciou que planeja lançar um novo sistema de comunicações de compensações interbancárias, que dispensará qualquer recurso à Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais, o sistema de pagamento SWIFT. Como se lê em Russia Today:


A Rússia planeja ter com o seu próprio sistema de compensações interbancárias internacionais, operante, em maio de 2015. O Banco Central da Rússia diz que precisa apressar as providências para ter já montada sua versão da Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT), no caso de surgirem possíveis novos “desafios” vindos do ocidente.

“Considerados os desafios, o Banco da Rússia está criando seu próprio sistema para transmissão de mensagens financeiras (...) É preciso pressa. Nos próximos poucos meses com certeza já teremos o que mostrar. Todo o projeto para retransmissão de mensagens financeiras estará completado em maio de 2015” – disse Ramilya Kanafina, vice-diretor do departamento do sistema nacional de pagamentos do Banco Central da Rússia [orig. Central Bank of Russia (CBR)].

Instruções para não usar o sistema da SWIFT nos bancos russos começaram a se tornar mais frequentes à medida que se deterioravam as relações entre Rússia e EUA, por causa das sanções. Até aqui, a SWIFT tem dito que, apesar da pressão que tem recebido de alguns países ocidentais para integrar-se às sanções contra a Rússia, não tem qualquer intenção de fazê-lo...

A SWIFT, é atualmente uma das principais conexões entre a Rússia e o sistema bancário internacional e, se for cortada, pode haver grave dano à economia russa, no curto prazo. Globalmente, a SWIFT transmite ordens para transações que chegam a mais de US$ 6 trilhões, e envolve mais de 10 mil instituições financeiras em 210 países. Segundo o estatuto da SWIFT, o sistema mantém grupos nacionais de membros e usuários em cada país. Na Rússia, é a ROSSWIFT – a segunda maior sociedade SWIFT mundial, menor, só, que a SWIFT dos EUA.

Todos os comentários dos leitores são bem-vindos, mas, para mim, há aí duas questões.


Primeira,  que, embora a SWIFT continue aberta para negócios com a Rússia, pode ser fechada a qualquer momento. É claro que Moscou não pode ter deixado de perceber que o Banco Central do Irã e muitos outros grandes bancos são barrados e impedidos de operar a partir da SWIFT em 2012. Como se lê no Wall Street Journal:

A União Europeia disse que está banindo qualquer tipo de transação financeira com empresas iranianas incluídas nas listas negras para sanções, mas políticos norte-americanos deixaram claro que insistirão para ação mais ampla.

A Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias com sede na Bélgica, SWIFT – sistema de comunicação financeira e de autenticação que é usado pela maioria dos grandes bancos em todo o mundo – disse que acataria as instruções da União Europeia.

A sanção aplica-se só a bancos iranianos que a União Europeia incluiu numa lista negra de sanções. Inclui o Banco Central do Irã e mais de uma dúzia de outras empresas.

Enquanto isso, o Congresso dos EUA está pedindo a total interrupção de todas as transações com todos os bancos iranianos, e ameaça punições contra a diretoria e alta administração da SWIFT, caso não rompam todos e quaisquer laços com o setor financeiro iraniano. Políticos norte-americanos não se cansam de repetir que o Irã está transferindo o financiamento de seu programa nuclear, tirando-o dos bancos sob sanção dos EUA e passando-o para outras empresas.

Segunda, que criar canal para pagamentos fora do âmbito da SWIFT pode permitir que a Rússia crie um sistema financeiro para todos que não desejem ficar submetidos ao que os EUA “ordenem”. Bancos que fizeram negócios com o Irã, tanto antes como depois das sanções aplicadas pela SWIFT, foram atingidos por sanções pelo crime de lavagem de dinheiro. Foram pagamentos em dólar, e feitos para ramos dos bancos em New York, o que os torna sancionáveis pela lei norte-americana. Todas as transações em dólares entre bancos são compensadas no final do dia comercial em New York; os pagamentos interbancários dependem, em última instância, da ação de um banco central, e muitos grandes pagamentos são feitos também pelo sistema de comunicações interbancárias do Fed, o FEDWIRE. Por tudo isso não há, pelo menos por hora, como construir qualquer coisa que fuja de todo esse cerco.

Benjamin Lawsky, superintendente de serviços financeiros de New York, ameaçou cassar a licença de operação do primeiro banco desobediente com que teve de lidar, o Standard Chartered.


Reguladores federais norte-americanos e britânicos mostraram-se muito ofendidos pela ação de Lawsky, mas os reguladores federais rapidamente reconheceram que Lawsky lhe prestara imenso favor. Eles subiram muitíssimo a aposta, quando atacaram outros bancos estrangeiros que estavam desafiando ordens dos EUA e fazendo negócios através de sistemas de pagamentos norte-americanos com países estrangeiros “listados”. Lawsky multou o Standard Chartered em US$ 340 milhões em 2012, multa que se somou às multas federais de mais US$ 327 milhões. Por espantosamente alta que fosse naquele momento, essa multa empalidece ante os US$ 8,9 bilhões em multas e penas impostas ao banco BNP Paribas. (Lawsky novamente multou o banco Standard Chartered em mais US$ 300 milhões, em agosto, por reincidência).

Mas muitos bancos estrangeiros, e até reguladores estrangeiros, ficaram impressionados pela magnitude das multas que os EUA impuseram por lavagem de dinheiro (como no caso de usar os sistemas de pagamento norte-americanos, para fazer negócios com empresas “proibidas”). Jornais-empresa e políticos franceses uivaram de fúria ante a multa de US$8,9 bilhões aplicada ao BNP Paribas.

Se o sistema russo de pagamentos funcionar (se for impenetrável aos espiões da Agência Nacional de Segurança, porque podem todos apostar que os EUA aplicaram todos os seus melhores talentos do hacking e do roubo de dados contra qualquer sistema russo!), permitirá que bancos como BNP Paribas e Standard Chartered negociem com o Irã. E, claro, facilitará o processo para que essas empresas tenham uma desejada vingança contra os EUA.

Além do mais, há na Europa, com certeza, empresários que não estão gostando do modo como as sanções da União Europeia estão ferindo seus respectivos negócios. Ainda não se pode saber quantos desses estariam dispostos a passar para o lado “selvagem” e a desafiar as sanções. Mas processar transações através de um sistema de pagamento controlado pelos russos sempre lhes parecerá menos detectável que pagamentos feitos através da SWIFT.

Em outras palavras, o movimento dos russos visa a reduzir a efetividade, como arma, de usar o dólar dominante. Ainda não se pode ter certeza de que os russos consigam criar e manter sistema suficientemente robusto, bem protegido e suficientemente rápido, de comunicações internacionais interbancárias. Mas é movimento inteligente de defesa e potencialmente, também de ataque. Pode vir a ter ramificações de longo prazo, se outros países, que não estão felizes com a ação dos EUA, decidirem usar o sistema russo, por motivos ou práticos ou políticos. Permaneçam sintonizados.

Nota dos tradutores
[1] Sigla de Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication [lit. Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais. A palavra  swift    (ing.)  criada nessa sigla, traduz-se pelo adjetivo “rápido”

[*] Yves Smith passou mais de 25 anos na indústria de serviços financeiros e atualmente dirige Aurora Advisors, uma empresa de consultoria sediada em New York, especializada em consultoria de finanças corporativas e serviços financeiros. Sua experiência inclui trabalho na Goldman Sachs (em finanças corporativas), McKinsey & Co. e Sumitomo Bank (como chefe de fusões e aquisições). Yves já escreveu para várias publicações nos EUA e na Austrália, incluindo The New York Times, The Christian Science Monitor, Slate, The Review Conference Board, Institutional Investor, The Daily Deal e da Australian Financial Review. É graduada no Harvard College e Harvard Business School. Anima o blog Naked Capitalism desde 2006.

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