domingo, 23 de novembro de 2014

Acordo Rússia-China pode matar as exportações dos EUA de Gás Natural Liquefeito (GNL)


18/11/2014, [*] Kurt Cobb, Oil Price
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Xi Jinping e Vladimir Putin assinam acordo de gás (maio/2014)
Rússia e China assinaram dois grandes acordos de gás natural nos últimos seis meses, depois que a Rússia moveu seus interesses na direção leste, como reação contra as sanções e à crescente tensão em suas relações com a Europa, atualmente o maior mercado importador da energia russa.

Mas o movimento tem implicações que vão além da Europa. Nesse departamento tudo se conecta, e os produtores norte-americanos de gás natural podem estar assistindo ao ocaso do seu sonho de exportações substancialmente maiores de Gás Natural Liquefeito (GNL), por causa das exportações russas para o mercado chinês – precisamente o mercado que se esperava que viesse a ser o maior e mais lucrativo para o gás norte-americano. Art Berman, geólogo especializado em petróleo e consultor – que sempre se mostrou consistentemente cético quanto à viabilidade de os EUA virem a exportar GNL – comenta, por e-mail, que o suprimento russo forçará para baixo o preço do GNL entregue à Ásia, para algo entre US$ 10 e US$ 11, baixo demais para que as exportações norte-americanas de GNL sejam lucrativas.

Mas, voltemos até um pouco antes. Os produtores norte-americanos de gás natural insistem em tentar vender a história de um renascimento energético dos EUA, que seria baseado num crescente suprimento de gás de xisto extraído de depósitos profundos – atualmente explorados mediante uma nova modalidade de fraturamento do solo por bombas hidráulicas, chamado “fraturamento hidráulico com alto volume de fluído “liso” [orig. high-volume slick-water hydraulic fracturing]. [1]

O problema é que superextração e os baixos preços – agora, o preço é uma pequena fração dos US$13 por mil pés cúbicos (Mcf) alcançados no pico, em 2008 – minaram a estabilidade financeira das empresas perfuradoras de gás. Eis por quê: O gás natural betuminoso, chamado “gás de xisto” (ing. shale gas), é em geral mais caro para produzir que o gás natural convencional; para o gás de xisto ser viável, o preço do gás natural teria de ser muito superior ao que é hoje – dos cerca de US$ 4 por mil pés cúbicos, para com certeza acima de US$6 por mil pés cúbicos e talvez ainda mais, para pagar os custos de extrair o gás e garantir lucros.

Processo de extração da gás de xisto (fr.)
Mas, a esses preços, o Gás Natural Liquefeito norte-americano deixa de ser competitivo na Europa. E agora, por causa dos acordos Rússia-China para construir os gasodutos de gás natural, o mais provável é que o GNL norte-americano deixe de ser competitivo também na Ásia. E esses são os dois maiores mercados para o GNL. Sem esses mercados, nada assegura que os EUA consigam exportar muito GNL – a menos que comecem a exportar com prejuízo...

Aí, pois, está o problema: Para converter o gás natural norte-americano em gás liquefeito, metê-lo em navios tanques especialmente construídos para esse tipo de transporte e enviá-lo para Europa ou Ásia, o custo não será inferior a US$ 6 por mil pés cúbicos. Se o custo do gás norte-americano for de US$ 6 por mil pés cúbicos, o preço total do GNL dos EUA entregue será o custo do gás mais o custo da conversão, do embarque e da viagem, quer dizer, algo em torno de US$ 12 por mil pés cúbicos.

O mais recente preço de GNL entregue na Ásia, como informa a Federal Energy Regulatory Commission foi de US$ 10,10 por MMBtu para a China; US$ 10,50 para Coreia; e US$ 10,50 para o Japão. Para a Europa, os números são até mais moderados: US$ 9,15 para a Espanha; US$ 6,60 para o Reino Unido; e US$ 6,78 para a Bélgica (todos os valores expressos em dólares norte-americanos).

Esses números refletem, provavelmente, preços de momento, não contratos de longo prazo, e estão baixos porque a demanda de energia é menor, o que pode ser resultado da economia mais lenta na Ásia e na Europa.

Mas, sim, são suficientes para mostrar como será difícil para o GNL norte-americano competir no mercado mundial. Os preços do GNL melhorarão, mas, de modo geral, compradores de GNL assinam sempre contratos “custo-mais” [orig. cost-plus contracts]. Nos EUA seria o custo Henry Hub do gás natural (negociado na New York Mercantile Exchange) mais o custo da liquefação e do transporte. Sem qualquer garantia de que o gás Henry Hub permaneça no preço atual (cerca de US$ 4) – e muitos indícios de que não permanecerá – no longo prazo, é difícil ver como poderia haver compradores de longo prazo para o Gás Natural Liquefeito norte-americano.


Depois desse longo circunlóquio, permitam-me voltar aos gasodutos russo-chineses para gás natural, e a significação que têm nesse drama.

GAZPROM para a Europa (South Stream)
(clique na imagem para aumentar)
A Gazprom, a gigante russa do gás natural que realmente entregará o gás, estimou o primeiro negócio, em maio, em cerca de US$ 10,19 por MMBtu. O segundo negócio ainda não teve valor anunciado, mas um analista que consultei acredita que os chineses pagarão cerca de US$ 8 por MMBtu. Ainda que os chineses acabem por aceitar preço próximo do primeiro negócio, cerca de 17% da oferta de gás natural chinês estará chegando da Rússia, quando os gasodutos estiverem completados, daqui a vários anos. E isso, pode-se dizer, ancorará o preço do GNL chinês importado entre US$ 10 e US$11 por MMBtu – preço baixo demais para ser confiavelmente lucrativo para os exportadores norte-americanos de GNL.

A implicação é que os preços soft de hoje para o GNL importado pela China e o resto da Ásia pode vir a ser norma geral em poucos anos, precisamente o tempo que os terminais de exportação do GNL norte-americano demorarão, até se tornarem operacionais. Assim sendo, se aparecerem investidores para financiar a construção daqueles terminais, e se os gasodutos russo-chineses forem completados, o mais provável é que aconteça destruição de capitais em proporções épicas, do lado norte-americano do Oceano Pacífico.

Há outras razões para não acreditar no futuro dos EUA como exportador de gás natural. As róseas previsões da indústria e do Departamento de Estado dos EUA para Energia, sobre produção doméstica de gás natural a partir do xisto, podem ter sido superexageradas, conforme se lê num novo relatório assinado pelo mesmo analista que previu a degradação massiva dos preços do óleo recuperável do campo de xisto de Monterey, Califórnia. Apesar da crescente produção doméstica de gás natural, os EUA continuam a ser importadores líquidos de gás natural. Importações de gás natural corresponderamm a cerca de 10% do consumo nos EUA, no mês de agosto de 2014.

Full disclosure [“cumprindo obrigação de informar fato relevante ao mercado”]: Trabalhei como consultor pago para ajudar a divulgar o relatório “Drilling Deeper: A Reality Check on U.S. Government Forecasts for a Lasting Tight Oil & Shale Gas Boom”, lançado dia 27/10/2014, acima referido.

Mas, como leitores que me acompanham há muito tempo já sabem, desde 2008 sou muito cético ante as entusiásticas previsões de alguma bonança de longo prazo para o petróleo e o gás norte-americanos, movida a depósitos de xisto. Esse relatório é a primeira análise compreensiva, baseada em dados da indústria, e é produzido independentemente da influência ou do dinheiro da indústria. Todos que tenham quaisquer interesses investidos na indústria ou na política energética dos EUA devem lê-lo.

Locais de importação/exportação de GNL nos EUA
(clique na imagem para aumentar)
É possível que alguns projetos de exportação de GNL norte-americano consigam avançar, mesmo nas atuais circunstâncias. Se os compradores desse GNL assinarem contratos de longo prazo, tipo cost-plus como comentados acima, esses compradores devem preparar-se para enormes surpresas, quando os custos do gás natural dos EUA subirem. E aqueles exportadores criarão alguma espécie de “circuito de realimentação de autorreforço” [orig. self-reinforcing feedback loop], fazendo crescer a demanda, o que fará subir ainda mais os preços domésticos do gás natural norte-americano – ainda mais se não aparecer a grande produção norte-americana que se projeta atualmente. Se a produção de gás natural nos EUA permanecer no, ou cair abaixo do, atual nível de consumo doméstico, os EUA talvez se vejam na iminência estranhíssima, muito bizarra, de terem de importar GNL de alto preço de alguns países, para preencher o vácuo criado pelas exportações de GNL para outros países.

Preços internos mais altos, nos EUA, serão espada de dois gumes para quem aspira a um futuro de energia mais limpa. Produtores norte-americanos de gás natural e empresas de energia renovável muito apreciarão simultaneamente, se os preços de exportação subirem consideravelmente – os produtores, porque o destino financeiro deles passará a ser mais positivo; e as empresas de energia renovável, porque a energia renovável tornar-se-á mais competitiva, se o gás natural ficar mais caro. Mas os ambientalistas estremecerão de horror e fúria, se a lucratividade aumentar a tal ponto, nos campos de gás de xisto, que gere ação ainda mais horrenda de destruição da paisagem norte-americana.

E políticos norte-americanos que defendem a extração de GNL para exportação talvez se vejam desertados, de um lado, por consumidores obrigados a pagar altos preços internos e, de outro, pelos ambientalistas que rejeitam os altos custos ambientais – ainda que aqueles mesmos políticos vejam engordar muito as cataratas de doações de campanha, que lhes virão de uma muito grata indústria do gás de xisto.

Nota dos tradutores

[1] “A modalidade antiga de extração de gás e petróleo por fraturamento do subsolo, chamada Hydrofracking [lit. faturamento do subsolo por injeção de fluidos – uma mistura de água, areia e produtos químicos altamente tóxicos – sob alta pressão, nos poços de petróleo e gás] foi usada por muitos anos. Foi desenvolvida pela empresa Halliburton no final dos anos 1940. Aqui [do documento adiante referenciado], nos referiremos àquela modalidade antiga como “old hydrofracking” [faturamento hídrico à moda antiga] e aos correspondentes poços como “traditional wells” [poços tradicionais]. (...)

A nova modalidade de faturamento de subsolo para extração de petróleo e gás, chamada High-Volume (Slick-water) Hydraulic Fracturing [lit. Fraturamento do subsolo por injeção hidráulica de alto volume de fluido “liso”] (aqui traduzido)foi desenvolvida em 1990 e é diferente: o fluido utilizado é um composto de outros produtos químicos, para tornarem o fluído mais “liso” e diminuir o atrito. É chamado [fracionamento] “de alto volume”, porque a quantidade de fluido injetado no subsolo é, agora, muito superior; na média, é hoje equivalente a mais de 21 milhões de litros de fluido em média, variando conforme o conteúdo do poço e as fraturas criadas até chegar a ele. Ver esquema a seguir:



[*] Kurt Cobb é um escritor freelance e autor do filme de ação Prelude que tem como tema o pico do petróleo. Fala e escreve freqüentemente sobre energia e meio ambiente. É colunista do sítio Scitizen (pronuncia-se “citizen”) de notícias de ciência baseado em Paris. Seu trabalho também tem sido destaque em diversos sites, tais como: Energy Bulletin, 321energy, Le Monde Diplomatique, The Oil Drum, EV World, e muitos outros. Kurt é um membro fundador da Association for the Study of Peak Oil and Gas—USA e faz parte do conselho da The Arthur Morgan Institute for Community Solutions que é voltada para soluções do pico do petróleo e das alterações climáticas, principalmente nas áreas de alimentos, transportes e habitação.

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