sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Egito: Propagandistas pró-Sisi e o massacre de Gaza

29/8/2014, [*] Joseph MassadElectronic Intifada
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido na Birosca do Fumacê na Vila Vudu: Estranho, mas... o “Egito”, que faz propaganda contra Gaza, como se lê aí, é IGUALZINHO, sem tirar nem por, ao Canal GloboNews, que TAMBÉM vive de propaganda contra Gaza! :-O



Enquanto a máquina assassina de Israel inflige terror e morte ao povo palestino com a colaboração do governo dos EUA e de seus principais aliados árabes, dentre os quais se destaca o clã saudita de 20 mil príncipes e princesas, vasta campanha de ódio em nível oficial e não oficial está sendo conduzida também no Egito.

O regime egípcio é dos maiores carcereiros dos palestinos de Gaza – o maior campo de concentração do mundo.

Yasser Arafat
O herdeiro de Hosni Mubarak no trono egípcio, general Abdel Fattah al-Sisi, expressou bem as mentiras que a classe de ladrões que governa o Egito está propagandeando no Egito desde as campanhas antiárabes e antipalestinos de meados dos anos 1970 no governo do presidente Anwar Sadat.

O nada carismático Sisi, cujas habilidades oratórias comparam-se às de Yasser Arafat, anunciou com muita pompa em seu discurso do dia 23 de julho de 2014 marcando o aniversário da derrubada da monarquia em 1952, que o Egito já sacrificara “100 mil mártires egípcios à causa palestina”.

Embora poucos duvidem dos sacrifícios que os soldados egípcios têm feito para defender o Egito nos últimos 67 anos, pretender que aqueles sacrifícios teriam sido feitos em nome da causa palestina e dos palestinos é o cúmulo da hipocrisia.

Gamal Abdel Nasser
Essa é uma linha de argumento que a classe governante dos ladrões egípcios vêm propagando, para “argumentar” que a situação terrível da economia egípcia e a miséria que assola o país não seriam efeito da pilhagem descomunal, por aquela mesma classe governante, com a ajuda de seus patrocinadores norte-americanos e sauditas desde os anos 1970s, mas uma espécie de “saldo”, depois de uma alegada defesa da Palestina e dos palestinos e de um alegado compromisso que o presidente Gamal Abdel Nasser teria assumido de libertar os palestinos da ocupação colonial israelense.


Falso governo e escandalosa pilhagem

Desde os anos 1970s, os palestinos têm sido submetidos a essas mentiras e à vacuidade e ao espalhafato e à pilhagem, por essa classe governante egípcia, que não passam de ignorantões semianalfabetos. A falta de educação e de modos civilizados daquela gente esteve sempre à vista do mundo nos três últimos anos de propaganda e agitação contrarrevolucionárias nas suas próprias redes de televisão e em todos os veículos de imprensa-empresa que pertencem, todos, a eles mesmos.

A forma e o conteúdo dessa “comunicação” causaria vergonha e embaraço a qualquer grupo que se desse ao respeito, de intelectuais, jornalistas e artistas – se a maioria dos intelectuais e artistas egípcios já não estivessem ou presos ou subornados para defenderem exclusivamente aqueles interesses de classe (e vários dos que foram presos por apoiar o regime deposto, especialmente acadêmicos, já começaram a fazer meia volta e estão reescrevendo seus escritos para negar o que antes afirmavam).

Abdel Fattah al-Sisi (1º à esquerda) “et catærva”

A degradação da cultura e da produção intelectual e estética no Egito nos últimos 40 anos é resultado direto do mando daquela classe governante de ladrões tirânicos. Basta sentar-se com esses empresários e suas mulheres nas casas deles, ou assistir a filmes e seriados egípcios dos quais eles são os personagens, e aproximar-se da cultura que eles querem impor através daqueles filmes e seriados, ou ouvir o que conversam em qualquer bar ou restaurante dos hotéis cinco-estrelas no Cairo, ou assistir às entrevistas que dão aos canais da horrenda televisão egípcia, para perceber a espantosa e insuperável mediocridade e baixo nível crítico do pensamento econômico e político daquela gente, e do gosto, e, isso, para nem falar da vastíssima ignorância que exibem de toda a literatura & arte egípcia, árabe, universal – além do invencível, indisfarçável desprezo que manifestam pelos pobres egípcios – que são mais de 80% da população.

Que essa gangue invejosa e ciumenta, essa classe de super ricos, inveje e pense em tomar por assalto até os mais pobres dos pobres, para privá-los do quase nada que têm, sobretudo os palestinos de Gaza, mostra bem o tipo de (a)moralidade que orienta as ações deles.

Nassef Sawiris
Lembro ainda do horror que senti quando, num jantar no Cairo em outubro de 2010 com o bilionário Nassef Sawiris, o homem mais rico do Egito, o homem anunciou com muito orgulho às sete pessoas que jantávamos ali, que mantém três televisões ligadas ao mesmo tempo, no escritório, em casa e em viagem, sintonizadas cada uma em um canal de notícias dos EUA (se lembro bem, CNN, CNBC e Fox News). Evidentemente, eram as suas fontes de “informação” e de “educação”.

Sawiris, que é menos exibicionista que seus irmãos mais velhos, fez ar de quem absolutamente não acreditava, quando eu lhe disse que faço oposição às políticas dos EUA, interna e externa: para ele, nada existe, no mundo, em matéria de posição política, à esquerda de Barack Obama.

Em entrevista recém-publicada que concedeu ao jornal pro-Sisi Al-Masry Al-Youm, Sawiris elogiou Sisi por retirar os subsídios ao combustível para os mais pobres (mas manteve o mesmo preço baixo para gasolina para carros de luxo dos ricos), e repetiu várias recomendações neoliberais – desvalorizar ainda mais a libra egípcia; privatizar o transporte público; acabar com impostos para os ricos (os quais, diz ele, o governo do deposto presidente Muhammad Mursi teria imposto ilegalmente à sua empresa); proteger ministros e funcionários públicos, para que não sejam investigados em nenhum caso; e permitir que se use carvão para alimentar fábricas de cimento – contra o quê há oposição massiva de ativistas pró preservação ambiental e de profissionais de saúde pública.

Hosni Mubarak (em cana)
São medidas que enriquecerão ainda mais o 1% e empobrecerão ainda mais os mais miseráveis (o irmão mais velho de Nassef, mais bon-vivant, mas mais pobre, Naguib, ganhou uma coluna semanal no jornal egípcio Al-Akhbar na qual reitera as recomendações neoliberais do irmão. Em entrevista a um canal de televisão, pediu a Sisi que anistie Mubarak e o liberte da prisão.

É tudo mentira. Ficção, pura invenção

O que Sisi e a classe à qual está aliado estão querendo implantar na opinião pública é que todas as guerras do Egito com Israel teriam sido feitas para defender a Palestina e os palestinos e que foram imensamente custosas para o Egito, em dinheiro e em vidas de soldados. É tudo mentira.

Em 1956, Israel invadiu o Egito e ocupou o Sinai, e os soldados egípcios que foram mortos morreram quando defendiam o próprio país contra Israel; em 1967, Israel novamente invadiu o Egito e ocupou o Sinai, e os soldados egípcios que morreram defendendo o próprio país contra invasão estrangeira, outra vez, portanto, contra Israel; entre 1968 e 1970, Israel e Egito combateram a “Guerra de Atrito” na qual soldados egípcios foram mortos defendendo o próprio pais mais uma vez contra Israel e a continuada agressão dos israelenses que tentavam preservar a ocupação que ainda lá estava, dos israelenses, no Sinai – essa guerra foi combatida em solo egípcio; e em 1973, o Egito fez guerra para libertar o Sinai, não a Palestina, e mais uma vez muitos soldados egípcios foram mortos defendendo o próprio país contra a ocupação israelense.

Faruc, rei do Egito
Assim, ficamos com a guerra de 1948, na qual, dependendo das fontes, alguma coisa entre mil e dois mil soldados e voluntários egípcios foram mortos. Essa intervenção militar egípcia para impedir que os sionistas continuassem a expulsar palestinos e para fazer parar o roubo de terras palestinas pelos sionistas foi lançada não por Nasser, que é culpado pelo apoio só retórico aos palestinos, mas pelo rei Faruc.

Como atestam muitos estudos sobre os motivos que levaram Faruc e seu governo a intervir na Palestina, a ação foi resultado da preocupação de Faruc com a posição do Egito como líder regional; do medo da rivalidade iraquiana, muito mais que como alguma modalidade de nacionalismo ou solidariedade árabes.

À parte esses motivos, muitos palestinos sabem que os soldados e voluntários egípcios que morreram naquela luta morreram, sim, defendendo a Palestina e os palestinos, ainda que os soldados que ali havia o fizessem para cumprir ordens que visavam a defender, antes, a hegemonia regional do Egito. Mas essa é a única guerra na qual morreram soldados e voluntários egípcios que defendiam a Palestina, e aos quais o povo palestino e seu movimento nacional já expressou muita gratidão.

Anuar el-Sadat
Transformar esses mil ou dois mil soldados e voluntários em “100 mil mártires”, como mentiu Sisi, é ficção, pura invenção, que os ladrões da classe governante egípcia e seus intelectuais alugados e propagandistas pagos na imprensa puseram-se a repetir na imprensa depois dos acordos de Camp David que Sadat urdiu em 1978, e pelos quais sacrificou os direitos do povo palestino, inclusive dos palestinos de Gaza, em troca de o Egito receber um controle não soberano, parcial e só policial do Sinai.

Nada disso implica sugerir que milhões de egípcios, civis e soldados, não apoiem ou não venham a apoiar a Palestina e os palestinos, ou que não lutariam pela Palestina e pelos palestinos, como tantas vezes dizem que lutam e lutariam. Isso é para dizer que, exceto pelas batalhas de 1948, nenhum egípcio teve sequer a chance de defender os palestinos no campo de batalha. E é para continuar a negar-lhes essa chance que os ladrões que hoje governam o Egito construíram e mantêm a atual campanha de propaganda anti-Palestina e o discurso de ódio que todas as televisões que pertencem a eles não param de vomitar dia e noite.

Se se ouve essa propaganda incansável pelas televisões, é-se levado a pensar que foram os palestinos que ocuparam o Sinai, não o Egito que assumiu e governou Gaza de 1948 a 1967, e impôs sítio intermitente no início e, na sequência, nos últimos oito anos, impôs  sítio completo e continuado.

Apesar das massivas campanhas pela mídia, os egípcios não deixam de apoiar os palestinos, seja em manifestações contra a cumplicidade do regime de Sisi nos massacres – o que se tem visto sem parar nas duas últimas semanas – seja pelas caravanas que levam remédios a Gaza – que os soldados de Sisi não deixam passar e mandam voltar.

Egípcios protestam contra Israel e são reprimidos pelo governo Sisi
Suicídio intelectual em massa

Nesse contexto, é crucial compreender que a classe de ladrões que hoje governa o Egito é o principal e primeiro inimigo, não do povo palestino, mas da maioria dos egípcios que os mesmos ladrões oprimem, exploram, assaltam, roubam e humilham diariamente. O fato de que os inimigos dos palestinos no Egito são também os inimigos da maioria dos egípcios é verdade que tem sido ocultada pelo papel que cumpre a malta que opera como claque de apoio do regime Sisi.

O suicídio intelectual em massa que a maioria dos intelectuais e artistas egípcios (nasseristas, marxistas, liberais e salafistas) cometeram, quando abdicaram de suas faculdades críticas e passaram a apoiar – ou não protestaram contra – os massacres e a repressão desencadeada pelo governo Sisi, para nem falar do silêncio canalha nas campanhas contra os pobres egípcios e os palestinos, faz recordar o suicídio cometido pelos comunistas egípcios quando, em 1964, abandonaram o próprio partido para unir-se à União Socialista de Nasser.

Nesse grupo incluem-se, desde o economista marxista e infatigável defensor de Sisi, Samir Amin, até figuras menos ilustres como Alaa al-Aswany, romancista e adversário de Mubarak, e o economista Galal Amin e escritores e poetas, Sonallah Ibrahim, Abd al-Rahman al-Abnudi, Bahaa Taher e muitos e muitos outros.

Samir Amin
O suicídio dos comunistas egípcios em 1964, contudo, explicou-se, porque os comunistas entendiam que a repressão nasserista, embora lamentável, visava, no limite, a servir ao projeto comum de nacionalização e socialização da propriedade para erradicar a pobreza egípcia. Permanece absolutamente indecifrável, inexplicável, a razão pela qual intelectuais egípcios contemporâneos estão novamente cometendo suicídio coletivo, para apoiar a classe de ladrões que governa hoje o Egito.

O massacre de Gaza é “plano B”

Que Sisi já tenha superado Mubarak nas políticas de aliar-se com Israel e agir coordenadamente no sítio aos palestinos não é surpresa para ninguém, porque Sisi sempre serviu à mesma classe e aos mesmos interesses aos quais Mubarak servia. Diferente é, porém, a concordância do Hamás e a submissão ao que Mubarak ordena.

É hoje claro que o massacre que Israel inflige aos palestinos hoje sempre foi o Plano B; o Plano A era uma possível invasão de Gaza, pelo Egito, por terra, que o governo Sisi ameaçou levar avante há alguns meses, depois de ter destruído os túneis de sobrevivência de Gaza (aconteceu antes das eleições fraudadas que levaram Sisi ao poder), presumivelmente com ajuda dos israelenses, com o objetivo ostensivo de reinstalar Muhammad Dahlan como senhor-da-guerra em Gaza e livrar-se do Hamás e da resistência palestina.

O chefe da inteligência do Egito esteve em visita a Israel poucos dias antes do início dos massacres de palestinos; e, poucos dias antes, três oficiais de inteligência do Egito também lá estiveram: são as únicas pistas que há, a serem investigadas, de que, sim, Israel e o Egito trabalharam coordenadamente.

Autoria de Alfredo Karras

O sadismo e o narcisismo são traços da cultura colonial dominante dos israelenses e que se manifestaram em comícios, com israelenses gritando “morte aos árabes”, e nos grupos de habitantes das colônias israelenses instalados em cadeiras e poltronas para assistir e festejar, do alto das colinas, o massacre de palestinos. São traços só comparáveis à propaganda sádica, de ódio, que a imprensa do regime de Sisi distribui; e ao que diz e faz a classe de ladrões que governa o Egito.

De fato, mesmo enquanto prossegue o massacre de palestinos de Gaza por Israel, o exército egípcio anunciou dia 27/7/2014 que destruíra mais 13 túneis entre Gaza e o Egito; provavelmente, é parte de sua heroica contribuição à opressão dos palestinos.

Quanto ao “cessar-fogo” que Sisi ofereceu depois de o massacre de palestinos já durar uma semana, e ideia que lhe foi repassada por seus aliados israelenses, foi muito corretamente rejeitado pelo povo palestino, a favor de uma resistência militar potente contra a criminalidade de seus agressores israelenses colonialistas e a favor de valente resistência política e diplomática ante a crueldade de seus carcereiros egípcios.
________________

[*] Joseph Massad Andoni (em árabe: جوزيف مسعد) (nasceu na Cisjordânia em 1963) leciona Política Árabe Moderna e História Intelectual na Universidade de Columbia em New York. Seu trabalho acadêmico tem se concentrado em Palestina, Jordânia e no nacionalismo israelita. Tornou-se muito conhecido por seu livro Desiring Arabs (2007), sobre representações do desejo sexual no mundo árabe. Recebeu seu PhD em Ciência Política pela Columbia em 1998. É autor, entre outras obras, de: Colonial effects: the making of national identity in Jordan (2001); The Persistence of the Palestinian Question: Essays on Zionism and the Palestinians (2006); Islam in Liberalism(2007) e numerosos artigos distribuídos em importantes publicações nos EUA e no exterior

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.