quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O imperador está nu

1/12/2010, Pepe Escobar, Asia Times Online -The naked emperor 
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Presidente Bush: Frank, estou criando um cargo, e peço-lhe que considere a possibilidade de trabalhar conosco. Serão dias longos e noites perigosas. E você trabalhará cercado pela escória de nossa sociedade. 

Frank: Estou sendo convidado para trabalhar no seu Gabinete? 
[Corra Que a Polícia Vem Aí 2, estrelado por Leslie Nielsen]

O reality show dos WikiVazamentos prosseguirá, com novidades online aos borbotões. No frigir dos ovos, o espetáculo demonstra mais uma vez que a boa informação está na Internet – não na mídia-empresa global; e que os cidadãos globais devem fazer dela o melhor uso possível para desmascarar, e rir, do poder.

Digam o que disserem os jornais e televisões, fato é que 1,6 gigabytes de arquivos de texto num pen-drive espalhando 251.287 telegramas diplomáticos do Departamento de Estado dos EUA de mais de 250 embaixadas e consulados não provocarão “um terremoto político” – como se lê na revista alemã Der Spiegel – na política externa da maior potência decadente do mundo. 

Por trás das múltiplas hipócritas camadas de um ciclo frenético de notícias, 24 horas por dia todos os dias da semana, a política aparece, sobretudo, como um reality show repugnante. Isso é o que os últimos WikiVazamentos mostram, em forma escrita, nua e crua. Um Muammar Gaddafi que usou botox e não daria no couro com sua sexy enfermeira ucraniana é personagem de “Big Brother”. 

Embora seja excelente para a televisão, não se pode dizer que seja novidade que, para os diplomatas norte-americanos, o presidente do Irã Mahmud Ahmadinejad é "Hitler", que o presidente do Afeganistão Hamid Karzai é “paranóico”, que o presidente da França Nicolas Sarkozy é “imperador sem o traje”, que o “tolo e incompetente” primeiro-ministro da Itália é doido por “orgias”, que a chanceler alemã Ângela Merkel “raramente produz alguma ideia criativa”, que o presidente da Rússia Dmitry Medvedev “é o Robin do Batman Vladimir Putin [primeiro-ministro russo]”, ou que o Amado Líder da Coreia do Norte Kim Jong-il é “velhote flácido”, vítima de “trauma físico e psicológico”. 

Mas crer, como a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton, que os vazamentos seriam “ataque não só aos interesses da política externa norte-americana, mas de toda a comunidade internacional”; ou que WikiLeaks, como disse o presidente Barack Obama, cometeu crime grave, é nada além de manifestação de repugnante arrogância imperial. Como se o mundo não tivesse o direito de também fartar-se da mesma comida política podre servida em abundância aos seletos comensais dos palácios do poder em Washington. 

Clinton deve ter farejado que o sentimento dominante depois de ler os telegramas seria de uma Washington à beira de um ataque de nervos digno de personagem de Almodóvar. Por exemplo, aliado-chave dos EUA, como Berlusconi, descrito como “ridículo, patético”, “indiferente ao destino da Europa” e perigosamente íntimo de Putin, do qual parece “o porta-voz”, visto como ameaça equivalente a Ahmadinejad. Até que ponto chega a paranóia? A embaixada dos EUA em Moscou, por falar nisso, descreve Putin como um “cão alfa” que comanda a Rússia, virtualmente “um Estado-máfia”; alguém mais cínico lembrará que a mesma definição aplica-se ao ex-vice-presidente Dick Cheney durante a era George "Dábliu" Bush. 

Em todo o mundo, quem tenha QI acima de 75 já desconfia que os diplomatas dos EUA espionam os próprios colegas na ONU (por ordem de Clinton); que Washington comandou um bazar de liquidação para obrigar pequenos países a aceitar prisioneiros de Guantánamo; que o establishment militar/de inteligência do Paquistão está articulado com os Talibã; e que o rei saudita Abdullah bin Abdul Aziz, esse defensor paradigmático da democracia e dos direitos humanos, exigiu que os EUA ataquem o Irã. 

Temer o Irã xiita, afinal de contas, sempre foi regra nesse bando de ditadores/autocratas sunitas impopulares que vivem a resmuninhar e suplicar que os EUA lhes vendam as armas que os mantêm no poder. 

Mas a coisa fica muito mais séria, se se tem o embaixador dos EUA na Turquia, a dizer que o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan “é um fundamentalista. Ele nos odeia religiosamente” e que seu ódio “se espalha”. Isso é absolutamente falso. É mentira. 

Ou que Robert Gates “O Supremo” do Pentágono diz ao ministro das Relações Exteriores da Itália Franco Frattini que o Irã não fornece armas aos Talibãs – e assim desmente toda uma massiva campanha de propaganda de demolição orquestrada pelo Pentágono que já durava meses. 

Não há prova alguma de que a liderança coletiva em Pequim tenha sido o verdadeiro poder por trás dos ciber-ataques que o Google sofreu. E quando o ex-vice-ministro de Relações Exteriores da Coreia do Sul Chun Yung-woo disse ao embaixador dos EUA em Seul que uma nova geração de líderes do partido chinês já não veem a Coreia do Norte como aliado útil, o quanto, nessa ‘informação’, é exclusivamente opinionismo de autopreservação e autoajuda? Afinal de contas, Chun é hoje conselheiro de segurança nacional do presidente da Coreia do Sul. 

O contexto é a chave, em todos os vazamentos – cerca de 220 até agora. Os diplomatas e funcionários de baixo escalão que falam nesses telegramas dizem, essencialmente, o que o Departamento de Estado deseja ouvir, ou blefam, repetindo o que quer que já esteja instaurado como pilar da política de Washington; a quantidade de análise crítica independente naqueles telegramas é praticamente zero. 

O espetáculo tem de continuar

Possibilidade muito mais sumarenta é lembrar que, doravante, nenhum dos cidadãos mais ativos do mundo jamais voltará a crer no que lhes seja empurrado como “fato” ou como “verdade” naquelas cosmicamente tediosas sessões de “conferência diplomática/governamental/militar com a imprensa e fotógrafos”. 

Os telegramas WikiVazados provam que a Europa – incapaz de se autopoupar do ridículo – já vinha sendo marginalizada desde a era Bush, processo que agora culmina, com Obama integralmente dedicado a Ásia-Pacífico. Quanto ao que já vazou até agora, sobretudo sobre o Irã e a turma que faz e acontece no Golfo Persa, é pura propaganda israelense-norte-americana mal disfarçada. 

Não por acaso, a maioria das manchetes globais batem todas o mesmo tambor, com variações sobre o tema “Israel festeja os telegramas vazados como aval de sua política para o Irã”. Avaliação geral dos telegramas revela que, assim como Israel e o poderoso lobby EUA-Israel fizeram hora-extra depois dos vazamentos, para conseguir dar destaque à urgência da invasão e destruição do Iraque, muito mais ganhará quem aposte suas fichas na possibilidade de os vazamentos favorecerem o Irã. 

Merece especial atenção o telegrama em que se lê que o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu é “elegante e sedutor, mas nunca cumpre o que promete” (promessas como continuar a construir na Cisjordânia e bombas, bombas, bombas sobre o Irã.) 

O reality show dos WikiVazamentos prosseguirá, com novidades online aos borbotões. Pelo menos o espetáculo demonstra, mais uma vez, que a boa informação está na Internet – não na mídia-empresa global; e que os cidadãos globais devem fazer dela o melhor uso possível para desmascarar, e rir, do poder.

É salutar aprender que o imperador, em segredo, fala mal dos amigos e sicofantas, tanto quanto dos inimigos. Também é salutar aprender que o imperador é inimigo da democratização da informação. Mas agora, que já se sabe que o imperador está mesmo nu, devemos agradecer muito aos autores dos telegramas, seus amigos, inimigos e sicofantas, por nos oferecerem esse impagável reality show – espécie de continuação de “Corra que a Polícia vem aí”. Pena que o grande Leslie Nielsen, que morreu no domingo, não esteja aqui, para rir conosco. 

Um comentário:

  1. Cada vez mais estou achando que os documentos diplomáticos foram entregues ao wikileaks com um objetivo. Os EUA receberão um impacto negativo, mas quase todos os documentos estão indo a favor da política dos EUA: aumentar a histeria sobre a sua falsa guerra ao terrorismo (onde a CIA e FBI estão envolvidos até o pescoço) e aumentar a pressão internacional sobre o Iran, a Coreia do Norte e a China. Até agora, vários documentos sustentam a idéia que existem financiadores de terrorismo internacional no Brasil. Não se enganem...

    Estou colocando em um só lugar todos os documentos relacionados com o Brasil:

    http://blog.antinovaordemmundial.com/2010/11/cablegate-brasil-veja-aqui-todos-os-documentos-relacionados-com-o-brasil/

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