Natasha Pitts *- Adital - 28.06.10 - HONDURAS
Nesta segunda-feira, 28 de junho, o golpe de Estado militar de Honduras, que retirou do poder o presidente Manuel Zelaya, completa um ano. Neste mesmo dia, a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), movimento organizado que surgiu como resposta ao Golpe, também completa aniversário de um ano de luta.
O país ainda caminha a passos lentos, no que diz respeito à recuperação política, econômica, social e democrática. Perseguições, intimidações, assassinatos e diversas outras violações aos direitos humanos ainda são registradas com frequência, comprovando que o atual presidente, Porfirio Lobo, ainda não conseguiu, em seus cinco meses de governo, redirecionar o país para a normalidade democrática.
Em meio a este panorama, cada vez mais pessoas encontram nos ideais da Frente de Resistência um caminho para a transformação positiva do país. Para falar sobre esta luta pela refundação de Honduras, sobre os caminhos para a implantação de uma Assembleia Constituinte inclusiva e popular e avaliar este primeiro ano de golpe de Estado, a ADITAL conversou com a FNRP.
Adital - O sentimento popular mais característico. É possível afirmar que a população hondurenha está convencida de que o país necessita de uma refundação?
FNRP - A história de Honduras vive na atualidade um dos seus momentos mais agitados. A vida do país foi dividida em duas logo após o aparecimento da Resistência Popular como resposta ante o Golpe de Estado de 28 de junho de 2009.
A Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) é a plataforma em que todos os setores políticos e sociais de Honduras têm consensuado se unificar para criar e construir uma sociedade justa, sem discriminações, onde a exploração de uns contra os outros singelamente não tenha cabimento.
O fim último é a refundação do Estado, conceito que agora persegue como pesadelo às classes oligárquicas empresariais que acreditaram que tirar a base de fuzil Manuel Zelaya de sua casa e o enviar a Costa Rica acabaria com um projeto que já havia se convertido em um desejo coletivo.
A outra luta é o retorno com todas as garantias cidadãs do presidente Manuel Zelaya, já que o exílio forçado violenta todos os Direitos Humanos que ele tem como cidadão hondurenho.
Adital - A Frente de Resistência nasceu pouco tempo depois do golpe, o que indica que também está perto de completar um ano. Qual é a avaliação que se pode fazer do acionar do movimento durante todo este tempo? Daqui para frente, as estratégias serão as mesmas ou já é hora de mudar?
FNRP - A Resistência nasce no mesmo 28 de junho, quando as organizações Populares e o povo em geral saem massivamente a condenar o golpe de Estado e exigir a volta da Ordem Constitucional.
A Resistência organiza-se sobre a marcha, com tal vontade de luta e valentia que supera qualquer prejuízo sectário, já que nos somamos todos os setores sem importar sua ideologia e partido político que pertencesse, superando o medo de morrer nas ruas pela repressão montada pela ditadura.
Em Honduras desde 28 de junho nada voltou a ser igual, em todo o país há Resistência, as pessoas se organizam em seus bairros, colônias e em suas comunidades, departamentos.
Esta decisão do povo em organizar-se e seguir na luta permitiu-nos construir os pilares sobre os quais descansa o anseio de conseguir uma nova sociedade.
Por outra parte a Resistência que se voltou mais forte, que passou da ação conjuntural à estruturação e à estratégia para tomar o poder e mudar o país. Inclusive os setores mais reacionários da direita anacrônica hondurenha a reconhecem e assinalam como um perigo iminente para o surgimento de um novo Poder popular, criado e conduzido desde a FNRP.
Atualmente nosso trabalho é conseguir coletar mais de um milhão de assinaturas na "Declaração Soberana" onde como povo nós convocamos a uma Assembleia Nacional Constituinte, desta maneira, buscar os mecanismos para sua instalação.
Adital - A Carta Magna de Honduras foi elaborada em 1982, durante um período de ditadura e sem consulta popular. Com a convocatória para uma Assembleia Constituinte, o que seria importante mudar na Constituição do país?
FNRP - No princípio dos anos oitenta, a América Central vivia momentos de luta muito significativos entre os quais se destaca o triunfo da Frente Sandinista na Nicarágua e a guerra insurreicional do Farabundo Martí em El Salvador, as organizações indígenas na Guatemala e o avanço do Movimento Popular em Honduras.
O império dos Estados Unidos precisava resgatar Honduras já que os Governos Militares estavam colapsados , tinha que lhe dar a "Ordem Constitucional" recorreram às eleições, instalaram uma Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou uma nova Constituição para que defendesse institucionalmente os interesses geopolíticos do império, no marco do conflito centro-americano.
A Constituição de Honduras foi aprovada em janeiro de 1982, fundamentalmente sobre três eixos, assumida pelos políticos e empresários: Vender Honduras, argumentando que era a única forma de tirar Honduras do subdesenvolvimento; Reduzir o Estado a sua Mínima Expressão, porque o Estado era um centro de corrupção e déficit fiscal; Estabelecer como o Garantidor da Constituição às Forças Armadas.
Com a Constituição de 82 o que se conseguiu foi dar poder aos grandes empresários e reduzir o poder do Estado e do povo, impossibilitando as reformas.
Este novo marco legal terá como enfoque central os interesses populares, nunca mais em Honduras se legislará para os empresários e o Estado de Direito existirá para o desenvolvimento do ser humano e não para o de umas tantas quantas empresas que sobreviveram graças ao saqueio do tesouro público e sobre a exploração dos recursos e das pessoas.
E será Participativa, pois não se entende como um pequeno grupo de poder decidindo por cima das maiorias, e sim as maiorias exercendo o poder através de estruturas comunitárias de participação sociopolítica.
Este processo tem sido até agora a chave do êxito da Resistência Popular, pois não há um canto do país que não se tenha levado em consideração e os problemas da comunidade são expressos pela própria comunidade. Também são parte deste processo as diferentes agendas que enriquecem o espectro político e social do país.
Tomam-se em conta as necessidades das populações indígenas e afrodescendentes, as lutas operárias como as camponesas, a voz dos estudantes retumba de igual força que as exigências ambientalistas e as comunidades gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais (LGTTB) exigem seus direitos na mesma mesa na qual as comunidades cristãs e religiosas convidam à luta pela justiça.
As mulheres são as que lideraram a luta na rua e hoje assumem sua posição de igualdade junto aos homens para avançar neste processo que, sem dizê-lo, mostra a cada passo que conta com o ímpeto que tem feito possível todas as revoluções impossíveis.
A Nova Constituição se constrói diariamente, mas não é o último fim dos hondurenhos e das hondurenhas. A Constituição é somente o marco legal que tornará possível a construção de uma nova sociedade.
Adital - Quais são os resultados que a FNRP espera das mobilizações realizadas em virtude do aniversário de um ano do Golpe militar?
FNRP - As mobilizações desde 28 de junho foram e continuam sendo uma demonstração do povo hondurenho como um ato de desobediência e Resistência a uma ditadura imposta no país.
Esta demonstração de força e descontentamento de um povo preocupa os golpistas, o império e a oligarquia, já que sua estratégia é dividir, subjugar a Resistência e evitar seu crescimento nacional.
Em 28 de junho próximo também estaremos enfatizando a memória de todas as pessoas que têm sido vítimas da dura repressão promovida pelas forças repressivas do Estado golpista (michelletti-lobistas). Estamos e seguiremos avançando para gerar uma forte memória coletiva que não poderá se deter com o poder midiático da oligarquia político-empresarial.
Adital - A Resistência ainda espera ajuda dos organismos internacionais para voltar à normalidade democrática? Depois do Golpe, a atuação destas organizações foi benéfica e importante em algum momento para o país?
FNRP - Em algum momento a posição que os organismos internacionais e Governos optaram foi chave para frear o avanço da ditadura.
Depois começaram a promover a assinatura de um acordo chamado San José, promovido pelo governo de Estados Unidos e, como promotor, o presidente [Oscar] Arias, da Costa Rica, no qual não se levaram em conta os interesses do povo hondurenho, no qual a Resistência não estava de acordo e o presidente Zelaya o deu como fracassado.
As ditaduras não chegam para irem tão rápido, mas, pelo contrário, é para ficar; por isso a Resistência não tem estado de acordo com nenhum destes projetos que se desenvolvem em um marco de eminente violação aos Direitos Humanos de todos e todas que temos estado contra um Golpe de Estado; e por outro lado se negocia com total desigualdade de condições quando o presidente Zelaya se encontrava "preso" na embaixada do Brasil.
Nos momentos atuais, querem-nos impor um governo da verdade e Reconciliação, resultado de um processo eleitoral ilegal resultado do golpe, apoiado por estes organismos e com o perdão do governo gringo.
Na Frente Nacional de Resistência Popular, estamos claros que a democracia tem sido uma miragem ao amparo do neoliberalismo, pelo que se vem desmascarando as duras desigualdades sociais, onde mais de 70% da população vive na pobreza. Por isso nós estamos trabalhando para construir um Estado de igualdades que realmente seja democrático, ou seja, queremos transformar estruturalmente nosso país mediante mecanismos que evitem o monopólio político que têm mantido os partidos tradicionais (liberal e nacionalista) e deter a injustiça que têm gerado 10 famílias que creem que Honduras é seu curral.
* Jornalista da Adital