domingo, 2 de janeiro de 2011

O que WikiLeaks revelou ao Mundo em 2010

À luz do que WikiLeaks revelou ao mundo acerca de um grande número de governos, é difícil sequer conceber a mentalidade pró-autoritária que levaria alguém a reagir com cólera ao fato de essas coisas serem reveladas.
Por Glenn Greenwald, Salon

ARTIGO | 2 JANEIRO, 2011 - 01:00


Ao longo deste ano tenho dedicado uma atenção especial à WikiLeaks, sobretudo nas últimas quatro semanas, consoante os apelos à sua destruição se foram intensificando. Para perceber porque o tenho feito, e entender o que motiva a descrente devoção do governo dos Estados Unidos e daqueles que influencia a destruir a organização, vale a pena passar em revista o que é que a WikiLeaks de fato deu a conhecer ao mundo apenas neste último ano: a extensão de corrupção, fraude, brutalidade e crimes cometidos pelo facções mais poderosas do mundo.

Bradley Manning
As reações a estas revelações são tão esclarecedoras como as próprias revelações. Grande parte da indignação não tem tido como alvo os crimes expostos, mas quem os expôs: a WikiLeaks e (alegadamente) Bradley Manning.

Rapidamente nasceu um consenso nas classes política e jornalística de que ambos são patifes malvados que têm de ser severamente punidos, enquanto os responsáveis por todos os atos que revelaram são ilibados de qualquer culpa.

Esta reação não foi atenuada sequer pelo reconhecimento pelo próprio Pentágono de que, em absoluto contraste com os seus próprios atos, não existem quaisquer provas — zero — de que alguma das ações da WikiLeaks tenha causado uma única morte. Entretanto, a comunicação social americana institucional continua a insistir — mesmo perante todas estas revelações — nos lugares-comuns contraditórios e orwellianos de que a) não existe Nada de Novo™ em qualquer das revelações da WikiLeaks e b) a WikiLeaks provocou Graves Danos à Segurança Nacional Americana™ através das suas publicações.

Não é de todo surpreendente que os líderes políticos queiram convencer as pessoas de que os verdadeiros criminosos são quem expõe atos de corrupção política e crimes do mais alto nível, em vez de quem os comete. Não há líder político que não gostasse que um ato de fé tão útil fosse dado como adquirido. Mas o que é assustador é o modo como muitos cidadãos, e especialmente "jornalistas", passaram também a acreditar veementemente nisso.

À luz do que a WikiLeaks revelou ao mundo acerca de um grande número de governos, é difícil sequer conceber a mentalidade pró-autoritária que levaria um cidadão — para já não falar de um jornalista — a reagir com cólera ao fato de essas coisas serem reveladas. O que leva alguém a insistir que estes fatos deviam ser mantidos em segredo e que seria melhor que não soubéssemos e, acima de tudo, exigir que aqueles que nos permitiram ficar a conhecê-los (os Verdadeiros Criminosos) sejam punidos enquanto os autores do que segue (as Boas Autoridades) devem ser protegidos?

Chistian Science Monitor, 5 de Abril de 2010
WikiLeaks divulga vídeo que mostra soldados americanos a matar dois jornalistas da Reuters no Iraque (ver acima YouTube)
A WikiLeaks, um site sem fins lucrativos, divulgou um vídeo de “informantes militares” que parece exibir o assassínio em 2007 de dois jornalistas de Reuters e nove outros iraquianos. O exército dos EUA disse que se tratavam de forças "hostis."

Daily Mail, 7 de Abril de 2010
“Ha ha, atingi-os": Vídeo ultra-secreto que mostra pilotos de helicóptero americano a abater 12 civis em Bagdá colocado on line”.
Um vídeo secreto colocado na Internet mostra soldados americanos a rir enquanto um ataque de helicóptero mata cerca de uma dúzia de civis em Bagdá.

The Guardian, 22 de Outubro de 2010
Arquivos de guerra do Iraque: ordem secreta permitiu aos EUA: Ignorar abusos
Maus-tratos a prisioneiros indefesos por parte das forças de segurança iraquianas incluíram espancamentos, queimaduras, eletrocussões e violações.

The Guardian, 22 de Outubro de 2010
Arquivos de guerra do Iraque revelam 15 000 mortes de civis não registradas
Ficheiros do Pentágono relevados contêm registros de mais de 100 000 vítimas, incluindo 66 000 civis.

Foreign Policy, 29 de Novembro de 2010
Clinton deu ordens aos diplomatas americanos para espionarem funcionários das Nações Unidas

Mother Jones, 1 de Dezembro de 2010
Obama e republicanos trabalharam em conjunto para pôr fim ao inquérito sobre responsabilidade de Bush em atos de tortura
Um telegrama da WikiLeaks mostra que quando a Espanha considerou acusar criminalmente antigos funcionários de Bush, a Casa Branca de Obama e os republicanos tornaram-se verdadeiramente bipartidários.

El Pais, 30 de Novembro de 2010
EUA conspiraram para pôr fim a casos na Audiência Nacional
A embaixada americana enviou ameaças relativamente aos casos de Guantánamo, Couso e voos da CIA — políticos e instâncias legais espanholas colaboraram com a estratégia.

Will Bunch, The Philadelphia Inquirer, em resposta aos telegramas de Espanha, 1 de Dezembro de 2010:
O dia em que Barack Obama me mentiu

ACLU, 20 de Novembro de 2010
Segurança Interna | Tortura
EUA exerceram pressão sobre a Alemanha para não agir judicialmente contra oficiais da CIA por tortura e entrega de prisioneiros a países onde ela existe
Material da WikiLeaks revela encontro sobre o cliente da ACLU Khaled El-Masri

Der Spiegel, 9 de Dezembro de 2010
O rapto de El-masri pela CIA
Telegramas mostram que a Alemanha cedeu às pressões de Washington

Ellen Knickmeyer, ex Chefe de Agência do Washington Press em Bagdá, The Daily Beast, 25 de Outubro de 2010
WikiLeaks desmascara mentiras de Rumsfeld
Revelações recentes da WikiLeaks demonstram como os principais líderes americanos mentiram, conscientemente, ao público americano, aos soldados americanos, e ao mundo. Ellen Knickmeyer sobre a carnificina a que assistiu enquanto chefe de agência em Bagdá.

Sydney Morning Herald, 29 de Novembro de 2010
Presidente do Iêmen mentiu acerca de ataques americanos
O presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, admite ter mentido ao seu próprio povo ao alegar que os ataques militares dos EUA contra a Al-Qaeda foram feitos por forças iemenitas, de acordo com um documento americano divulgado.

Salon, 9 de Dezembro de 2010
Ao contrário do que foi publicamente afirmado, o governo de Obama alimentou o conflito no Iêmen
Os EUA enviaram armas para a Arábia Saudita para uso no norte do Iêmen a mesmo tempo que negavam qualquer participação no conflito.

BBC, 17 de Dezembro de 2010
WikiLeaks: Índia "torturou" prisioneiros de Caxemira
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha enviou aos diplomatas americanos provas de prática de tortura generalizada pelas forças de segurança indianas em Caxemira, de acordo com telegramas obtidos pela WikiLeaks.

BBC, 22 de Dezembro de 2010
Reino Unido treinou “esquadrão da morte” do Bangladesh
Oficiais britânicos no Bangladesh confirmaram informações da WikiLeaks de que o Reino Unido está a treinar uma força policial no país acusada de ser um esquadrão da morte.

Reuters, 1 de Dezembro de 2010
Reino Unido aceitou proteger interesses americanos em inquérito sobre o Iraque
LONDRES (Reuters): O governo britânico deu garantias secretas a Washington de que iria limitar o âmbito de qualquer inquérito à guerra do Iraque para proteger interesses americanos, de acordo com mensagens diplomáticas divulgadas pelo site de fugas de informação.

MSNBC, 11 de Dezembro de 2010
WikiLeaks: Papa recusou cooperar em investigação sobre abusos sexuais
O embaixador britânico no Vaticano também temeu violência anticatólica perante conversões anglicanas
O papa Bento VI recusou-se a autorizar funcionários do Vaticano a testemunhar numa investigação de uma comissão irlandesa sobre o alegado abuso sexual de crianças por padres, de acordo com os telegramas da diplomacia dos EUA divulgados pela WikiLeaks, noticia o jornal The Guardian.

The Guatemala Times, 28 de Novembro de 2010
WikiLeaks, claro e simples: o caso do golpe nas Honduras

CBS NEWS, 29 de Novembro de 2010
WikiLeaks: China por trás de ataque ao Google
A China esteve por trás de um ataque eletrônico à rede informática da Google, de acordo com documentação do governo americano publicada no fim-de-semana pela WikiLeaks.

The Guardian, 30 de Novembro de 2010
Telegramas da WikiLeaks: Forças especiais dos EUA a operar no interior do Paquistão
Os telegramas da embaixada americana revelam que tropas de elite americanas se uniram em segredo ao exército paquistanês para perseguir terroristas.

Eugene Robinson, The Washington Post, 27 de Julho de 2010
WikiLeaks revela os perigos óbvios do Afeganistão
As dezenas de milhares de documentos militares secretos disponibilizados na Internet no domingo confirmam o que os críticos da guerra no Afeganistão já sabiam ou suspeitavam: estamos arrastando um conflito a longo prazo, moralmente ambíguo, que não tem na prática quaisquer hipóteses de acabar bem.

The Guardian, 25 de Julho de 2010
Arquivos de guerra do Afeganistão: fuga de grandes dimensões de arquivos secretos expõe a verdade da ocupação
. Centenas de civis mortos por soldados da coligação
. Unidades secretas perseguem líderes para "matar ou capturar"
. Aumento acentuado dos ataques à bomba dos talibãs contra a OTAN
Uma quantidade enorme de arquivos militares secretos dos EUA  fornece hoje um retrato devastador de como a a guerra no Afeganistão está indo mal, revelando como as forças da coligação mataram centenas de civis em incidentes não comunicados. Os ataques dos talibãs dispararam e os comandantes da OTAN temem que os vizinhos Paquistão e Irã estejam alimentando a sublevação.

E são apenas algumas das verdades que levaram a WikiLeaks — e quem quer que seja o informador — a sacrificar interesses pessoais para revelar estes segredos ao mundo.

Traduzido por Mariana Avelãs para o Wikifugas

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