1/10/2010, Pepe Escobar, Asia Times Online
[comentado no Huffington Post, 1/10/2010]
Traduzido pela Vila Vudu
Traduzido pela Vila Vudu
SÃO PAULO. O Brasil é o país de que o mundo mais gosta de gostar. O Brasil é um mistério (alegre) apresentado sob a forma de uma charada (caótica), na qual, para tornar mais complexa a complexidade, o mistério e a charada são só dois dos malabares que se aprende a manter em movimento – com o futebol, o samba, a arte de apreciar respeitosamente uma mulata sensual, de não perder a novela e de sobreviver à letal caipirinha – ao mesmo tempo.
O traço cultural distintivo do Brasil é a antropofagia – da cultura à tecnologia - legado de uma indolente monarquia europeia em terras tropicais na qual os aborígenes, depois de se terem banqueteado naqueles brancos esquisitos, foram alegremente exterminados, enquanto europeus e escravos copulavam livremente, sem culpa católica (não existe pecado abaixo do Equador). Parece enredo de desfile de carnaval, e é.
Charles de Gaulle, general e estadista francês, disse, certa vez, que o Brasil “não é país sério”. Os brasileiros, multiétnicos, multiculturais, viciados em tolerância, mas, quase sempre, encharcados de complacência, preferem crer – tanto quanto riem da ideia – de que seriam a eterna promessa de um “país do futuro” (expressão criada há 70 anos pelo romancista austríaco Stefan Zweig).
Agora, o Brasil está em movimento – e ter contado com a boa vontade global foi elemento crucialmente importante do poder soft do Brasil, agora re-turbinado. Nenhuma diferença faz se, hoje, o poder soft do Brasil seja cintura dura, sem aquele velho swing brasileiro. O país é o “B” da expressão BRIC, cunhada por Goldman Sachs – para designar as potências globais emergentes; menos imperscrutável e mal compreendido que a China, menos autoritário que a Rússia, menos confuso que a Índia (e sem problemas religiosos). E, reconheçamos: muito mais divertido. Impôs-se aqui uma nova narrativa nacional, de duas faces; o Brasil será “a quinta potência” – isto é, a quinta maior economia mundial (bye-bye Grã-Bretanha e França). E o Novo Sonho Americano é made in Brasil.
Surfin' USA (Beach Boys, 1963), remixed
Não surpreende que as elites anglo-americanas do norte estejam fritando os miolos ante tamanha ebulição tropical. Na reunião do Grupo dos 20 (G-20), o presidente dos EUA Barack Obama não se conteve. “Amo esse cara” – disse, do presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, "É o político mais popular da Terra”. A revista Time, recentemente, coroou Lula como “a pessoa mais influente do mundo”. A The Economist, que não é dada a hipérboles, está convencida de que o Brasil será a quinta potência do mundo em 2025.
O Independent de Londres, sem meias palavras, escreveu que “No próximo fim de semana começará o governo da mulher mais poderosa do mundo”. No domingo, Dilma Rousseff, 63, ex-secretária de Estado (“Casa Civil”) de Lula pode ser eleita, sim, próxima presidente do Brasil. Pode vir a ser mais poderosa que a chanceler alemã Angela Merkel ou que a secretária de Estados dos EUA Hillary Clinton – os brasileiros certamente estranharão a fleugma britânica: e por que não mais poderosa também que Madonna e Angelina Jolie?
O Financial Times, por sua vez, preferiu pagar o almoço 6ª.-feira passada para o ex-presidente (1995-2002) Fernando Henrique Cardoso, codinome FHC. Pode ter sido simples caso de presidente errado em restaurante errado (mais caro que bom). Incapaz de resistir a qualquer mínima oportunidade de autopromoção, FHC o pavão, sociólogo super condecorado, saiu-se com “Eu fiz as reformas. Lula surfou na onda”.
A principal reforma promovida por FHC visou a conter a hiperinflação; lançou o “Plano Real” – que criou uma nova moeda chamada “real” –, em meados dos anos 1990s; e até hoje se recusa a reconhecer o mérito de Lula, cujo governo fez boa administração fiscal e combateu a exclusão social (embora não contra a corrupção), e conseguiu tirar 30 milhões de brasileiros da miséria.
Bem-vindos à idiossincrasia brasileira; nova pesquisa divulgada pelo Pew Global Attitudes Project revela que 79% dos brasileiros consideram a corrupção de políticos um “grave problema”; 75% aprovam o governo Lula; e nada menos que 80% dos brasileiros consideram Lula pessoalmente, praticamente um santo.
Mas, apesar de gozar desse índice estratosférico de 80% de aprovação para seu governo, que Obama só vê em sonhos, Lula não é deus. Em oito anos de governo, não conseguiu que um Congresso incapaz e corroído pela corrupção aprovasse uma reforma fiscal crucialmente importante. E, sem essa reforma, o Novo Sonho Americano – que diz respeito diretamente aos interesses de uma baixa classe média que afinal tem meios para consumir carros, televisões e computadores como se o mundo fosse acabar amanhã – não conseguirá, de fato, decolar. E o atual boom brasileiro – empurrado essencialmente pela venda non-stop de matérias primas para a China – não é sustentável para sempre.
Lula – filho de família extremamente pobre da região nordeste, a mais pobre do Brasil e ex-metalúrgico – irrita o sistema nervoso da muito antiquada elite brasileira, de intermediários subimperialistas, a um ponto que, fora do Brasil, é praticamente impossível entender.
Para o historiador Jose Honorio Rodrigues, essas elites brasileiras sempre foram “alienadas, antiprogressistas, antinacionais e anticontemporâneas”. E “jamais se reconciliaram com o povo”.
O ímpeto que se viu na campanha eleitoral, contra Lula, da imprensa comercial brasileira mais viciosa, pode ser explicado como guerra declarada contra os brasileiros mais pobres que, finalmente, começam a emancipar-se e por-se a caminho, por uma trilha aberta por Lula, pessoalmente e exemplarmente. Quem disse que a luta de classes morreu? Para vê-la viva e em ação, basta visitar o Brasil – que ainda é a sociedade mais inacreditavelmente desigual de toda a América Latina.
Stella by starlight
Lula mais uma vez parece ter surfado a onda certa da história, quando decidiu correr o risco imenso de apontar, como sua sucessora, uma figura austera e totalmente desconhecida dos eleitores, funcionária pública e militante apparatchik de classe média que jamais em sua vida concorrera a eleições. Filha de um imigrante búlgaro, Dilma “Dama de Ferro” Rousseff, coloquialmente “Dilma”, menina, sonhou ser bailarina, bombeira ou trapezista. Mas então os generais brasileiros detonaram a democracia em 1964 e implantaram no Brasil uma variante só deles de Guerra Tropical ao Terror – para defender o que chamavam de “segurança nacional”.
É fascinante ver que Lula fez exatamente o que o governo de João Goulart tentava fazer antes do golpe militar em 1964: fortalecer a representação política e dar poder aos trabalhadores das cidades e do campo.
As elites brasileiras cujo poder sempre lhes veio das conexões com corporações estrangeiras dos centros desenvolvidos [ing. comprador elites] só conhecem, do mundo, a necessidade de exportar e de alimentar o consumismo desvairado da classe média alta; por isso, naquele momento, a indústria automobilística era eixo central de toda a economia brasileira. A ditadura militar brasileira favoreceu o capitalismo corporativo – nacional e internacional; desse processo beneficiam-se as oito famílias que controlam todo a imprensa no Brasil.
Dilma lutava contra o “modelo” de desenvolvimento que a ditadura estava implantando no Brasil, quando se alistou no grupo “Vanguarda Armada Revolucionária Palmares”, clandestino, de resistência à ditadura, codinome “Stella”. Stella, como o músico Jim Morrison dos Doors, queria mudar o mundo e mudá-lo já.
Aquelas vanguardas revolucionárias, nos anos 1960s e 1970s, praticaram vários sequestros de diplomatas estrangeiros, trocados por dinheiro ou por prisioneiros; e justiçaram alguns estrangeiros especialistas em tortura – alguns norte-americanos – que estavam no Brasil para treinar os esquadrões da morte da ditadura (sobre o general David Petraeus... você pensou o mesmo que eu?).
Dilma foi torturada pela polícia secreta da ditadura, na versão local, em São Paulo, da prisão de Abu Ghraib. Foi condenada a 25 meses de prisão por “subversão”, mas passou mais de três anos presa. Quando recuperou a liberdade, estava pronta para começar a trabalhar para mudar o mundo, pode-se dizer, por dentro.
Como o Brasil está derrotando a crise
Desenvolvimentismo será o nome do jogo no governo de Dilma. Será viagem por estrada esburacada – sobretudo porque a infraestrutura está em frangalhos, e os níveis de educação são apenas meio degrau acima de horríveis. Ainda não se sabe se Dilma seguirá ao pé da letra o mantra incansavelmente repetido pelos luminares do Partido dos Trabalhadores (PT) – que o Brasil pode continuar a crescer sem investimentos estrangeiros no petróleo e na agricultura, por exemplo.
Dilma jamais se afasta muito do que pense seu principal guru – professor dela na Faculdade de Economia, e hoje presidente do gigantescamente imenso Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É possível que seja o próximo ministro da Fazenda. Com São Paulo operando como a Wall Street brasileira, não surpreende que os grandes banqueiros e mercados financeiros, para não falar dos rentistas locais, não o vejam com bons olhos.
A crítica que mais se ouve é que a Tesouro está fazendo chover milhões sobre o BNDES, o que inflaria a dívida pública. Pode ser. Mas o mesmo processo também explica por que e como o Brasil não sucumbiu à crise das finanças globais provocada por Wall Street em 2008.
Quando a China anunciou seu pacote massivo de estímulo, de cerca de 600 bilhões de dólares, os economistas do BNDES imediatamente concluíram que teriam de, literalmente, seguir o dinheiro. Não havia linhas de crédito para ninguém, nem para o Brasil. Portanto, para enfrentar uma inevitável recessão que se aproximava, decidiu-se imediatamente que o Tesouro emprestaria 60 bilhões ao BNDES. Foi ação exatamente oposta à que se via nos anos do mercado de capitais enlouquecido dos governos de FHC. Coutinho declarou recentemente à jornalista Consuelo Dieguez que os países que contavam com bancos públicos fortes, como Brasil, China, Índia e Coreia do Sul, foram os únicos que realmente conseguiram domar a crise.
O Brasil padece de leve ressentimento contra os EUA, cuja história ajuda a explicar por que o país não se modernizou já há muito tempo.
A CSN, gigante do setor de siderurgia – ainda ativa até hoje – foi construída em 1941, com apoio dos EUA; os EUA precisavam desesperadamente do aço brasileiro, para a II Guerra Mundial. O governo brasileiro foi convencido de que, depois da guerra, Washington continuaria a investir na modernização do Brasil; Franklin Roosevelt, FDR, chegou a organizar uma comissão para construir um plano de desenvolvimento para o Brasil incluindo massiva ajuda financeira. Mas FDR morreu em abril de 1945. E Harry Truman preferiu dedicar-se a reconstruir os países derrotados na guerra, Alemanha e Japão. O problema é que, com a guerra, inventou-se também o protecionismo. Dos anos 1940s em diante, o Brasil se tornou economia tão fechada quanto Rússia e China, naquele tempo.
Apesar disso, em apenas uma década o Brasil desenvolveu base industrial considerável; a partir do início dos anos 1960s, a economia brasileira saltou, do 50º para o 8º lugar entre as economias mundiais. O Produto Interno Bruto naquele momento crescia 7% ao ano. Foi o chamado “milagre brasileiro”. Mas os militares só favoreciam os empresários ligados ao regime militar, que recebiam os massivos empréstimos do BNDES. Depois da crise do petróleo de 1973, a realidade impôs-se a todos. Sem petróleo e sem dinheiro para pagar os juros da dívida externa, o Brasil quebrou.
Avance o filme até os anos 1990s. Numa ironia que não passou despercebida a muitos economistas brasileiros, o BNDES ressurgiu das cinzas para comandar as privatizações; em vez de ajudar a modernizar as empresas estatais, o BNDES recebeu ordens para desmantelá-las. Outra vez, os que lucraram escandalosamente com as privatizações-desmanche estavam bem próximos do regime governante – FHC, o pavão fulgurante, e sua coorte.
Hoje, o BNDES está apostando em empresas de commodities, para fazer delas campeãs nacionais: celulose, alimentos, carne embalada, petroquímicas, petróleo, mineração. Nem sinal de empresas de alta tecnologia. Estudo de uma ONG demonstra que mineração, siderurgia, etanol, celulose, petróleo, gás, hidrelétricas e o agrobusiness receberam quase metade dos cerca de $280 bilhões de fundos emprestados pelo BNDES durante os oito anos dos governos Lula. A JBS[1], por exemplo, tornou-se a maior produtora de carne do mundo.
A política de Lula implica, contudo, tomar dinheiro emprestado a juros de 10,75%, para comprar ações da gigante Petrobrás. Esses empréstimos do Tesouro não aparecem no orçamento, engordando a dívida bruta, mas não a dívida líquida. A dívida bruta do Brasil já alcançou espantosos 63% do PIB. Não surpreende que hordas de economistas estejam em pânico: há um furacão de dinheiro para emprestar, mas não há bons projetos e nem sinal de uma estratégia de política industrial. E tudo isso, por quê?
Essencialmente, porque o país ainda não tem projeto construído para desenvolvimento de longo prazo. Dilma há de ser suficientemente atenta para perceber que continuar a contar com a China como compradora de quantidades astronômicas de commodities não basta para substituir, no Brasil, uma política industrial.
O nome do jogo no complexo relacionamento entre Brasil e China é “bolsões de prosperidade”. A China é agora o principal parceiro comercial do Brasil, à frente dos EUA (pela primeira vez em 2009). A China absorveu quase 14% das exportações brasileiras em 2009, e o Brasil absorveu quase 13% das exportações chinesas. Hoje, no Brasil, se você é exportador brasileiro de soja, você está multibilionário; se fabrica sapatos – indústria que já foi importante no Brasil –, você está às portas da falência.
Depender da China não é exatamente a fórmula perfeita do crescimento sustentável. A saída óbvia para o Brasil é vender, além das commodities, também produtos com valor agregado: a solução Samsung. E aqui está a suprema encruzilhada; para conseguir isso, o Brasil terá de reconstruir com urgência a infraestrutura em ruínas, portos, aeroportos e estradas (estudo de 2007, da Confederação do Transporte, mostrava que 74% das estradas estavam em situação “má ou péssima”); é preciso modernizar o sistema de impostos, notoriamente bizantino; e tem de dar jeito na burocracia intratável que torna lentos os negócios no Brasil, o chamado “custo Brasil” (o país ocupa o 129º lugar, de 183, em termos de facilitação dos processos de negócios, segundo relatório do Banco Mundial em 2009).
Dilma prometeu investir mais de $550 bilhões entre 2011 e 2014 para melhorar as exportações de produtos agrícolas e para preparar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Mas nada se discutiu sobre a reforma fiscal e a reestruturação da máquina burocrática. A carga fiscal é de 34,4%, a mais alta dentre os BRIC, mais alta também que países desenvolvidos como o Japão (17,6%) e os EUA (26,9%), segundo estudo recente da Brookings Institution.
6ª-feira, 24/10, quando Lula abriu os trabalhos da Bolsa de Valores de São Paulo, o índice Bovespa saltou e logo chegou ao posto de segundo maior do mundo, por causa de uma venda de ações da Petrobrás no valor de $68 bilhões, a maior operação de lançamento de ações em toda a história da empresa. Investidores excitados, brasileiros e estrangeiros, haviam pedido o dobro daquela quantidade de ações.
A capitalização da Petrobras – hoje a segunda maior empresa de petróleo do mundo (a Exxon é a primeira) – elevou a participação estatal para 48% e, de fato, inverteu a curva dos anos FHC, quando o controle da mais estrategicamente importante empresa brasileira fora pulverizado. Imediatamente, conforme o previsto, começaram as dúvidas “do mercado” sobre a eficiência e a produtividade da Petrobras. A companhia está lançando programa monstro de investimentos de $224 bilhões para 2010 a 2014. Para os petistas que defendem obcecadamente a soberania brasileira, essa Petrobras cheia de esteróides será essencial para a exploração do petróleo do pré-sal, previstos 50 bilhões de barris que jazem abaixo do fundo do Oceano Atlântico.
Outra gigante brasileira é a mineradora Vale, a qual, para o Boston Consulting Group, é a empresa, em todo o mundo, que mais cresceu em valor durante a última década; também nesse caso, graças à China. Com capitalização de $147 bilhões, a Vale é agora a segunda maior mineradora do mundo (a BHP Billiton é a primeira).
O novo Kuwait
Inevitavelmente, o boom gerará sua leva de megabilionários brasileiros. Um deles é Jorge Paulo Lemann, segunda maior fortuna do Brasil ($11,5 bilhões), que arquitetou a fusão, de $52 bilhões, de Anheuser-Busch Cos., fundou o maior banco de investimentos no Brasil e recentemente comprou, por $3,3 bilhões, a rede Burger King, maior negócio de compra de rede de restaurantes dos últimos 10 anos.
Mas o cão alfa é, sem dúvida, Eike Batista, proprietário do EBX Group. Investidores excitadíssimos estimam em cerca de $5 por barril o valor dos sete bilhões de barris que a subsidiária OGX de Batista encontrou em reservas submarinas em águas rasas. Não surpreende que as Sinopec Group e CNOOC chinesas estejam interessados em comprar ações da OGX. Apenas a título de comparação, alguém que tenha investido $100 na OGX em setembro, terá hoje $180 (na Petrobras teria magros $80 e só $113, pelo índice Bovespa da Bolsa de Valores. A OGX, que está começando, conseguiu $38 bilhões de capitalização no mercado, e ainda nem começou a gerar lucros.
Batista previu, em famosa entrevista a Charlie Rose [2], que o Brasil em 2020 estará produzindo 5-6 milhões de barris de petróleo por dia [ing. barrels per day (bpd)] , e que a própria OGX está apostando em 730 mil bpd já em 2015 e 1,4 milhões de bpd em 2019. Batista pode ter ganhos líquidos $100 bilhões de dólares em 2020; não por acaso, ele sonha com tornar-se o multibilionário n. 1 do mundo.
Eike também gosta de repetir o mantra “o Brasil é hoje os EUA dos anos 1950s”. Se é, tem de receber bem o investimento estrangeiro. “Venham, venham! É hora de apostar num país com 200 milhões de consumidores e a demografia perfeita para os próximos 10 anos. Essa história do petróleo é história de 30 anos de crescimento." E se é bom para Eike, é bom para o Brasil. Como se podia esperar, Batista também prevê que o Brasil será a “5ª potência mundial”, em 2015-2020, atrás da Alemanha, Japão, China e EUA.
Não surpreende que os economistas norte-americanos estejam deslumbrados. Semana passada, em seminário sobre governança global em Brasília, o economista James Galbraith disse que “a desigualdade social no Brasil está sendo reduzida, nos últimos poucos anos, porque o país gasta menos para ajudar o setor financeiro e mais para ajudar o Brasil.” E imediatamente atacou o dogma neoliberal: “O crescimento econômico e social sustentável pode conviver com processo democrático funcional”.
O Brasil alimenta altas esperanças de ascender ao “Clube dos 7%”, expressão cunhada pelo grupo Standard Chartered – grupo dos países que conseguem manter o PIB em crescimento de 7% ou mais, por longos períodos. Conforme dados dos dez anos até 2008, são hoje membros do clube a China (média de 9,7%), Índia, Vietnã, Etiópia, Uganda e Moçambique. Vários países estão atrás, mas não muito distantes dos BRIC e podem chegar ao topo antes de 2030. Nesse caso, a Rússia pode “cair” – e também o Brasil. Se acontecer, os BRIC no futuro podem converter-se em BRICI (com a Indonésia), BRICK (com a Coreia do Sul) ou, até, em BASIC (se a Rússia for substituída pela África do Sul).
Michael Hudson, da University of Missouri, que visitou recentemente o Brasil, insiste que a principal tarefa dos BRIC é impor uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial. Diz também que o Brasil deve construir “sua própria estratégia de desenvolvimento” – que ainda não existe.
Hudson prevê tragicamente, que Washington fará absolutamente tudo que esteja ao seu alcance para impedir que essa independência aconteça –e oferece, como exemplos, o que houve no Irã nos anos 1950s, quando o país tentou controlar seu próprio petróleo; e ao Afeganistão, quando assumiu lá um governo secular, no final dos anos 1970s.
Um novo contrato social?
Nesse amplo diz-e-diz, é sempre saudável encontrar vozes discordantes. O historiador marxista Paulo Alves de Lima chama a atenção para as evidências de que o Brasil vive hoje a construção de uma nova mitologia nacional:
É a formulação de um projeto para o capitalismo monopolista criado pela ditadura militar. Já nasceu uma nova ideologia para o futuro: universalização da classe média, fim da pobreza, graças à exploração das reservas do pré-sal, democracia estável, reforço do complexo industrial militar (...) No Brasil, há promessas de paraíso, enquanto Obama é obrigado a dizer ao mundo que a pobreza está aumentando nos EUA. As principais universidades estão abraçando o novo mito, de uma “sociedade superior” – nem capitalista nem socialista e já menos claramente definida como capitalismo subordinado. O futuro dos brasileiros é marchar rumo a esse novo paraíso prometido.”
Não há dúvidas de que o espectro de FDR assombra por todos os lados. A mídia dominante está obcecada com a ideia de que o Brasil seria hoje uma sociedade de classe média.
É verdade que dez milhões de pessoas podem hoje ser proprietários da própria casa. A autoestima está nas alturas; e muita gente vive “vida material reconhecidamente decente”. Mas... calma! Isso é exatamente Paul Krugman, palavras dele, descrevendo os EUA dos anos 1950s e 1960s. Ouvir-se-ia aí, talvez, no mínimo, uma semelhança psicológica – o eco de um otimismo empolgado, à moda do “agora temos o futuro em nossas mãos”?
Os novos brasileiros individualistas parecem-se, sim, com os norte-americanos dos anos 1950s e 1960s. Essencialmente, suas prioridades são a família, a estabilidade, o sucesso profissional, não importa a classe social de origem, ou a região de origem.
A pobreza diminuiu 41% entre 2003 e 2008, tecnicamente, quase metade da população brasileira está incluída, hoje, na “nova classe média”. Mas não é a tradicional classe média dos EUA.
Famílias com renda per capita máxima de $2.500 mensais, tecnicamente classe "C", constituem 40% do total. As classes “B” e “C”, somadas, chegam a quase 70%. Para um país sempre definido pela desigualdade (terceiro no ranking da desigualdade mundial, menos desigual, só, que Bolívia e Haiti, até pouco tempo, segundo o Programa de Desenvolvimento da ONU, e hoje já num mais digno 11º lugar), o que o Brasil conseguiu fazer não é pouco.
Em países em desenvolvimento, a chamada “classe média global” reúne cerca de 400 milhões de almas; e mais 2.000 almas podem juntar-se àquelas antes de 2030. A mobilidade social está só começando, no Brasil. Mas milhões sentem, sim, que o Brasil de hoje é muito parecido com os EUA dos anos 1960s, em termos de ofertas de emprego, renda crescente e oportunidades ilimitadas. De fato, quem sente isso é ainda uma classe média muito pobre – o que reflete a extrema desigualdade que ainda domina.
Seja como for, Dilma herdará uma conjuntura histórica rara e preciosa gerada por Lula.
Pela primeira vez na história desse país, a desigualdade, a injustiça social e a exclusão realmente diminuíram. É imperativo saber em relação a quê. Porque aconteceu em relação à escandalosa desigualdade gerada pelo modelo privilegiado por duas décadas de ditadura militar. Emir Sader, sociólogo e militante da esquerda, insiste que o processo está só começando, e que ainda será preciso quebrar o monopólio do capital financeiro, do latifúndio e da imprensa, no Brasil.
Parece estar-se referindo a uma luta que se trava em toda a América Latina. Com a Europa assustada, caminhando cada vez mais para a direita e para a ultradireita, e os EUA às voltas com a Nova Grande Depressão e à mercê dos demagogos ensandecidos do tipo “Tea Party”, é a América Latina, com partes da Ásia e da África, que parece estar caminhando pelo lado mais ensolarado da história.
O seriado de televisão Mad Men [3] celebra nos EUA o (já moribundo) sonho americano. Talvez esteja chegando a hora do novelão dos Mad Men tropicais.
Notas de tradução:
[1] Da pág. JBS na internet: “A JBS é a maior empresa em processamento de proteína animal do mundo, atuando nas áreas de alimentos, couro, produtos para animais domésticos, biodiesel, colágeno, latas e produtos de limpeza. A companhia está presente em todos os continentes, com plataformas de produção e escritórios no Brasil, Argentina, Itália, Austrália, EUA, Uruguai, Paraguai, México, China, Rússia, entre outros países".
[2] 8/10/2010, Business, (vídeo, em inglês).