quinta-feira, 11 de abril de 2013

E Obama abraça a “austeridade” com cortes na seguridade social, na assistência médica...


10/4/2013, Paul Jay entrevista Bob Pollin - The Real News Network, TRNN (11’24”)
Transcrição traduzida pelo pessoal da Vila Vudu


PAUL JAY, Editor Sênior, TRNN: Bem-vindos ao The Real News Network. Sou Paul Jay em Baltimore. Essa semana, temos conosco Bob Pollin, fundador e co-diretor do PERI, Political Economy Research Institute, Amherst, Massachusetts e autor de vários livros, dentre os quais o recente Back to Full Employment.[1] E então, Paul, o que tem a nos dizer sobre essa semana?

BOB POLLIN: Bem... É semana importante em termos de notícias de economia, porque na 6ª-feira (5/4/2013) saiu o mais recente relatório do Departamento de Empregos, sobre o desemprego nos EUA, que diz que o desemprego teria caído de 7,7% para 7,6%, pelos números oficiais. A verdade é que o número apenas parece menor, por 496 mil pessoas, quase meio milhão de norte-americanos desistiram de procurar emprego e deixaram a força de trabalho. Se tivessem continuado a procurar emprego, a taxa de desemprego teria aumentado para 7,9%. Fato é que as notícias sobre o mercado de trabalho são terríveis.

Além disso, no mesmo dia, na mesma 6ª-feira (5/4/2013), a Casa Branca divulgou a notícia de que o presidente Obama apresentará seu orçamento para o próximo ano. E que apóia a ideia de mais cortes na Social Security e Medicare, os dois programas mais básicos que representaram o que afinal de contas ainda tínhamos no estado de bem-estar muito, muito modesto que conhecemos neste país.

Obama, portanto, afirma seu apoio à “austeridade” fiscal, à ideia de que o principal problema da economia dos EUA seria o déficit fiscal, no momento em que a taxa de desemprego não está diminuindo e, de fato, só faz aumentar.

E há mais uma coisa também importante. Na véspera, houve notícias da Casa Branca de que Obama falara a seus apoiadores/financiadores; deixou bem claramente sugerido que se prepara para apoiar publicamente a construção do oleoduto Keystone, que cortará o meio oeste dos EUA. O argumento segundo o qual a construção do oleoduto Keystone seria importante: para criar empregos.

Quer dizer: por um lado, o governo Obama apóia políticas de “austeridade” que destroem empregos e que de modo algum, algum dia, seja como for, criarão emprego algum. E, por outro lado, usa o falso argumento de que a construção do oleoduto Keystone ajudará a criar empregos. De fato, não criará empregos.

O próprio Departamento de Estado, do próprio governo Obama, já indicou que a construção do oleoduto Keystone pode talvez criar algo entre 4.000 e 5.000 empregos por ano. Digamos que crie o número máximo previsto, 5.000 empregos: não passa de um centésimo do número de pessoas que deixaram a força de trabalho nos EUA, só no mês passado.

Tudo isso só comprova que Obama não tem programa de emprego. Que apóia as políticas de “austeridade”. Que apóia cortes nos programas de saúde pública. E que estamos andando exatamente na direção oposta à que deveríamos andar: teríamos de apoiar programas que expandam o número de empregos.

JAY: Bob, por favor, explique-me uma coisa. Você sabe... sou norte-americano criado no Canadá. E há coisas que não entendo em detalhe. Sempre pensei que a Segurança Social fosse programa que, mais ou menos, se auto financiasse, com contribuições dos empregadores e dos empregados. O que isso teria a ver com o déficit?

POLLIN: Você tem toda a razão. A Segurança Social é mantida com impostos cobrados do empregador e do empregado. Hoje, nos EUA, a Segurança Social é solvente. E, conforme várias projeções, permanecerá solvente por no mínimo 20 anos, sem qualquer mudança. É possível que no longo prazo seja preciso fazer algum ajuste, porque a população envelhece. Mas, no geral, sim, você tem toda a razão: nada tem a ver com o déficit fiscal. Medicare (Assistência Médica Federal, uma espécie de SUS dos EUA), tampouco; também nada tem a ver, nada, com o déficit fiscal.

O déficit fiscal em 2007, último ano do governo de George Bush, antes das eleições presidenciais de 2008 ou, pode-se dizer, o último ano antes da recessão, o déficit fiscal dos EUA era 1,7% do PIB. Veja bem: 1,7% do PIB, já com os cortes de impostos para os mais ricos instituídos por Bush, e com as guerras do Afeganistão e do Iraque. A única causa para o salto gigante no déficit fiscal foi a quebradeira em Wall Street e a Grande Recessão. Essa é a única causa. Nada tem a ver com a Segurança Social, nem, de fato, com Medicare.

JAY: Então, voltemos ao ponto onde você começou. Há quase meio milhão de pessoas que saíram da força de trabalho, essencialmente, gente que desistiu de procurar emprego. Não são pessoas que encontraram trabalho.

POLLIN: Bem, não sabemos o que é, mas sabemos que, nesse momento, a proporção de pessoas em idade laboral integrada à força de trabalho é a mais baixa desde – de fato, desde que as mulheres entraram na força de trabalho em números acentuadamente maior. É um momento de absoluta mudança, no qual é muito claro que as pessoas estão desistindo da força de trabalho.

Agora, temos alguns dados oficiais em que se pergunta às pessoas se cada um parou de procurar trabalho no mês em curso. Assim, se se inclui essas pessoas nas estatísticas do desemprego e as pessoas estão assumindo empregos de tempo parcial, em vez dos empregos de tempo integral que sempre prefeririam. Essa porcentagem já chega a 13,8%, número oficial do Departamento do Trabalho. São 21,5 milhões de pessoas, oficialmente, segundo o Departamento do Trabalho. Estamos – e continuamos nela, já discutimos muito esse assunto – numa crise de emprego.

Políticas de “austeridade” nos estão direcionando para a direção errada. Se se demitem pessoas no setor público, que é exatamente o que as políticas de “austeridade” estão fazendo, não se estão criando empregos, por isso, no setor privado. Demite-se e não se criam empregos. Por isso, precisamente, as pessoas estão saindo da força de trabalho.

JAY: O objetivo dos dois partidos parece bem claro – do governo Obama e dos Republicanos. O objetivo de todos eles, me parece, é o que se vê: grande aumento nos lucros, aumentos recordes nos lucros das grandes empresas. O mercado de ações vai muito bem, sobretudo porque os salários estão muito baixos. O dinheiro é barato. E acho que enquanto continuar a haver recessão, o dinheiro continua barato, o que é bom para as grandes empresas, porque estão emprestando – e os custos dos financiamento são praticamente zero, e é ótimo momento para comprar novas tecnologias e demitir mais e mais empregados. Sim, mas... a que, diabo, isso levará alguém?

POLLIN: Sim, é... Deixe-me dar-lhe mais um número. De 2009 a 2011, do total da renda na economia dos EUA, a parte do crescimento total que vai para o 1%, aumentou 121%. Todo o crescimento de renda nos EUA mais 21% concentrou-se no 1% superior. Os restantes 99% da população não viram nenhum crescimento. Esses 99% viram a própria renda encolher, sumir. E, isso, no período que chamamos de “a retomada”.

Por tudo isso, sim, você tem toda a razão. Os EUA não temos plano algum para coisa alguma diferente do que se vê agora: os ricos enriquecendo cada vez mais por causa da “austeridade” imposta aos mais pobres, que assegura que os ricos encontrem dinheiro barato para tomar emprestado, salários baixos a pagar... Para todo o resto da população norte-americana, o emprego só faz encolher cada vez mais.

JAY: Isso, em parte, porque os ricos descobriram um momento na economia em que se reúnem: salários baixos, recessão, dinheiro barato sem inflação – em outras palavras... A teoria econômica tradicional diria que, quando o dinheiro mantém-se barato por tanto tempo, a inflação virá; então ninguém pode manter dinheiro barato por tempo indefinido. Mas parece que, por aqui, já se descobriu que não há inflação, de fato, porque toda a economia global está tão deprimida que é possível manter as coisas como estão? Quero dizer... é isso o que está acontecendo? Vi, dia desses, que você consegue hipotecar um prédio comercial – se você tiver um prédio comercial, claro –, com juros de 3,3% e até menos. É extraordinariamente barato. Para quem seja proprietário de um prédio comercial... é excelente negócio hipotecá-lo. Soma-se tudo: dinheiro barato, salários achatados e altos lucros. Por que, então, alguém estaria preocupado com a economia? Quem estaria interessado em alguma “recuperação”?!

POLLIN: É isso e, de fato, acho que é até pior que isso. A direita, sem dúvida, pensa exatamente assim. E nem vou dizer que Obama seja parte disso, ou, pelo menos, acho que não é, até agora. Mas é claro que a direita está vendo a grande oportunidade que se abriu não só para altos lucros, mas, também, para destripar e esquartejar, de vez, o pobre, o modesto estado de bem-estar social que algum dia houve nos EUA, destruir os sindicatos, inclusive os sindicatos do setor público, e modificar permanentemente o equilíbrio de poder a favor da riqueza, de tal modo que a situação siga como a vemos, por tempo indefinido: sem pressão para aumentar salários, desemprego sempre alto, suficientemente alto para que as pessoas estejam desesperadas e sem poder de barganhar, com a produtividade crescente, com ganhos de produtividade sempre crescente.

Esse, precisamente, é o quadro que tivemos. Infelizmente, se tivesse de datar precisamente o momento em que tudo isso começou... a data é a data da eleição da falecida Margaret Thatcher.

É o modelo neoliberal. Aquele modelo só fez intensificar-se. Em nenhum momento foi “moderado” por qualquer tipo de força oposta. Começou, sem dúvida alguma, com Thatcher; e, nos EUA, com Ronald Reagan. Muitos supuseram que sairia enfraquecido da crise. Não. O modelo, nos EUA, está saindo mais forte, da crise, não mais fraco.

[Despedidas e fim da entrevista]



Nota dos tradutores
[1]Autor também do “e-book”: Austerity Economics and the Struggle for the Soul of U.S. Capitalism [Economia de “austeridade” e a disputa pela alma do capitalismo norte-americano], 5/4/2013:

Resumo:
Ante o desastre de Wall Street (2008-09) e a Grande Recessão, economistas ortodoxos e as elites políticas nos EUA e na Europa Ocidental têm-se esforçado para divulgar a ideia de que a “austeridade” seria a única opção política viável. A base dos falcões da “austeridade” é que as economias, dos EUA e europeias estariam sendo consumidas por níveis descontrolados de endividamento público. Seria indispensável portanto cortar o gasto público antes de que o colapso econômico se imponha como possibilidade real.

Os falcões da “austeridade” terão razão? Será verdade que absolutamente não haveria agenda alternativa, diferente da agenda deles? De fato, os argumentos dos falcões da “austeridade” nascem errado e continuam errados desde a base.

Esse artigo, focado no caso dos EUA, mostra que o que dizem os propagandistas da “austeridade” – que grandes déficits gerariam inflação alta e juros altos – é premissa já comprovadamente errada há, no mínimo, quatro anos. Pior que isso, os EUA aproximaram-se cada vez mais, ao longo desse tempo, de uma crise fiscal, no sentido mais simples da expressão: nem com todos os cortes já feitos, o governo tem conseguido pagar o que deve aos credores.

O artigo revisa a experiência recente, no plano do governo dos EUA e dos governos locais, que mostra que a agenda da “austeridade” ataca exclusivamente as bases do que já é um modesto Estado de Bem-Estar nos EUA. Vai-se tornando cada vez mais evidente que se não todos, muitos dos propagandistas da “austeridade” vêem nesse período uma oportunidade para eviscerar o setor público, os sindicatos, a segurança social e outras proteções sociais básicas. Na conclusão, o artigo oferece algumas ideias que podem trabalhar contra a agenda da “austeridade”: se, no curto prazo, empurrarmos a economia dos EUA na direção do pleno emprego; e se, no longo prazo, se o país conseguir manter-se nesse curso.



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