Publicado em 08/12/2010 por Mair Pena Neto no Direto da Redação
Imaginem se o New York Times ou o Washington Post, para citar dois dos mais importantes jornais norte-americanos, tivessem tido acesso aos documentos diplomáticos americanos e os divulgado para o mundo? Estariam sendo perseguidos como o WikiLeaks? Seriam acusados de espionagem? Teriam suas contas bancárias congeladas? A tentativa de inviabilizar o WikiLeaks e o cerco a seu fundador, Julian Assange, que se entregou às autoridades britânicas, são uma ameaça concreta à liberdade de imprensa, que muitos dizem prezar, mas que agora não movem uma palha para defender.
Na verdade, o New York Times foi um dos responsáveis pela divulgação dos documentos, que recebeu do WikiLeaks, assim como o inglês The Guardian, o alemão Der Spiegel, o francês Le Monde e o espanhol El Pais. Mas ninguém os ameaça com as sanções que estão sendo impostas ao site pela obtenção do material. O WikiLeaks já divulgou material muito mais consistente e incriminador do que a correspondência diplomática, que chegou a ser tratada como simples fofoca. Mas por que, então, a reação tomou tamanha proporção? No que o WikiLeaks, como ferramenta jornalística, se difere dos jornais que publicaram os dados que obteve? Os que verdadeiramente defendem a liberdade de imprensa deveriam estar preocupados. Hoje é o WikiLeaks, amanhã pode ser qualquer outro veículo de comunicação.
É escandoloso como toda a engrenagem do sistema se movimenta para atacar o site com argumentos que não possuem o mínimo de sustentação. O site de pagamentos online americano, PayPal, suspendeu a conta pela qual o WikiLeaks arrecadava doações, alegando que sua política não permite atividades ou estímulo a atividades ilegais. E qual seria a atividade ilegal do WikiLeaks? Divulgar documentos que recebe de pessoas inconformadas com ilegalidades do poder? Será que o PayPal fará o mesmo com as transações eletrônicas dos jornais que publicaram as informações?
A decisão do PayPal segue a da Amazon, que tornou indisponíveis seus servidores ao WikiLeaks, obrigando-o a encontrar outros hospedeiros para divulgar seu conteúdo, e é acompanhada por um banco suíço que recebia doações para o site.
Fica a cada dia mais clara a pressão sobre o site por ter se tornado um incômodo.
O WikiLeaks prestou serviços relevantes à comunidade mundial com suas informações. Foi o site que revelou o vídeo, feito a partir de um helicóptero Apache das tropas americanas no Iraque, de uma operação de ataque injustificado a simples suspeitos em Bagdá, que resultou na morte de um fotógrafo e de um motorista da Reuters em julho de 2007. O Exército alegava que as mortes tinham acontecido em um confronto contra insurgentes, o que o vídeo provou ser inverídico. A Reuters, que exigiu a reabertura das investigações, tentava sem sucesso obter o vídeo através da Lei de Liberdade de Informação desde a época do ataque.
Foi também através do WikiLeaks que o mundo ficou sabendo de atrocidades cometidas pelas tropas americanas no Iraque e no Afeganistão. Os quase 400 mil documentos sobre o Iraque divulgados em outubro desse ano provaram a tortura praticada contra homens, mulheres e até crianças e a morte de 66 mil civis entre as 120 mil vítimas da guerra entre 2004 e 2009, configurando um massacre de proporções dantescas.
Os principais dados revelados pelo WikiLeaks também levantam um debate ético importante sobre o limite da informação. Se um jornal tivesse acesso ao plano do desembarque dos aliados na Normandia deveria divulgá-lo antes frustrando uma ação determinante para o futuro da guerra contra o nazi-fascismo? Acredito que não. Mas as informações mais relevantes divulgadas pelo WikiLeaks até hoje contribuíram muito mais para a verdade do que para ameaçar a segurança de qualquer pessoa.
O vazamento das informações abriu várias frentes de discussão e a liberdade de imprensa tem que ser uma delas. Na página principal do WikiLeaks há uma frase da Time considerando que o site pode se tornar uma ferramenta jornalística tão importante quanto a Lei de Liberdade de Informação, uma emenda da Constituição norte-americana que permite acesso integral ou parcial a documentos do governo. Parece que nem uma coisa nem outra está sendo respeitada na terra que se proclama a da liberdade.
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