domingo, 3 de agosto de 2014

Pepe Escobar: “Plutocracia ocidental atira-se à caça ao urso”

1/8/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Começou a caça ao urso...
O status quo pós-Guerra Fria na Europa Ocidental está morto.

Para a plutocracia ocidental, aquele 0,00001% do topo, os reais Patrões do Universo, a Rússia é a meta final; tesouro imenso de recursos naturais, florestas, água limpa, minérios, petróleo e gás. Mais do que suficiente para levar ao êxtase qualquer jogo de guerra orwelliano/ Panopticon NSA-CIA. Como meter as garras e lucrar de tão formidável butim?

Entra em cena a OTAN-Globocop. Nem bem acabaram de terem seus traseiros coletivos chutados por um bando de guerrilheiros de montanha armados com Kalashnikovs, os exércitos da Organização do Tratado Atlântico Norte já lá se vão, pivoteando-se rápido – o mesmo velho jogo Mackinder para Brzezinski – para a Rússia. O mapa do caminho será arrematado na reunião do grupo no início de setembro em Gales.

Entrementes, a tragédia do MH17 passa por rápida metamorfose. Se se combinam (I) as observações no local feitas por investigador canadense da Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE) (assistam cuidadosamente ao vídeo − legendado em inglês – no fim do parágrafo) e (II) a análise feita por um piloto alemão,surge forte probabilidade que aponta para um jato Su-25 ucraniano que disparou canhão automático de 30mm contra a cabine do MH17, o que levou a descompressão massiva e à queda.


Nada de míssil – nem mesmo algum R-60M ar-ar, e nem se fala de BUK (estrela da boataria inicial frenética disparada pelos norte-americanos). A nova possível narrativa combina perfeitamente com o que disseram testemunhas oculares em matéria da BBC (vídeo − legendado em inglês − no fim do parágrafo) agora famosa por ter sido “desaparecida” da página da BBC. Resumo da ópera: o caso MH17 tem tudo para ter sido operação de falsa bandeira, desgraçadamente planejada pelos EUA e desgraçadamente executada por Kiev. Não se consegue nem imaginar as repercussões geopolíticas tectônicas se, por acaso, todo o “plano” for exposto em todos os verdadeiros pormenores.


A Malásia entregou os gravadores de voo aos britânicos, o que significa “OTAN”, o que significa que serão manipulados pela CIA. O voo AH5017 da Air Algerie caiu depois do MH17. A análise dos gravadores já foi divulgada. Só falta explicar por que é preciso tanto tempo para analisar/apagar/reescrever os registros das caixas prestas do MH17.

E aí começa o jogo das sanções: a Rússia é culpada de tudo – sem prova alguma – então tem de ser castigada. A União Europeia seguiu abjetamente a Voz do Dono e adotou todas as sanções mais linha-dura contra a Rússia que discutiram semana passada.

Mas há buracos. Moscou terá acesso reduzido aos mercados de dólar norte-americano e euro. Bancos estatais russos estão proibidos de vender ações ou títulos do ocidente. Mas o Sberbank, maior banco da Rússia, não foi sancionado.

Quer dizer: no curto e no médio prazo, a Rússia terá de se autofinanciar. Ora, bancos chineses podem facilmente suprir esse tipo de empréstimo. Não esqueçam a parceria estratégica Rússia-China. Como se Moscou precisasse de mais algum aviso de que o único modo de seguir adiante é afastando-se cada vez mais do sistema do dólar norte-americano.

Países da União Europeia serão atingidos. Coisa grossa. A British Petroleum é dona de 20% da Rosneft, e já está com a boca no trombone. ExxonMobil, Statoil norueguesa e Shell também serão afetadas. Nenhuma sanção contra a indústria do gás; mas isso, afinal, já seria impulsionar a estupidez contraproducente da União Europeia para dimensões galácticas. A Polônia – que culpa histericamente a Rússia por todos os males do mundo – recebe da Rússia mais de 80% do gás que consome. E 100%, no caso dos não menos estridentes estados do Báltico, bem como a Finlândia.

O banimento de bens de duplo uso – que tenham aplicações civis e militares – afetará pesadamente a Alemanha, principal exportador da União Europeia para a Rússia. Na defesa, Reino Unido e França sofrerão; o Reino Unido tem nada menos que 200 licenças para vender armas e dispositivos de lançamento de mísseis para a Rússia. Mas o negócio francês de 1,2 bilhão de euros (US$ 1,6 bilhão) em barcos Mistral de guerra para a Rússia, esse, prosseguirá normalmente.

Quem é o demônio?
Enquanto isso, no front da demonização...

O que a Associated Press publica como se fosse “análise” e distribui para jornais e jornalistas em todo o mundo é isso: coleção de clichês desesperadamente à procura de uma ideia. Dmitri Trenin, do Carnegie Moscou Center, sem trair quem lhe paga as contas, acerta umas poucas coisas mas, na maioria, erra. David Stockman pelo menos acerta uma, ao desconstruir as mentiras do Estado-de-Guerra-Perpétua.

Mas quem diz tudo, coisa-com-coisa, é, definitivamente, Sergei Glazyev, conselheiro econômico de Putin. Uma de suas teses centrais é que o business europeu tem de ser realmente muito cuidadoso e proteger seus interesses contra as tentativas dos EUA de “incendiar uma guerra na Europa e uma Guerra Fria contra a Rússia”.

Esse é o conselho bomba atômica recentíssima (de 10/6/2014), oferecido por um Glazyev composto, calmo e claro. Assistam atentamente ao vídeo no fim do parágrafo. É exposição detalhada do que Glazyev vem dizendo já há semanas; misturada com alguns importantes Comentários no blog do Saker, leva a uma conclusão inevitável: setores chaves da plutocracia ocidental querem uma guerra ainda não muito bem definida contra a Rússia. E o Santo Graal do jornalismo (“nunca acredite em coisa alguma, até que haja desmentido oficial”) – já o comprovou que querem.


O plano A da OTAN é instalar baterias de mísseis na Ucrânia; já está sendo discutido em detalhes nas reuniões preparatórias para a reunião de cúpula da OTAN em Gales no início de setembro. Desnecessário dizer, se isso acontecer, já estará muito além da linha vermelha, do ponto de vista de Moscou; implica capacidade para primeiro ataque junto às fronteiras ocidentais da Rússia.

O plano A curto de Washington, enquanto isso, é instalar uma cunha entre os federalistas no leste da Ucrânia e a Rússia. Implica financiar diretamente, progressivamente, o governo de Kiev, ao mesmo tempo em que vai construindo (via conselheiros dos EUA que já estão em campo) e armando pesadamente, um enorme exército “por procuração” para operar à distância (até o final de 2014 serão 500 mil, segundo a projeção de Glazyev). O fechamento da jogada em campo será cercar os federalistas numa área bem pequena. O presidente Petro Poroshensko da Ucrânia já anda dizendo que acontecerá no início de setembro. Se não, até o final de 2014.

Nos EUA e em grande parte da União Europeia está em curso uma grotesquerie monstruosa, que apresenta Putin como o novo bin Laden stalinista. Até aqui, a estratégia de Putin para a Ucrânia tem sido a paciência – que tenho chamado de Vlad Lao Tzu – assistindo enquanto a gangue de Kiev se autoenforca, ao mesmo tempo em que tenta conversar de modo civilizado com a União Europeia para construir alguma solução política.

Agora talvez tenha de encarar uma mudança de jogo, porque aumentam as provas, que a inteligência russa e Glazyev estão fazendo chegar a Putin, de que a Ucrânia é um campo de batalha; que há movimento organizado para uma “mudança de regime” em Moscou; que há projeto para desestabilizar a Rússia; que há, até, possibilidade de uma provocação definitiva.

Os BRICS
Moscou, aliada aos BRICS, trabalha ativamente para escapar do sistema do dólar norte-americano – que é a âncora de uma economia de guerra dos EUA baseada na impressão de grandes quantidades de papel verde sem valor real. O progresso é lento, mas tangível; não só os BRICS, mas também aspirantes aos BRICS, o G-77, o Movimento dos Não Alinhados (MNA), todo o Sul Global estão absolutamente fartos dos desmandos e provocações ininterruptas do Império do Caos, e querem outro paradigma nas relações internacionais. Os EUA contam com a OTAN – que manipulam à vontade – e com Israel-cachorro-louco; e talvez com o Conselho de Cooperação do Golfo, as petromonarquias sunitas parceiras na carnificina em Gaza, que podem ser compradas/silenciadas com um tapinha na mão.

Putin deve estar enfrentando tentação sobre humana de invadir o leste da Ucrânia em 24 horas e reduzir a pó as milícias de Kiev. Especialmente ante a cornucópia da demência sempre crescente por ali; mísseis balísticos na Polônia e em breve na Ucrânia; bombardeio indiscriminado contra civis no Donbass; a tragédia do MH17; a demonização histérica, pelo ocidente.

A paciência do urso tem limites

Mas Putin parece que gosta, mesmo, de jogo demorado. A janela de oportunidade para ataque relâmpago já passou; aquele movimento de kung fu que teria paralisado a OTAN onde estivesse, ante um fato consumado, e a limpeza étnica de 8 milhões de russos e russófonos no Donbass nunca teria se desenvolvido.

Seja como for, Putin não “invadirá” a Ucrânia, porque a opinião pública russa não aprova a invasão. Moscou manterá o apoio ao movimento no Donbass que é uma resistência de facto. Lembremos que, mais dois meses, menos dois meses, e entrará em ação o General Inverno naqueles infelizes, saqueados pelo FMI campos ucranianos

A Nova Rota da Seda China-Europa
O plano de paz alemão-russo que vazou será implementado sobre o cadáver coletivo de toda a Washington governamental. Esse Novo Grande Jogo, em grande medida, também tem a ver com impedir a integração econômica da Rússia na União Europeia via a Alemanha, parte de uma plena integração eurasiana, que inclui a China e suas muitíssimas Rotas da Seda.

Se o comércio da Rússia com a União Europeia – cerca de US$ 410 bilhões em 2013 – deve sofrer um golpe por causa das sanções, isso também faz pensar em movimento “Para o Leste!”. Isso implica que a Rússia trabalhará na sintonia fina do projeto da União Econômica Eurasiana. Nada mais de Europa Expandida, de Lisboa a Vladivostok – ideia original de Putin. Entra em cena a União Eurasiana, como irmã em armas das muitas Rotas da Seda da China. Ainda assim, tudo isso faz pensar numa forte parceria Rússia-China no coração da Eurásia – e continua a ser anátema total para os Patrões do Universo.

Que ninguém se engane: a parceria estratégica Rússia-China continuará a andar muito rapidamente – com Pequim em simbiose com os imensos recursos naturais e militares tecnológicos de Moscou. E ainda nem se falou dos benefícios estratégicos. Problema será explicar por que não aconteceu antes, desde o tempo de Genghis Khan. Mas Xi Jinping não está interessado em dar uma de Khan e dominar a Sibéria e o resto todo, adiante.

A Guerra Fria 2.0 é agora inevitável, porque o Império do Caos jamais aceitará a influência da Rússia sobre partes da Eurásia (como tampouco aceita a influência da China). E jamais aceitará a Rússia como parceira igual (excepcionalistas não se dão bem com igualdades). E jamais perdoará Rússia – com China – por ter abertamente desafiado a já rachada ordem mundial excepcionalista imposta pelos EUA.

Se o estado profundo nos EUA, guiado por aquelas nulidades que se fazem passar por líderes, em desespero, der um passo adiante – pode ser um genocídio no Donbass; um ataque da OTAN contra a Crimeia; ou, no pior cenário imaginável, um ataque contra a própria Rússia – atenção. Porque o urso golpeará.



[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire, Counterpunch e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
 Obama Does Globalistan,  Nimble Books, 2009.

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