domingo, 17 de agosto de 2014

Alguns indicadores sobre a situação no leste da Ucrânia

16/8/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker
Pessoal, acabo de chegar em casa depois de um dia muito louco e não posso escrever um adequado RELATÓRIO DE SITUAÇÃO (SITREP), dentre outros motivos porque a situação no leste da Ucrânia continua muito confusa. Mesmo assim, quero partilhar alguns indicadores, desde já com vocês.

Sobre a “coluna russa destroçada”: Poroshenko vs Carl Sagan

Não se pode provar frase de negação. Mas tampouco sou eu, a tentar a prova impossível. OsUkies e uns poucos repórteres britânicos trabalharam nisso – e APRESENTARAM ZERO PROVAS.

Como Carl Sagan diz tão belamente, “afirmativas extraordinárias exigem provas do outro mundo!”. E a ideia de que a Rússia enviaria só 23 blindados, sem qualquer tipo de proteção, à luz do dia é, sim, ideia do outro mundo.

Como também é ideia do outro mundo que, numa região cheíssima de unidades militares russas, ninguém moveria um dedo para salvar a coluna. Significa que, mesmo que uma unidade russa entrasse por engano na Ucrânia (mais outra ideia do outro mundo, em tempos de GPS e GLONASS!), a ideia de que quem a mandou nada faria para protegê-la ou para tirar de lá os seus próprios soldados é completamente “ideia do outro mundo’. Quanto aos “jornalistas” britânicos, não tinham sequer um celular para mostrar imagens, ruins que fossem, feitas de longe que fossem? Nenhuma imagem?! Mais uma vez, “informação” totalmente “do outro mundo”!

Finalmente, mas nem por isso menos importante, há mais um elemento do “outro mundo” nessa história, mas, nesse, acredito firmemente. Acabo de saber que o Ministério de Relações Exteriores da Grã-Bretanha convocou o embaixador da Rússia na GB, para que dê explicações sobre a incursão russa. Desculpem, mas... Não sei se entendi bem... Desde quando a Ucrânia virou parte do Império Britânico do Commonwealth? O que é que o Foreign Officetem a ver com esse assunto?!

Petro Poroshenko
Não há dúvidas de que há *muitas* colunas de blindados destruídas por todo o Donbass.

De fato, a Resistência não perde ocasião de filmá-las. Hoje, acabo de ver mais um filme (perdoem, mas ainda não há tradução). Assim sendo, é muito provável que os Ukies tenham mostrado tanques queimados aos jornalistas britânicos. Tanques dos Ukie, é claro.

Quanto a Poroshenko, tenta desesperadamente convencer o mundo de que o russos estão chegando, que invadirão amanhã – e que podem invadir usando um comboio humanitário. O que é certo é que, até que me apresentem provas concretas, num cenário crível que explique o que dizem que teria acontecido, continuo com Carl Sagan e descreio logo da história toda, completamente.

Mudança da liderança na Novorrússia

Essa outra é muito extraordinária, mas, diferente da história acima, vem cheia de provas perfeitamente “deste mundo”: não há dúvida possível de que todas as figuras chaves na Novorrússia foram substituídas. Strelkov está vivo e aparentemente não está preso. O que explicaria esses desdobramentos?

Por mais que eu odeie especulações sem base alguma, direi que há duas teorias que, ambas, fazem sentido para mim. Exponho aqui um resumo de cada uma, para discutir; nesse momento não estou endossando nenhuma delas.

Teoria Um: vem por aí algum “grande acordo/negócio”

Nos termos dessa teoria, alguns indivíduos chave no Kremlin e o oligarca Ukie Rinat Akhmetov estão tentando parar a guerra e esculpir a marteladas um acordo pelo qual a Novorrússia continuaria a ser parte de um único estado ucraniano, com ampla autonomia, especialmente em termos culturais, linguísticos, políticos e econômicos. Alguns especulam que a Ucrânia não se integraria à OTAN.

Rinat Akhmetov
Essa teoria é semelhante à do “acordo secreto Putin-Merkel” que circulou recentemente. O mais forte argumento a favor dessa teoria é que desde o início do conflito o objetivo n° 1 de Moscou sempre foi uma Ucrânia unitária, mas neutra e estável, não uma Ucrânia russofóbica, fascista ou convertida em quartel-da-OTAN. A Rússia não quer nem precisa nem da Ucrânia nem, sequer, do Donbass. A única coisa de que a Rússia precisa é um vizinho estável, previsível e seguro logo ali, na sua fronteira leste.

O principal problema com essa teoria é que, para a maioria dos que pegaram em armas contra a Junta nazista, a única coisa que interessa é total e completa separação de Kiev. Não significa, contudo, que essa solução seja inaceitável para a maioria do povo na Novorrússia – dado que a maioria não pegou em armas. Só há um ator que tem meios para pesquisar a opinião da maioria nessa zona de guerra – e é o estado russo. Assim, minha ideia é que só o Kremlin conhece com certeza o que querem a maioria dos novorrussos, ou o tipo de acordo que aceitariam.

Antes de concluir, temos de ser muito claros nesse ponto. Não estamos – repito: NÃO ESTAMOS – discutindo alguma espécie de “rendição”, de “negócio”, de “traição” ou de “punhalada nas costas” dos novorrussos, a ser assinada por Putin. Sim, sim, claro que todos os demonizadores-de-Putin (pagos e gratuitos) apresentariam a coisa como se fosse “traição”; mas até amigo muito próximo de Strelkov, como Pavel Gubarev, disse com máxima clareza que a chance de acontecer algum tipo de traição, é zero. O que estamos dizendo aqui é que pode haver alguma espécie de acordo, de compromisso, aceitável por grande número dos envolvidos (os cidadãos novorrussos não armados, o Kremlin, Rinat Akhmetov, a União Europeia) e não aceitável por outros (Kiev, o Tio Sam, a maior parte dos novorrussos combatentes armados).

Teoria Dois: vem por aí algum “grande contra-ataque

Ao contrário de muitos comentários que li postados aqui nesse blog ao longo dos últimos dias, vejo exatamente zero razões para crer que a Resistência esteja sendo esmagada ou a ponto de ser esmagada. De fato, a partir dos comentários que li, são os Ukies que, com custos altíssimos, conseguiram exatamente nada. Além do mais a retomada de Saur Mogila pelas forças Ukies podem bem resultar em mais um “caldeirão” para serem cozidos. Acrescente-se a isso rumores e “dicas” muito persistentes, vindas de vários comandantes em campo, de que uma grande contraofensiva estaria em preparação, e tenho a sensação de que os Ukies podem, sim, ter chegado ao esgotamento. Por favor, tomem cuidado ao “noticiar” que eu disse que essa hipótese é consistente com dados disponíveis: não estou prevendo que isso acontecerá.

Salve o povo do Donbass da agressão NAZISTA
Mas, por essa hipótese, para explicar a mudança da liderança na Novorrússia, aconteceu que todas as figuras chaves russas-da-Rússia foram substituídas por russos-do-Donbass. A motivação profunda pode ter sido evitar a impressão de que “forças russas estão invadindo a Ucrânia” e, em vez disso, mostrar que “forças ucranianas estão libertando a própria terra”. O melhor argumento em favor dessa hipótese é que, se a Resistência tiver de tomar a ofensiva, precisará de um quartel-general mais complexo, motivo que explica por que Strelkov foi “promovido” a “chefe do gabinete” militar novorrusso.

O melhor argumento contra essa hipótese é que simplesmente não vejo a Resistência que até ontem não passava de milícia de voluntários, convertida em efetiva força militar capaz de ações de nível operacional. Sim: se realmente não há ninguém entre as tropas Ukies no Donbass e Kiev, esse movimento pode ser obtido mediante uma série de engajamentos de nível tático; mas não consigo ver que tal coisa possa acontecer.

Como já disse, não estou apoiando nenhuma das teorias acima; ainda é muito cedo e há excesso de “não sabidos não sabidos” (tomando emprestada expressão de Rumsfeld) para conclusões categóricas. Mas posso dizer que acho a teoria n° 1 muito mais plausível que a teoria n° 2.

Caminhões carregados pela metade

Essa é simples. O comboio russo foi formado de caminhões que carregavam metade da carga máxima, porque se considerou importante que os caminhões fossem leves, com a máxima capacidade de manobra em terrenos difíceis. A carga foi planejada desse modo pelos russos e anunciada, já desde o primeiro dia.

Uma “Maidan nacionalista’ contra Putin no próximo outono

Não sou grande fã da trinca Dugin-Fedorov-Limonov, porque sempre fazem o que chamo de “manchete de pescar otários”: preveem sempre os eventos mais extremos (tipo ataque nuclear dos EUA contra a Rússia), e sempre atraem a máxima atenção possível da massa. Agora, é a história de um revide nacionalista contra Putin. Primeiro, é evidente que essa “previsão” implica que, antes, Putin traia algum interesse nacional russo. Pode acontecer amanhã cedo. Mas até esse momento não há nenhum sinal de que venha a acontecer. Mais uma vez, repito, não gosto de políticos, nunca depus minha confiança em político algum e não espero que ninguém “confie”, menos ainda que “creia” em Putin.

O que estou dizendo é que a teoria segundo a qual amanhã pela manhã Putin “trairá” a Novorrússia ou “venderá” interesses nacionais russos tem a mesma base fatual e lógica que uma teoria que preveja que, amanhã, Putin será visto pela rua dançando Hare-Krishna: zero.

Há IMENSA diferença entre “possível”, “muito provável”, “pouco provável”, “quem sabe?” e “talvez”. “Possível” e “talvez” exigem pouca fundamentação, praticamente, mesmo, nenhuma; mas é irresponsabilidade, é coisa de amador, dizer que algo que é apenas possível, seria “provável”. Em segundo lugar: o índice de aprovação popular de Putin, na Rússia, alcança estratosféricos 87% – é o mais alto de todos os tempos. – E o modo como Putin está lidando com as sanções anti-Rússia o tornou ainda mais popular que antes. Em terceiro lugar: há muitas mentiras e estupidezes escritas por jornalistas na imprensa-empresa em geral, sobre “Putin o Ditador”, mas uma coisa é verdade: Putin tem total controle sobre todos os serviços de segurança da Rússia, e os serviços de segurança da Rússia têm mais poder hoje do que nunca antes.

Por fim, não se pode considerar seriamente a possibilidade de que o povo russo, que está vendo o horror gerado pela Praça Maidan Ukie, venha a inventar uma Maidan-horror “só sua”. É rematada loucura. Meu conselho pessoal é que todos tomemos tudo que Dugin-Fedorov-Limonov digam, com vários metros cúbicos de máxima atenção.

 JORNADA PARA O ABISMO
A contagem regressiva para os estágios 4 e 5 de Dmitri Orlov

Mais uma coisa. Todos esses tópicos são só as proverbiais árvores, que escondem a floresta. A verdadeira história é que estamos vivendo uma contagem regressiva para gigantesca explosão no Banderastão. Todos sabemos que a detonada-Ucrânia está detonada, mas esquecemos o que isso significa e o que realmente significa. Dmitri Orlov, em seu livro – absolutamente fantástico The Five Stages of Collapse [Cinco estágios do colapso] – explica que o colapso ocorre na seguinte sequência de estágios:

  • Estágio 1: colapso financeiro. Acaba-se a fé nos negócios “de sempre”. Não mais se assume que o futuro será semelhante ao passado sob nenhum critério que permita que se avaliem riscos, e já não se pode considerar protegidos os ativos e patrimônios. As instituições financeiras tornam-se insolventes; as poupanças evaporam e perde-se acesso ao capital.

  • Estágio 2: colapso comercial. Acaba-se a fé em que “o mercado proverá”. O dinheiro perde valor e/ou desaparece, as commodities somem do mercado, cadeias de importação e varejo quebram; e passam a ser frequentes os racionamentos de itens de primeira necessidade.

  • Estágio 3: colapso político. Acaba-se a fé em que “o governo cuidará de você”. Como fracassam os esforços oficiais para mitigar as carências generalizadas e a falta de acesso às fontes comerciais dos artigos de primeira necessidade, oestablishment político perde legitimidade e relevância.

  • Estágio 4: colapso social. Acaba-se a fé em que “seu povo cuidará de você”, quando instituições sociais locais, de caridade ou outras, que acorrem para preencher o vácuo de poder, ficam sem recursos ou se autodevoram em conflitos internos.

  • Estágio 5: colapso cultural. Acaba-se a fé na bondade da humanidade. As pessoas perdem a própria capacidade para “gentileza, generosidade, consideração, afeto, honestidade, hospitalidade, compaixão e caridade”. Famílias se desmontam e passam a competir como indivíduos, por recursos escassos. O novo lema passa a ser “Que você morra hoje se, por isso, eu conseguir viver mais um dia”. (Orlov observa, corretamente, que o colapso da URSS não avançou além do estágio 3).

Mas pensem agora na destroçada-Ucrânia governada pela junta nazista de Kiev. Já está, pode-se dizer, no estágio 3; e o colapso econômico ainda nem se completou! Claro, os patrões ocidentais da Junta estão segurando artificialmente o valor da moeda ucraniana (hrivna): alguém já viu a moeda de país em guerra civil permanecer sempre estável, ou praticamente estável? Não existe. Os bancos ocidentais estão comprando aquele papel higiênico imprestável, por razões políticas; e fingem que há empréstimos de curto prazo, para dar a ilusão de que “até aqui, tudo bem”. Mas a realidade vai-se impondo muito, muito depressa.

Nos próximos dois meses, pouco mais, pouco menos, o Banderastão entrará plenamente nos estágios 4 e 5 do modelo de colapso de Orlov; aí, a coisa ficará realmente feia. Naquele ponto, introduzir algum tipo de ditadura é, de fato, inevitável. É isso, ou uma “somalização”. Nos dois casos, será realmente o inferno sobre a terra, e todos deveriam estar atentamente focados exatamente no seguinte: em como se preparar para a absolutamente inevitável explosão.

Quanto à União Europeia, as sanções russas já estão começando a morder. Fundo. Daí que, cada vez mais políticos da UE tentam desesperadamente escalar as paredes do fosso onde eles mesmos se autoenterraram. O mais estranho é que a Rússia, até agora, conseguiu evitar a recessão, apesar da saída de capital especulativo. Oh, é claro: com o tempo, fatores como a recessão na UE, a guerra na Ucrânia e as sanções ocidentais morderão a Rússia; mas é notável o quanto, até aqui, a Rússia está-se saindo melhor do que o previsto.

Resumo da ópera: muito em breve, uma detonada-Ucrânia ou explodirá completamente ou conhecerá novo regime, dessa vez abertamente ditatorial. As economias da UE, já então gravemente feridas e provavelmente começando a padecer sob a combinação desses dois fenômenos, deixarão os EUA sem fantoche viável para usar contra a Rússia. As coisas podem ficar tão feias que se pode imaginar que chegará um momento em que a União Europeia terá ativo interesse em que a Rússia intervenha na Ucrânia.

Por hoje, é isso. Espero que a situação, ainda muito confusa e nebulosa, comece a clarear logo. Quando acontecer, tentarei sentar e escrever RELATÓRIO DE SITUAÇÃO (SITREP) um pouco mais decente.

Saudações a todos,

The Saker

Um comentário:

  1. Essa é demais para eu entender - eu que só raciocino com e pela RE-UNIÃO SOVIÉTICA.

    Parece que os marmanjos estão brincando de faz de conta que o mundo tem dono - de amarelinha,pega pega,chicotim queimado esquecidos de crescer e de entregar o Para Casa bem pontuado na melhor concordância - se continua a brincadeira todo mundo vai tomar bomba na cara e no traseiro, num vice-versa mais que fedido...

    É, quando marmanjo não quer crescer e entrar na idade da razão , naquela de virar gente ,aí então chega a hora dos cagados implorarem para entrar na roda da dança Hare-Krishna e o mundo amanhece na santa paz....rsrsrs

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