A crescente onda de propaganda anti-Rússia
3-5/4/2015, [*] Brian Cloughley, Counterpunch
The Rising Swell of Anti-Russian Propaganda
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Voutenay sur Cure, França
Nova sede do Banco Central Europeu em Frankfurt (em construção) |
A cidade de Frankfurt, na Alemanha, é o maior centro financeiro da Europa e abriga a Bolsa de Valores do país, incontáveis outras instituições financeiras e a sede do Banco Central Europeu (BCE), responsável pela administração da política monetária das 18 nações da Eurozona. O lugar ferve de tanto dinheiro, como se vê pelo riquíssimo novo prédio-sede do BCE, que está custando uma fortuna.
O preço original do enorme palácio do BCE esteve estimado em 500 milhões de euros, cerca de 550 milhões de dólares, mas a conta, já se sabe, chega a 1,3 bilhões de euros (£930 milhões; US$ 1,4 bilhões). Esse fiasco escandalosamente caro foi coordenado pelas mesmas pessoas às quais cabe comandar os rumos financeiros de 18 nações e seus 500 milhões de desgraçados cidadãos. Se os talentos do BCE para administrar as próprias contas são os mesmos com que administra o dinheiro da Europa, se controla gastos pelo mundo, como controla a construção das suas duas novas torres monstro, então a Europa entrou em trilha de desastre certo.
Muito estranhamente, o BCE não é o único que está pagando pelo boom de construções burocráticas na Europa. Há outra organização que tem sede na Europa e ambição só comparável à própria incompetência, que também está construindo prédio-sede majestosamente luxuoso e caro, com custos escandalosamente altos, sobre os quais reina o mais impenetrável silêncio “jornalístico”.
Quem comanda mais essa farsa vergonhosa é a OTAN, Organização de EUA-Canadá-Europa do Tratado do Atlântico Norte, que está caindo fora do Afeganistão ainda lambendo as próprias feridas, depois de ter tentado derrotar um bando de milicianos calçados com sandálias e vestidos em farrapos, que deram muito trabalho às super tecnológicas forças do “ocidente”, numa guerra cujo resultado se podia prever facilmente. Mas o fracasso no Afeganistão não serviu para dar melhor foco aos zelosos líderes da OTAN, que agora se puseram a provocar a Rússia, na tentativa de encontrar alguma justificativa para a existência daquele seu dinossauro em cacos, sangrando por mil feridas e derrotado.
O problema da OTAN não é só perder as guerras em que se intromete, mas que, depois de cada guerra em que é derrotada, a OTAN imediatamente se põe a procurar novas guerras nas quais se intrometer — a ser comandadas do alto do novo prédio-mamute coberto de lantejoulas e desavergonhadamente caro, com custos que já ultrapassaram todas as provisões.
Guerra como todas as guerras da OTAN
A operação “Protetor Unificado” da OTAN para derrubar o líder líbio Muammar Gaddafi envolveu massiva blitz aérea, de 9.658 ataques aéreos que culminaram com o assassinato de Gaddafi — e causaram o colapso da Líbia, entregue a bandos de fanáticos tresloucados do bárbaro Estado Islâmico que, hoje, já se constituíram e estabeleceram-se.
Líbia antes e depois da “intervenção humanitária”
dos EUA - União Europeia e OTAN
(clique na imagem para aumentar)
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Apesar do horror da catástrofe que a OTAN gerou na Líbia, é impossível não rir do trabalho de Ivo H. Daalder e James G Stavridis, que, em 2012, publicaram análise “aprofundada” na revista Foreign Affairs sob o título de “A vitória da OTAN na Líbia”. Os dois “sábios” escreveram que:
(...) a operação da OTAN na Líbia foi saudada, com justiça, como uma intervenção modelo.
O envolvimento da OTAN na Líbia demonstrou que a aliança ainda é fonte essencial de estabilidade.
(...) A OTAN talvez ainda demore uma década, para replicar sucesso equivalente ao que obteve na Líbia. Os membros da OTAN devem portanto usar a reunião de cúpula de Chicago para fortalecer a aliança e assegurar que a partilha dos sacrifícios que tão bem funcionou na Líbia – e continua a funcionar bem no Afeganistão hoje – passe a ser a regra, não a exceção.
Fato é que absolutamente nada funciona bem, nem na Líbia, nem no Afeganistão hoje, dois anos depois da aplicada defesa feita por Daalder-Stavridis da tal “a partilha dos sacrifícios”, e é óbvio que a OTAN foi e ainda é o oposto de “fonte de estabilidade” nesses dois desgraçados países.
Em outubro de 2005 escrevi que:
(...) a OTAN vai aumentar o número de soldados no Afeganistão para 15 mil e seu secretário-geral diz que, em vez de atuar como força de manutenção da paz, os soldados da aliança assumirão as funções de combate que competiam aos soldados dos EUA, o que é perfeita loucura.
(...) a insurgência no Afeganistão continuará até que todas as tropas estrangeiras saiam do país, não importa a nacionalidade delas. Depois de algum tempo, o governo de Cabul entrará em colapso e haverá anarquia, até que algum senhor-da-guerra, brutal, sem lei, milionário do ópio e da heroína, chegue ao poder. Ele governará o país como sempre foi governado pelos afegãos: com ameaças, ferocidade religiosa, chantagem, corrupção e selvageria total, em todos os campos onde seja possível governar assim sem revide. E a mais recente ocupação estrangeira será também lembrança e nada mais.
O número de soldados de EUA-OTAN no Afeganistão foi reduzido, de um pico de 130 mil, para cerca de 13 mil, dos quais 10 mil são norte-americanos, mas o novo QG da OTAN em construção em Bruxelas só cresce em tamanho e custos. O orçamento aprovado para o complexo-gigante era de 460 milhões de euros (US$ 500 milhões) em 2010; hoje já ultrapassa € 1,25 bilhões, cerca de US$ 1,4 bilhões de dólares.
Quartel-General da OTAN em Bruxelas (em construção) |
A revista alemã Der Spiegel noticiou em janeiro que o escândalo dos custos gigantes estava sendo mantido em segredo por todos os governos que contribuem para manter a OTAN. Um telegrama vazado do embaixador alemão explicava que, numa reunião de representantes da OTAN em dezembro passado,
(...) falou-se do efeito desastroso para a imagem da aliança, se a construção tivesse de ser suspensa e a OTAN aparecesse como incapaz de levar a cabo, no prazo previsto, um projeto de construção decidido e aprovado em reunião dos presidentes dos países que constituem a OTAN desde abril de 1999, em Washington. O risco de novos aumentos nos custos já é palpável.
A solução para o problema de imagem que a própria OTAN criou para ela mesma era simples: todo o pessoal responsável por administrar os negócios de uma aliança militar que envolve 28 países, 3,5 milhões de combatentes armados e 5 mil armas nucleares resolveu que, atendendo a pedidos do Secretário-Geral, todos tratariam “confidencialmente” do escândalo. Em outras palavras, os gastos que ultrapassam qualquer previsão no cronograma de construção estão sendo deliberadamente ocultados da opinião pública, na esperança de que os executivos da OTAN não sejam expostos como incompetentes.
Enquanto isso, ao mesmo tempo em que tentam esconder as próprias falhas, erros e fracassos no gerenciamento de negócios simples de gerência básica, os chefes da OTAN põem-se a pular na frente da Rússia, tentando persuadir o mundo que o presidente Putin estaria montando uma invasão vinda do leste. O ponto focal dos temores-pânicos que a OTAN manifesta é o mesmo do regime corrupto e caótico no poder na Ucrânia, que tem sérias discordâncias com a Rússia, motivo pelo qual é furiosamente apoiado pelos EUA, a ponto de os EUA deixarem-se envolver em todos os tipos de distorções, ameaças e mentiras.
Como se leu no britânico Daily Telegraph dia 4/3/2015, o comandante das tropas dos EUA na Europa, general Frederick “Ben” Hodges, acusou a Rússia de ter infiltrado 12 mil soldados em território do leste da Ucrânia – o que é mentira e nonsense irresponsável.
Hodges trabalhou como oficial de ligação entre o exército e o Congresso em Washington, quando, obviamente adquiriu o gosto da ostentação política. Foi o que se viu num discurso político, do tipo que generais não têm autorização para fazer, em que Hodges disse que:
Temos de aumentar o custo para Putin. No momento, ele tem 85% de apoio doméstico. Mas quando as mães começarem a receber os cadáveres dos filhos, quando o custo aumentar, o apoio doméstico desabará – fala que é tão ofensiva quanto é hostil.
Em fevereiro, o Wall Street Journal noticiou novas palavras de Hodges:
Acredito que os russos estão-se mobilizando nesse exato momento, para uma guerra que eles supõem que acontecerá dentro de cinco, seis anos, mas acho que já perceberam que as coisas acontecerão, e que haverá algum tipo de guerra, em alguma escala, contra alguém, dentro dos próximos cinco, seis anos.
Não se pode saber que interpretação o Presidente Putin dará a isso, mas não há dúvidas de que os modos belicosos de Hodges não ajudam a persuadir Moscou de que a coalizão EUA-OTAN dará um passo, que seja, para modificar sua política de incansável beligerância.
Outros líderes da OTAN falaram também em termos igualmente ameaçadores, para convencer o público da Europa Ocidental de que a Rússia teria atacado a Ucrânia.
Mas, afinal, ainda que a Rússia tivesse invadido a Ucrânia, nem EUA nem OTAN teriam qualquer coisa a ver com a questão.
A coalizão EUA-OTAN espertamente ignora (e ensina a ignorar) o fato de que a Ucrânia não é estado membro, nem da União Europeia, nem da OTAN e que, portanto, não há tratado de tipo algum com qualquer nação do planeta que exija que EUA ou OTAN garantam apoio político, econômico ou militar, no caso de disputa bilateral com qualquer outro país. Pois apesar disso, a OTAN “encampou” o conflito entre Ucrânia e Rússia para “justificar” sua política de incansáveis hostilidade e provocação contra Moscou.
A OTAN deveria ter sido extinta imediatamente depois do colapso da União Soviética, porque a ameaça soviética era a única razão para sua existência; mas decidiu ampliar o número de membros e a presença militar cada vez mais próxima das fronteira da Rússia. Não surpreende que a Rússia preocupe-se muito com as intenções da OTAN, sempre que a coalizão flexiona os músculos à procura de novos conflitos existentes ou inventados.
Philip Breedlove (Strangelove?) |
O Comandante da OTAN, general norte-americano Breedlove, também tem contribuído ativamente para aumentar as tensões e os temores na Europa, sempre a disparar ‘alertas’ contra supostas manobras russas. Dia 5/3/2015 entregou-se, de vez, ao delírio, e, sem nem um fiapo de prova, anunciou que a Rússia deslocara
(...) bem mais de mil veículos de combate, além de forças de combate, alguns de seus batalhões de artilharia de mais sofisticada defesa aérea para dentro da Ucrânia.
Esse pronunciamento foi semelhante a outro, de deslavada mentira, quando, dia 18/11/2014, o mesmo general declarou ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung que havia “unidades regulares do exército russo no leste da Ucrânia”.
A onda de propaganda anti-Rússia gerada pela OTAN, de confrontação e tentativas de intimidar, só aumentou e se a OTAN persistir nesse curso, é muito provável que Moscou decida agir, o que só fará aumentar muito todos os riscos e perigos já existentes. É mais que hora de as nações que constituem a OTAN aceitem a realidade de que a Rússia é das principais potências internacionais, com interesses legítimos na sua própria região. É claro que Moscou não se ajoelhará, assustada com ameaças tolas, imaturas, do mais patético agitar-os-sabres de generais norte-americanos e seus aliados vacilantes.
É mais que hora de a OTAN começar a construir laços, em vez de destruir qualquer laço existente — e a construir pontes políticas, em vez de construir escritórios coruscantes e escandalosamente caros.
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[*] Brian Cloughley estuda e escreve sobre os países do sul da Ásia há mais de 30 anos. Atualmente é o Analista de Defesa mais credenciado para a região escrevendo para o IHS/Jane’s Sentinel, Country Risk, Couterpunch, Reuters e muitas outras publicações e Agências de Notícias, cobrindo o Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Nepal, Paquistão e Sri Lanka com relatórios mensais. Outras das suas tarefas são a análise e atualização sobre armas nucleares, biológicas, químicas e radiológicas desenvolvidas na região para Grupo Informativo IHS do Jane’s Sentinel. Ele e sua esposa, Margaret, residem na França, na pequena aldeia de Voutenay sur Cure, na Borgonha.
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