segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Começa o fim da guerra na Ucrânia

22/8/2014, [*] MK BhadrakumarIndian Punchline − rediff blogs
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Quando escrevi, domingo passado, que Rússia e União Europeia estão trocando olhares, não supunha, sinceramente, que a coisa pudesse evoluir muito rapidamente. Mas a esperada reunião em Minsk, que acontecerá na próxima 3ª-feira, 26/8/2014, dos presidentes da Rússia Vladimir Putin e Petro Poroshenko, com a chefe da política exterior da União Europeia,  Catherine Ashton, significa que já há tração suficiente para começar a construir a paz na Ucrânia.

Antes, os Ministros de Relações Exteriores da Alemanha, França, Rússia e Ucrânia já se haviam reunido em Berlin há uma semana, quando “todos os aspectos da crise na Ucrânia” foram discutidos e aqueles altos diplomatas quase “conseguiram chegar a alguma tipo de visão comum das coisas que se possa pôr no papel” – nas palavras do ministro Sergey Lavrov de Relações Exteriores da Rússia, em reunião com a imprensa.

Claro que o esqueleto de sustentação de tudo isso foram as conversas a dois entre Putin e a chanceler alemã Angela Merkel.

Recapitulando: o Independent britânico publicou matéria exclusiva, dia 31/7/2014, sobre acerto russo-alemão, pelo qual haveria um “plano secreto”, que fora congelado por causa do tsunami de boatos em torno da (ainda misteriosa) derrubada/queda do avião malaio sobre o leste da Ucrânia; toda essa conversa, pois, parece ter base sólida. (De fato, e muito interessante, a matéria do Independent inglês não foi desmentida por nenhuma das partes lá citadas, até agora).

É razoável supor que, agora que a propaganda anti-Rússia relacionada à tragédia do avião malaio já se esvaziou, Moscou e Berlin estejam retornando, pé ante pé, para a lousa da sala de planejamento.

Angela Merkel e a PM Laimdota Straujuma (Riga, Letônia - 18/8/2014)
Merkel fez importante discurso em Riga dia 18/8/2014, no qual, na essência, exigiu um equilibramento dos interesses de Ocidente e Rússia em torno da Ucrânia; e descartou completamente a ideia de presença permanente da OTAN em área próxima às fronteiras russas. Essas são as duas questões centrais das preocupações russas no tabuleiro de xadrez ucraniano – que o ocidente até agora tem feito de tudo para não reconhecer e insiste em fingir que não vê.

No sábado, Merkel estará viajando para Kiev (data que, por estranha coincidência, marca os 75 anos do famoso pacto de não agressão Molotov-Ribbentrop, assinado dia 23/8/1939). Talvez haja algum simbolismo político nessas datas.

O que ainda não se sabe com certeza é se Merkel está pilotando uma iniciativa alemã (na melhor das hipóteses, franco-alemã) para resolver a questão da Ucrânia, ou se teria o apoio tácito do governo Obama. Verdade é que a direita norte-americana parece estar muito incomodada com Merkel.

A Agência Associated Press anota, em tom cáustico, que os esforços de Merkel para resolver a crise ucraniana

(...) chamam a atenção para a crescente ambição alemã de se autoconverter, de potência econômica, em peso-pesado diplomático (...) enquanto tantas nações europeias [leia-se: a Grã-Bretanha] estão focadas em questões domésticas, e os EUA estão envolvidos em crises em outros pontos do mundo.

O assassinato de James Foley
Pode-se dizer que a nova preocupação dos EUA no Oriente Médio (depois do assassinato do repórter fotográfico norte-americano James Foley pelo ISIL) significaria que a Ucrânia – como a estratégia dos EUA de pivotear-se para a Ásia — estaria superada entre as prioridades da política externa do governo Obama. Talvez sim, porque sou incorrigível otimista; talvez não. Seja como for, neoconservadores da direita estão clamando por intervenção de corpo inteiro, pelos EUA, no Iraque e na Síria. (Por exemplo, leiam o artigo de Zalmay Khalilzad intitulado A Five-Step Plan to Destroy the Islamic State [Plano de cinco passos para destruir o Estado Islâmico (ing.)]).

Ou então, assumindo que Obama não caia nessa armadilha dos neoconservadores, ele pode ter começado a sentir que, em breve, ou pelo menos em prazo bem curto, será preciso consertar os laços entre EUA e Rússia, porque ele terá de contar com a cooperação de Moscou para sua neo-guerra ao terror – que sem dúvida implicará grandes perigos para a “segurança da pátria” dos EUA – a ser guerreada contra o ISIL (que o próprio Obama descreveu como “um câncer” a ameaçar todo o Oriente Médio e que não tem lugar no século XXI).

Isso tudo considerado, estamos num momento de definição na dinâmica do poder global. O resultado da reunião de estadistas na Bielorrússia que começa na 3ª-feira (26/8/2014) nos dará uma boa chave para identificar de que lado estão soprando os ventos, modulando a correlação de forças na política global.

Assim sendo, o que pode estar em preparação para a Ucrânia? Parece perfeitamente razoável que a Rússia deseje fim imediato do ataque militar contra os “separatistas” no leste da Ucrânia. E Washington não tem feito outra coisa além de ordenar que Kiev ataque sem descanso. Mas isso pode estar começando a mudar.

Angela Merkel e Vladimir Putin
Se acontecer, Rússia e Alemanha ganharão espaço para respirar e enfiar por aquele território uma trilha de paz, que Putin e Merkel podem estar refinando lá entre os dois. Até aqui, Washington não faz outra coisa além de minar qualquer tentativa nascente de diálogo intraucraniano. Mas esse tipo de “rejeicionismo” pode também já não ser sustentável, se a Alemanha decidir jogar todo seu peso a favor do processo que leve ao diálogo.

Em resumo, se estamos interpretando corretamente os sinais, é possível que já se ouçam os primeiros tambores da retirada do Tio Sam.

O conhecido estrategista russo Boris Kagarlitsky publicou coluna, em seu estilo caracteristicamente de provocação, em que dá várias pistas sobre a trama inacreditavelmente complexa das manobras em curso no leste da Ucrânia.

Seja como for, o Kremlin ainda não precisou jogar todos os seus trunfos.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff blogs. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.

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