1/8/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Começou a caça ao urso... |
O status
quo pós-Guerra Fria na Europa Ocidental está morto.
Para a
plutocracia ocidental, aquele 0,00001% do topo, os reais Patrões do Universo, a
Rússia é a meta final; tesouro imenso de recursos naturais, florestas, água
limpa, minérios, petróleo e gás. Mais do que suficiente para levar ao êxtase
qualquer jogo de guerra orwelliano/ Panopticon NSA-CIA. Como meter
as garras e lucrar de tão formidável butim?
Entra em cena
a OTAN-Globocop. Nem bem acabaram de terem seus traseiros coletivos chutados
por um bando de guerrilheiros de montanha armados com Kalashnikovs, os
exércitos da Organização do Tratado Atlântico Norte já lá se vão, pivoteando-se
rápido – o mesmo velho jogo Mackinder para Brzezinski – para a Rússia. O mapa
do caminho será arrematado na reunião do grupo no início de setembro em Gales.
Entrementes,
a tragédia do MH17 passa por rápida metamorfose. Se se combinam (I) as observações no local feitas por
investigador canadense da Organização de Segurança e Cooperação da Europa
(OSCE) (assistam cuidadosamente ao vídeo −
legendado em inglês – no fim do parágrafo) e (II) a análise
feita por um piloto alemão,surge forte probabilidade que aponta para um
jato Su-25 ucraniano que disparou canhão automático de 30mm contra a cabine do
MH17, o que levou a descompressão massiva e à queda.
Nada de
míssil – nem mesmo algum R-60M ar-ar, e nem se fala de BUK (estrela da
boataria inicial frenética disparada pelos norte-americanos). A nova possível
narrativa combina perfeitamente com o que disseram testemunhas oculares em
matéria da BBC (vídeo − legendado em inglês − no fim do parágrafo) agora
famosa por ter sido “desaparecida” da página da BBC. Resumo da ópera: o
caso MH17 tem tudo para ter sido operação de “falsa
bandeira”, desgraçadamente planejada pelos EUA e desgraçadamente
executada por Kiev. Não se consegue nem imaginar as repercussões geopolíticas
tectônicas se, por acaso, todo o “plano” for exposto em todos os verdadeiros
pormenores.
A Malásia
entregou os gravadores de voo aos britânicos, o que significa “OTAN”, o que
significa que serão manipulados pela CIA. O voo AH5017 da Air Algerie caiu depois do MH17. A
análise dos gravadores já foi divulgada. Só falta explicar por que é preciso
tanto tempo para analisar/apagar/reescrever os registros das caixas prestas do
MH17.
E aí começa o
jogo das sanções: a Rússia é culpada de tudo – sem prova alguma – então tem de
ser castigada. A União Europeia seguiu abjetamente a Voz do Dono e adotou todas
as sanções mais linha-dura contra a Rússia que discutiram semana passada.
Mas há
buracos. Moscou terá acesso reduzido aos mercados de dólar norte-americano e
euro. Bancos estatais russos estão proibidos de vender ações ou títulos do
ocidente. Mas o Sberbank, maior banco da Rússia, não foi sancionado.
Quer dizer:
no curto e no médio prazo, a Rússia terá de se autofinanciar. Ora, bancos
chineses podem facilmente suprir esse tipo de empréstimo. Não esqueçam a
parceria estratégica Rússia-China. Como se Moscou precisasse de mais algum
aviso de que o único modo de seguir adiante é afastando-se
cada vez mais do sistema do dólar norte-americano.
Países da
União Europeia serão atingidos. Coisa grossa. A British Petroleum é dona de 20% da Rosneft, e já está com a boca no trombone. ExxonMobil, Statoil
norueguesa e Shell também serão
afetadas. Nenhuma sanção contra a indústria do gás; mas isso, afinal, já seria
impulsionar a estupidez contraproducente da União Europeia para dimensões
galácticas. A Polônia – que culpa histericamente a Rússia por todos os males do
mundo – recebe da Rússia mais de 80% do gás que consome. E 100%, no caso dos
não menos estridentes estados do Báltico, bem como a Finlândia.
O banimento
de bens de duplo uso – que tenham aplicações civis e militares – afetará
pesadamente a Alemanha, principal exportador da União Europeia para a Rússia.
Na defesa, Reino Unido e França sofrerão; o Reino Unido tem nada menos que 200
licenças para vender armas e dispositivos de lançamento de mísseis para a
Rússia. Mas o negócio francês de 1,2 bilhão de euros (US$ 1,6 bilhão) em barcos
Mistral de guerra para a Rússia, esse, prosseguirá normalmente.
Quem é o demônio? |
Enquanto
isso, no front da demonização...
O que a Associated Press publica como se fosse
“análise” e distribui para jornais e jornalistas em todo o mundo é isso: coleção
de clichês desesperadamente à procura de uma ideia. Dmitri Trenin, do Carnegie
Moscou Center, sem trair quem lhe paga as contas, acerta umas
poucas coisas mas, na maioria, erra. David Stockman pelo
menos acerta uma, ao desconstruir as mentiras do
Estado-de-Guerra-Perpétua.
Mas
quem diz tudo, coisa-com-coisa, é, definitivamente, Sergei Glazyev,
conselheiro econômico de Putin. Uma de
suas teses centrais é que o business europeu tem de ser realmente muito
cuidadoso e proteger seus interesses contra as tentativas dos EUA de “incendiar
uma guerra na Europa e uma Guerra Fria contra a Rússia”.
Esse é o conselho
bomba atômica recentíssima (de 10/6/2014), oferecido por um Glazyev composto,
calmo e claro. Assistam atentamente ao vídeo no fim do parágrafo. É
exposição detalhada do que Glazyev vem dizendo já há semanas; misturada com
alguns importantes Comentários no blog do Saker, leva a uma conclusão
inevitável: setores chaves da plutocracia ocidental querem uma guerra ainda não
muito bem definida contra a Rússia. E o Santo Graal do
jornalismo (“nunca acredite em coisa alguma, até que haja desmentido
oficial”) – já o comprovou que querem.
O plano A da
OTAN é instalar baterias de mísseis na Ucrânia; já está sendo discutido em
detalhes nas reuniões preparatórias para a reunião de cúpula da OTAN em Gales
no início de setembro. Desnecessário dizer, se isso acontecer, já estará muito
além da linha vermelha, do ponto de vista de Moscou; implica capacidade para
primeiro ataque junto às fronteiras ocidentais da Rússia.
O plano A
curto de Washington, enquanto isso, é instalar uma cunha entre os federalistas
no leste da Ucrânia e a Rússia. Implica financiar diretamente,
progressivamente, o governo de Kiev, ao mesmo tempo em que vai construindo (via
conselheiros dos EUA que já estão em campo) e armando pesadamente, um enorme
exército “por procuração” para operar à distância (até o final de 2014 serão
500 mil, segundo a projeção de Glazyev). O fechamento da jogada em campo será
cercar os federalistas numa área bem pequena. O presidente Petro Poroshensko da
Ucrânia já anda dizendo que acontecerá no início de setembro. Se não, até o
final de 2014.
Nos EUA e em
grande parte da União Europeia está em curso uma grotesquerie monstruosa,
que apresenta Putin como o novo bin Laden stalinista. Até aqui, a estratégia de
Putin para a Ucrânia tem sido a paciência – que tenho chamado de Vlad Lao Tzu –
assistindo enquanto a gangue
de Kiev se autoenforca, ao
mesmo tempo em que tenta conversar de modo civilizado com a União Europeia para
construir alguma solução política.
Agora talvez
tenha de encarar uma mudança de jogo, porque aumentam as provas, que a
inteligência russa e Glazyev estão fazendo chegar a Putin, de que a Ucrânia é
um campo de batalha; que há movimento organizado para uma “mudança de regime”
em Moscou; que há projeto para desestabilizar a Rússia; que há, até,
possibilidade de uma provocação definitiva.
Os BRICS |
Putin deve
estar enfrentando tentação sobre humana de invadir o leste da Ucrânia em 24
horas e reduzir a pó as milícias de Kiev. Especialmente ante a cornucópia da
demência sempre crescente por ali; mísseis balísticos na Polônia e em breve na
Ucrânia; bombardeio indiscriminado contra civis no Donbass; a tragédia do MH17;
a demonização histérica, pelo ocidente.
A paciência
do urso tem limites
Mas Putin
parece que gosta, mesmo, de jogo demorado. A janela de oportunidade para ataque
relâmpago já passou; aquele movimento de kung
fu que teria paralisado a OTAN onde estivesse, ante um fato consumado, e a
limpeza étnica de 8 milhões de russos e russófonos no Donbass nunca teria se
desenvolvido.
Seja como
for, Putin não “invadirá” a Ucrânia, porque a opinião pública russa não aprova
a invasão. Moscou manterá o apoio ao movimento no Donbass que é uma resistência
de facto. Lembremos que, mais dois meses, menos dois meses, e entrará em
ação o General Inverno naqueles infelizes, saqueados pelo FMI campos ucranianos
A Nova Rota da Seda China-Europa |
O plano
de paz alemão-russo que vazou será
implementado sobre o cadáver coletivo de toda a Washington governamental. Esse
Novo Grande Jogo, em grande medida, também tem a ver com impedir a integração
econômica da Rússia na União Europeia via a Alemanha, parte de uma plena
integração eurasiana, que inclui a China e suas muitíssimas Rotas da Seda.
Se o comércio
da Rússia com a União Europeia – cerca de US$ 410 bilhões em 2013 – deve sofrer
um golpe por causa das sanções, isso também faz pensar em movimento “Para o
Leste!”. Isso implica que a Rússia trabalhará na sintonia fina do projeto
da União Econômica Eurasiana. Nada
mais de Europa Expandida, de Lisboa a Vladivostok – ideia original de Putin.
Entra em cena a União Eurasiana, como irmã em armas das muitas Rotas da Seda da
China. Ainda assim, tudo isso faz pensar numa forte parceria Rússia-China no
coração da Eurásia – e continua a ser anátema total para os Patrões do
Universo.
Que ninguém
se engane: a parceria estratégica Rússia-China continuará a andar muito
rapidamente – com Pequim em simbiose com os imensos recursos naturais e
militares tecnológicos de Moscou. E ainda nem se falou dos benefícios
estratégicos. Problema será explicar por que não aconteceu antes, desde o tempo
de Genghis Khan. Mas Xi Jinping não está interessado em dar uma de Khan e
dominar a Sibéria e o resto todo, adiante.
A Guerra Fria
2.0 é agora inevitável, porque o Império do Caos jamais aceitará a influência
da Rússia sobre partes da Eurásia (como tampouco aceita a influência da China).
E jamais aceitará a Rússia como parceira igual (excepcionalistas não se dão bem
com igualdades). E jamais perdoará Rússia – com China – por ter abertamente
desafiado a já rachada ordem mundial excepcionalista imposta pelos EUA.
Se o estado
profundo nos EUA, guiado por aquelas nulidades que se fazem passar por líderes,
em desespero, der um passo adiante – pode ser um genocídio no Donbass; um
ataque da OTAN contra a Crimeia; ou, no pior cenário imaginável, um ataque
contra a própria Rússia – atenção. Porque o urso golpeará.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é
também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information
Clearing House, Red Voltaire, Counterpunch e outros; é
correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News
Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the
Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of
Baghdad During the Surge, Nimble Books,
2007.
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