6/12/2010, Guy Adams e Kim Sengupta, The Independent, UK
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Atacado por escândalo que a cada dia parece gerar nova fornada de embaraços e incômodos, o governo dos EUA está sendo forçado a empreender ampla reforma em todos os seus cargos diplomáticos, pessoal militar e agentes de inteligência, cujo trabalho afinal está exposto aos olhos do mundo, depois dos vazamentos, pela página WikiLeaks, dos telegramas diplomáticos dos EUA.
Ontem, o governo Obama enfrentava grave crise em seu serviço diplomático, entre ondas sucessivas de provas de que a continuada publicação de comunicados pressupostos confidenciais e protegidos tornará impossível – se não perigoso – o trabalho diplomático como feito até aqui por funcionários do Departamento de Estado em todo o mundo.
Apenas 1.100 dos cerca de 250 mil documentos sigilosos que WikiLeaks recebeu e divulgou já foram publicados. Portanto, aumenta o medo de que prosseguirá, nos próximos meses, a divulgação de revelações que podem desestabilizar as relações dos EUA com praticamente todos os seus aliados-chave, inflamando as tensões com governos já hostis no Oriente Médio, no Extremo Oriente e em outras regiões.
“No curto prazo, já estamos paralisados, sem poder dar um passo” – disse à Agência Reuters um diplomata sênior dos EUA. Para a mesma fonte, serão necessários no mínimo cinco anos para reconstruir relações de confiança em todo o mundo. “A situação está péssima. Dificilmente poderia estar pior. Não há exagero algum no que lhe digo. Falando claramente, ninguém quer falar conosco. (...) Há gente que continua obrigada a falar conosco, sobretudo governos e representantes oficiais. Mas mesmo esses perguntam antes de qualquer contato: “Vocês vão escrever sobre o que discutirmos aqui?”
Há informes de que o Pentágono, a CIA e o Departamento de Estado estão listando todos os funcionários do serviço diplomático que assinaram os telegramas mais comprometedores e que mais problemas criaram, dentre os que já foram publicados por WikiLeaks. Todos esses terão de ser removidos dos postos em que estão, em todos os casos os postos mais estrategicamente importantes da diplomacia norte-americana.
Dentre os diplomatas cujas opiniões privadas foram divulgadas para o mundo, para grande embaraço dos EUA, está Gene Cretz – embaixador dos EUA na Líbia, que, em 2009, escreveu o hoje já famosíssimo telegrama no qual informa ao governo dos EUA que Muammar Gaddafi não viaja sem a companhia de “uma voluptuosa loura”, sua enfermeira ucraniana.
O atual enviado dos EUA à ONU também tem sido criticado, depois da revelação de que Hillary Clinton instruiu-o a coletar números de cartões de crédito, de passes para viagens aéreas, números de telefones celulares, endereços de e-mails, senhas e outros dados de diplomatas estrangeiros e altos funcionários da ONU, inclusive do secretário-geral Ban Ki-moon.
A dificuldade para o serviço diplomático dos EUA é que os autores de vários dos mais importantes telegramas divulgados pela organização WikiLeaks são os mais experientes do corpo diplomático norte-americano, e será difícil, se não impossível, substituí-los.
Até agora, nenhum dos países afetados pelos vazamentos solicitou a remoção de qualquer diplomata ou funcionário do serviço diplomático dos EUA.
“Essa é outra face dessa tragédia”, disse alto funcionário da segurança nacional ao Blog The Daily Beast que, na 6ª.-feira, detalhou a extensão da crise nas embaixadas dos EUA e noticiou que a realocação dos diplomatas afetados já está planejada e acontecerá ao longo dos próximos meses. “Teremos de deslocar alguns dos nossos melhores servidores, que sempre representaram muito bem os EUA, capazes das melhores análises –, só porque se atreveram a escrever a verdade sobre países nos quais servem.”
Dentre governos estrangeiros que já se manifestaram ofendidos pelo conteúdo de um ou outro dos telegramas divulgados estão supostos aliados como França, Itália e Turquia, cujo primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan ameaçou processar o ex-embaixador dos EUA Eric Edelman por telegrama no qual o embaixador sugere que Erdogan teria dinheiro em bancos suíços.
Velhos inimigos dos EUA também estão gravemente incomodados. O presidente Dmitry Medvedev da Rússia é descrito num dos telegramas como “o Robin do Batman [primeiro-ministro da Rússia Vladimir] Putin”. Cuba e Venezuela são reunidas num “Eixo da Falsidade” em documento divulgado no fim de semana.
Quando os primeiros telegramas foram divulgados, a Casa Branca condenou a divulgação, sob o argumento de que “poria em risco nossos diplomatas, profissionais de segurança e todos que, em todo o mundo, aproximam-se dos EUA para promover a democracia e governos mais transparentes”.
Apesar de até agora nenhum país ter requerido a expulsão dos diplomatas responsáveis pelos telegramas que mais incômodo provocaram, espera-se que comece em breve um movimento de declará-los “Persona Non Grata” – os governo declaram que um ou outro funcionário estrangeiro não é bem-vindo a um ou outro país; é ação que, na prática, leva à remoção. “Pela nossa avaliação, é só questão de tempo”, disse um funcionário do Departamento de Estado ao Blog The Daily Beast.
Fontes diplomáticas disseram ao The Independent que não há planos para remover pessoal diplomático, porque a remoção sugeriria que tivessem cometido algum erro e comprometeria a carreira dos diplomatas.
Tensões com os Estados árabes
Um dos telegramas recentemente divulgados revela que Hillary Clinton criticou o governo saudita, dizendo que o país é a principal fonte de financiamento para grupos militantes islâmicos, e que os políticos sauditas não se decidem a interromper o fluxo de dinheiro. Em telegrama de dezembro de 2009, a secretária de Estado diz a diplomatas norte-americanos que “a ação de Riad tem sido limitada” [para interromper os fluxos de dinheiro para os Talibãs e outros grupos que atacam no Afeganistão, no Paquistão e na Índia]. E acrescentou que o Hamás conseguiu milhões na Arábia Saudita, sobretudo de peregrinos que vêm para o Hajj e o Ramadã. A nota também fala de Qatar, Kuwait e Emirados Árabes Unidos como fonte de dinheiro para os militantes; com destaque para o Qatar – “o pior da região” –, por não cooperar com o Washington.
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