terça-feira, 4 de janeiro de 2011

PERGUNTA QUE NÃO VOU AGUENTAR MAIS É: “QUANTOS PEIXES VOCÊ JÁ PESCOU?” (Ideli Salvatti)

Ideli

A ex-senadora por Santa Catarina está coberta de razão, nesta declaração transmitida pelo Jornal Nacional de ontem (3 de janeiro de 2010).

É verdade que José Serra como Ministro da Saúde deixou muito a desejar com escândalos que foram desde as ambulâncias superfaturadas aos bancos de sangue, afora a ineficiência no combate à epidemia de dengue e a conivência com os desvios das verbas da CPMF criada pelo antecessor, o médico Adib Jatene. Mas isso se deve às características pessoais do político, observadas em todos os cargos que ocupou.

Cerranazi
Sem dúvida! Pois já se teve bem melhores Ministros de Saúde que jamais foram médicos, assim como o melhor Ministro da Economia que o Brasil já teve, ou pelo menos o único que logrou saldar nossa histórica e dantesca dívida externa, livrando-nos da dependência ao FMI e subserviência internacional, foi um médico. E não um economista como Malan, Zélia Cardoso de Melo, Delfim Neto, Roberto Campos e outros que nos mantiveram como fracasso econômico mundial por décadas e séculos a fio.

Então essa história de que para ser Ministro da Pesca seja necessário ser um pescador, oceanógrafo, biólogo ou coisa que o valha, é uma tremenda de uma besteira. Sobretudo num governo que optou pelo modelo horizontal, onde a função do Ministro é gerenciar recursos e políticas positivas para o setor atendido pela pasta, e não impor vontade de cima a baixo, como se fez por 500 anos de governos verticais e desgraçadamente ineficazes em todos os setores.

É o mito da sabedoria divina a iluminar os designados pelos deuses, perpetuando-se em diplomas de especialistas que não entendiam coisa alguma de gerenciamento público. E assim acumulamos ministros incapazes e ineficazes apesar de diplomas e especialidades que apenas resultaram no enorme atraso do país em praticamente todas as atividades.

Colônia de pescadores em Santa Catarina
Hoje ninguém sabe quem foi Raul Gimenez, mas já desde os anos 60 viajava por todo o Brasil reivindicando em nome de centenas de colônias de pescadores do Rio Grande do Sul ao Maranhão, a criação de um Ministério da Pesca. Além dos pescadores marítimos, Raul lembrava também que o país possui uma das maiores senão a maior colônia de pesca de rio, o que se evidencia no fato de possuirmos as maiores bacias hidrográficas do planeta.

Conheci o xará pessoalmente em sua elegância de indefectível terno e gravata, cabelos brancos e cultura paulistana, tipicamente urbana. Talvez houvesse pescado algum lambari, bagre, cará no tempo em que haviam no Tietê e na Billings, mas não me consta de ter participado de alguma outra pescaria que não fosse de caniço. Se é que alguma vez teve paciência de aguardar que o peixe mordesse a isca.

No entanto, Raul sabia muito bem das agruras das abandonadas comunidades pesqueiras dos litorais brasileiros. Em nossos encontros pelas noites da Rua Sete de Abril, ponto de encontro de políticos, artistas e intelectuais da Paulicéia de então, discorria em defesa da manutenção do meio ambiente marinho e dos manguezais para a sobrevivência da cultura e da vida de tantas famílias de brasileiros.

A última vez que nos encontramos estava de viagem marcada para a Europa onde iria brigar contra a pesca predatória em nossas águas, pelas grandes indústrias pesqueiras multinacionais

Milicanalha típico
Claro que Raul, como todos nós, era perseguido pela ditadura. Mesmo assim sempre tentou converter a milicanalhada à importância -- tão clara em um país com uma das maiores costas atlânticas do mundo (se a nossa não for ainda maior do que a do lado Atlântico dos EUA) -- de criação de um Ministério da Pesca.

Foi preciso um governo Lula para se desvincular a atividade pesqueira de um Ministério em nada atinente: o da Agricultura. Em São Paulo até hoje o Instituto de Pesca é ligado a Secretaria da Agricultura e isso é um contrassenso, pois são atividades concorrentes. Aqui em Santa Catarina, por exemplo, o governo de Luís Henrique da Silveira, aliado de Bornhausen e FHC, quis acabar com a pesca insistindo pela redução das áreas de preservação de mata ciliar, para expansão agrícola.

Estranhamente o líder do PCdoB, Aldo Rebelo, também apoia a mesma drástica ideia, mas sem escapar por injunções paralelas, voltemos ao fato de ser mesmo uma estupidez e um machismo mal disfarçado isso de exigir que para ser Ministra da Pesca, a ex-senadora Ideli Salvati tenha de entender de pescaria.

Enorme bobagem! Como o xará Gimenez, o que Ideli tem de entender é de pessoas que sobrevivem da pesca. É com esses que terá de dialogar.

Baiacu-espinho
Também com oceanógrafos, biólogos, ictiógrafos e especialistas que indicarão o que deve ser feito, cabendo a Ministra o gerenciamentos dos recursos para as realizações indicadas e, claro, a intransigente defesa de toda uma riquíssima cultura desenvolvida há séculos por uma das mais antigas atividades humanas. Mas nesse aspecto Ideli apenas precisa de sensibilidade para valorizar essa cultura milenar, familiar e agregadora. Uma cultura que produziu desde um mito como Jesus Cristo ao Summertime do Porgy and Bess, a primeira encenação de negros na Broadway em Nova Iorque (1935). A história musicada por George Gershwin se passa numa colônia de pescadores da Carolina.

É só Ideli ter a dimensão dessa importância. Da importância de um Dorival Caymmi para o Brasil. A importância de um romance como o Mar Morto de Jorge Amado e tantas outras obras de nosso cancioneiro, nossa literatura, dramaturgia e as plásticas artes de Di Cavalcanti ou de meu vizinho Elias Andrade, o Índio, se não o mais, um dos mais significativos interpretes da cultura desta minha gente ilhoa! Minha e ainda mais de Ideli Salvatti que aqui vive há muito mais tempo e foi sua representante no Senado Federal.
Ideli escondendo Eike (digo rabo)

Nós, daqui de Florianópolis sabemos bem que Ideli gosta muito de música brasileira e a principal composição de seu amigo Neco, em cujo rancho de pesca vêm ouvir músicas nos domingos em que troca Brasília por esta nossa cidade; se inicia exatamente com a seguinte frase: “Hoje estou triste pescador...”

Então essa pergunta da qual a Ministra se diz cansada já em sua posse, e com total razão, é realmente imprópria. Importante é que Ideli sabe, precisamente, quantas famílias, aqui mesmo em sua cidade, dependem da atividade pesqueira para sobreviver. E tomando os pescadores do entorno da Ilha de Santa Catarina como exemplo, sem dúvida saberá expandir sua sensibilidade social à todos os homens, mulheres e crianças brasileiras cuja sobrevivência dependem da preservação dos ambientes de reprodução de peixes, moluscos e outros frutos marinhos que, diga-se de passagem, pertencem ao grupo dos alimentos mais saudáveis entre todos os consumidos pelos humanos.

Ideli certamente terá em vista a grandeza de sua responsabilidade social não apenas com os pescadores, mas com todos os demais setores que, tendo a pesca e a maricultura como base, formam uma extensa e incomparável cadeia de geração de empregos, como a gastronomia e o turismo.

Ideli sabe que em regiões turísticas e litorâneas como a de Florianópolis, nenhum outro tipo de empreendimento oferece tanto emprego de mão de obra qualificada. Sabe ser empregos muito mais vantajosos tanto em evolução de relacionamentos sociais, quanto em rendimentos salariais.

Nós aqui de Florianópolis estamos seguros de que mesmo nunca tendo tirado sequer um cascudo ou baiacu de dentro da água, Ideli jamais permitirá que caprichos, irresponsabilidades e inconsequências empresariais ponham em risco atividades de trabalhadores tão tradicionais quanto os pescadores.

De forma alguma! Afinal, isso seria o mesmo que o Lula ou alguém do PT ir brigar com metalúrgicos para diminuir seus salários, com o intuito de ajudar os donos das montadoras a ter maiores lucros.

E a Ministra da Pesca não vai expor o governo Dilma a esse tipo de coisa. Não é mesmo, Ministra?

Raul Longo

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