quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O apagão diário no trânsito de São Paulo tem solução

Até os dezenove anos, fiz parte de uma família da classe média baixa, que morava no bairro de Olaria, no subúrbio do Rio de Janeiro. Nesse período, meus meios de transporte eram o bonde, o trem, o ônibus e andar a pé. Lutei para ser proprietário de um automóvel e não ter que enfrentar as filas, esperas, apertos, além do “senegalesco” calor do Rio de Janeiro, que é maior para quem viaja espremido num ônibus, durante mais de uma hora. Esse depoimento é importante para uma análise sobre o apagão no trânsito de São Paulo.


As principais vítimas desse apagão diário, cujos indicadores são os enormes engarrafamentos e o mar de fumaça e gases tóxicos expelidos, são: os usuários de ônibus; os motoristas de caminhões e de táxis; os ciclistas; os pedestres e os motociclistas. Quanto ao grande vilão, todos os especialistas são unânimes no diagnóstico: a grande quantidade de automóveis em circulação.


Com a melhoria das condições salariais, a estabilização da inflação e as facilidades de crédito, muitos milhares de usuários do ônibus, do trem, do metrô estão fazendo o que eu fiz, há quarenta anos: comprando o seu próprio meio de transporte.


Paradoxalmente, quanto mais gente ascende à esse “melhor padrão de vida”, maior a deterioração da qualidade de vida da coletividade e da sua própria. O sonho de reduzir o tempo de deslocamento contribui, no dia-a-dia, para o pesadelo dos engarrafamentos e da poluição.


Sem precisar entrar em detalhes em relação ao problema, que é do conhecimento de todos, temos convicção em afirmar que a política a ser adotada, para melhorar o trânsito e a vida das pessoas em São Paulo, é a de restringir a circulação de automóveis particulares e - no curto, médio e longo prazo - investir em infra-estrutura e legislação que priorize o transporte público. Essa restrição não é temporária, mas um caminho sem volta, em cidades como São Paulo. Fugir disso é querer aumentar o problema.


Os milhões de carros particulares que circulam diariamente em São Paulo se apropriam de grande parte dos espaços viários e urbanos, muitas vezes com apenas uma pessoa no seu interior. Enquanto isso, milhões de pessoas, nos transportes coletivos, são espremidas nos reduzidos espaços deixados pelos automóveis.


As tentativas de soluções, implantadas nos últimos quarenta anos, como viadutos, mergulhões, elevados e estacionamentos subterrâneos só fazem sentido dentro de uma política de restrição ao automóvel e favorecimento dos ônibus, táxis, caminhões, motos, bicicletas e pedestres. Fora dessa política, é dinheiro jogado fora, já que a principal causa do problema não é atacada de frente.


A lógica perversa dessa política é: quanto mais automóvel em circulação, mais congestionamento, mais obras para permitir a maior circulação de automóveis, mais automóveis em circulação, mais congestionamento. Esse é o ciclo vicioso que precisa ser quebrado, já que é finita e bastante limitada a capacidade de alocação de recursos pelo poder público.


Quais as principais ações, em nossa opinião e de muitos especialistas, a serem desenvolvidas pela Prefeitura e pelo Governo do Estado de São Paulo, tendo como referência o que foi realizado em grandes cidades, como Londres e Paris?


· Implantação do pedágio urbano, com a aplicação dessa receita na conclusão dos corredores de ônibus, ciclovias e melhoria das condições para o pedestre.

· Completar a implantação de corredores de ônibus (cerca de 350 km), iniciados no governo Marta Suplicy (110 km) e abandonados nos governo seguintes.

· Elevar as tarifas de estacionamento nas áreas centrais e redução das áreas disponíveis.

· Estimular à utilização de táxi pelo usuário do automóvel, com medidas que permitam a redução da tarifa com manutenção da renda dos taxistas.

· Ampliar a capacidade da malha física e das operações ferroviárias (trens e metrô).

· Implantar malhas de ciclovias e projeto semelhante ao “Vélib” francês, com a disponibilização de milhares de bicicletas para circulação nas áreas centrais.

· Ampliar as restrições via rodízio, até a completa implantação do pedágio urbano.

· Aumentar o rigor na fiscalização e retirar de circulação veículos irregulares.

· Racionalizar a circulação e os horários de carga e descarga dos caminhões, lembrando sempre que eles são vitais para o funcionamento da cidade, enquanto que os automóveis são prescindíveis para a melhoria do bem estar da coletividade. É só constatar o paraíso que é o trânsito nas áreas centrais, nos domingos e feriados.

· Concluir todos os tramos do anel rodoviário de São Paulo, já que uma grande quantidade de veículos tem origem e destino fora da cidade e não precisa circular pelas suas ruas e avenidas


As medidas restritivas causarão algum incômodo inicial, especialmente naqueles que acabaram de ascender ao privilegiado círculo dos proprietários de automóveis. No entanto, como elas serão eficazes, não só melhorará muito o transporte público como essas pessoas poderão utilizar seu carro em inúmeras situações, regiões, dias e horários não atingidos pelas restrições e ter a sua mobilidade e conforto em grande parte atendida.


O principal: a vida melhorará para todos e a indústria automobilística poderá continuar seu atual nível de produção, sem levar a parcela de culpa que tentam, erroneamente, lhe imputar.


*José Augusto Valente é Diretor Técnico do T1