quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

“Caso” Battisti: eis por que estamos com Lula

1) a carta abaixo é de 4 professores universitários italianos radicados na França
2) o link é da associação AltraItalia, dos migrantes italianos em Barcelona (Espanha), eles se definem como exilados diante da tristeza da situação italiana: Berlusconi (sic), fascistas no poder, xenófobos querendo separa o país, membros do ex-PC (PD) que defendem a anulação do direito de greve! 
Leia também o artigo de hoje - 5 de janeiro de 2011 - Battisti x Berlusconi (não traduzido) que revela bem o caráter fascista dos atuais dirigentes italianos.

“Caso” Battisti: eis por que estamos com Lula

Somos um certo número de italianos residentes no exterior, onde trabalhamos no ensino e na pesquisa, estupefatos com a postura da mídia e da “opinião pública” do nosso país diante do “caso” Cesare Battisti. A jornalista Anais Ginori, em La Reppublica de 2 de janeiro, parece, por exemplo, estigmatizar o “júbilo dos intelectuais franceses” (arbitrariamente identificados com Bernard-Henri Lévy e Fred Vargas) diante da recusa de extraditar Battisti, decidida pela presidente brasileiro Lula da Silva. Quanto à força de oposição ao atual governo Berlusconi, estamos particularmente surpresos ao apreender como alguns parlamentares do PD se recordam repentinamente de sua matriz ideológica, apelando inesperadamente ao presidente Lula enquanto “homem de esquerda”, com o único propósito de questionar seu gesto de precaução em relação aos direitos de um preso.

Contrariamente ao que se tem escrito e dito, nós acreditamos que a decisão de competência do presidente brasileiro não é resultado de um juízo superficial e apressado sobre nosso país, mas resultado de uma avaliação aprofundada e pertinente da situação política e judiciária italiana.

O Brasil é o último de uma longa lista de países, após Grécia, Suíça, França, Grã Bretanha, Canadá, Argentina, Nicarágua, que se recusaram a colaborar com a justiça italiana. Será um acaso?

Na verdade, a fúria do governo italiano em pedir a extradição de Battisti se configura hoje mais como a vontade de exorcizar um inimigo vencido (quase uma obsessão de eliminar), do que como uma sóbria, autêntica exigência de justiça. Surpreendente, em particular, uma tal perseverança “justiceira” da parte de um executivo tragicamente incapaz de lançar luz sobre a carnificina dos anos sessenta e setenta, unanimimente considerada pelos historiadores como a “mãe” de todo o terrorismo.

Recordemos como em seu favor o “zero responsáveis” sobre o atentado da Praça Fontana em Milão e da Praça de Loggia em Brescia tem sido permanentemente consagrado, respectivamente pela Suprema Corte em 3 de maio de 2005 e, mais recentemente, pela Corte de Inquérito em 16 de novembro de 2010. Ou uma magistratura severa que garante a imparcialidade do Estado, como sugerido recentemente por Alberto Asor Rosa [1] em uma de suas freqüentes colunas no Manifesto! Uma tal diferença de tratamento em investigar a responsabilidade, que não tem como não saltar aos olhos da opinião pública internacional, não é apenas o efeito de uma permanência endêmica, na Itália, de uma classe corrupta no governo ou mesmo para-fascista (de Alemanno, ex-membro de esquadra fascista, prefeito de Roma, ao insolente ex-MSI [2] La Russa, Ministro da Defesa). Não, essa tara originária é, antes de tudo, fruto da política de emergência que tem sido o leitmotiv da política italiana do pós-guerra e na qual a esquerda se deixa seduzir, até a morte rápida como uma fatalidade, quando não tranqüilamente acomodada, por uma consolidada incapacidade de propor uma alternativa global a uma ordem capitalista tardia.

Essa “emergência” prolongada foi a base da participação de setores inteiros do Estado nas atrocidades criminais que ensangüentaram o passado recente da história nacional, impedindo a emancipação social e debilitando antropologicamente, molecularmente, a cotidianidade.

Fato altamente significativo; a classe política atualmente no comando na Itália é herdeira direta desses poderes um dia ocultos (“Piano solo”, “Gládio”, “P2” [3]), mas agora definitivamente desembaraçada e bem decidida a ocupar o terreno político e midiático, para defender seu próprio interesse vital ameaçado: aquele de uma vida reduzida a uma pura, absurda axiomática empresarial.

A “anomalia italiana” não é senão o resultado dessa sistemática subordinação dos órgãos garantidores do direito à “exceção” do comando político e ao seu diktat selvagem sobre a consciência.

Basta pensar que um dos mais altos postos da república, abaixo apenas do Presidente Giorgio Napolitano, é hoje confiado a um “magnata” da mídia cuja “acumulação primitiva”, no curso dos anos sessenta e setenta, tem sido caracterizada por aqueles que a definiram eufemisticamente como “ilegalmente comprovada”.

Portanto, acreditamos que o forte envolvimento do Estado italiano na guerra civil “guerreada” que teve lugar na Itália nos anos setenta, paralelamente ao conflito (não somente e nem sempre “frio”) encenado pelos dois blocos internacionais opostos e parcialmente especulares, torna impossível desatar o nó histórico emerso com o “caso” Battisti no quadro das instituições e das leis atualmente vigentes na Itália.

Somente uma medida que reconheça a enorme responsabilidade do Estado na degeneração do embate político entre os anos sessenta e oitenta, e não a grotesca exibição de orgulho nacional a que estamos assistindo nesses dias, pode permitir à Itália sair do “déficit” de credibilidade internacional que danifica fatalmente sua imagem.

Enquanto tal medida não se concretizar, justiça não poderá ser feita e o pedido de extradição de ex-terroristas aparecerá fatalmente como atalhos vexatórios, quando não como tentativas mentirosas de reescrever a história.
  
Saverio ANSALDI – Università di Montpellier III
Carlo ARCURI – Università di Amiens
Giorgio PASSERONE – Università di Lille III
Luca SALZA – Università di Lille III.

Notas
[1] Alberto Asor Rosa é um intelectual conhecido na esquerda italiana desde os anos sessenta. No final dos anos setenta, como quadro do Partido Comunista Italiano, defendia posições teóricas que buscavam se contrapor ao protagonismo nas lutas sociais dos sujeitos do qual Cesare Battisti fazia parte. Vide sua teoria da “primeira” e “segunda sociedade”. (N. do T.)
[2] Partido formado no pós-guerra por aderentes do fascismo. Foi, na prática, o partido fascista italiano até sua dissolução na Aliança Nacional em 1995. (N. do T.).
[3] Gladio era o nome de uma operação clandestina da OTAN no pós-guerra, com objetivos anti-comunistas. Entre suas ações estavam atentados com chamada “bandeira trocada”. P2 era uma loja maçônica, envolvida com a Operação Gladio, com a máfia e em escândalos financeiros. O “Piano solo” foi um plano no qual a Gladio esteve envolvida e que conseguiu tirar do governo italiano os ministros socialistas, em 1964. (N. do T.).

enviado por Max Carlos - Universidade Nômade

2 comentários:

  1. E do cara que foi assassinado pelo Batisti, do filho dele, que era criança, e ficou paralítico no atentado ninguém fala. Desviam o foco pra a questao do escroque mafioso do Berluscone pra justificar o apoio a outro criminoso. Os crimes da esquerda são sempre justificáveis, msmo assim continuam sendo crimes.

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  2. Sandra,
    Se você procurar saber um pouquinho só sobre o caso. E parar de ler a grande imprensa, que simplesmente encobre e mente sobre o caso, vc saberá, que Battisti nem sequwer estava presente na morte de que vc fala. A bala que deixou o filho do morto paraplégico saiu da arma do próprio pai, como a perícia mostrou. E que disse que Battisti não estava presente foi o próprio filho.
    Agora, espero que essa mesma gana que vc tem de ver alguém mais de 30 anos depois preso, por assassinatos de pessoas de extrema-direita que matavam pessosas de extrema-esquerda, em julgamento cheio de irregularidades, e que vive há 30 anos de forma pacata, chegando a ser um romancista reconhecido, seja a mesma para não deixar impune os crimes cometidos pela direita e pelos militares durante a ditadura no Brasil

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