segunda-feira, 30 de julho de 2012

Afeganistão: As desaventuras de EUA, OTAN e da “Pax Americana”


29/7/2012, Abid Mustafa, The Frontier Post (Peshawar, Lahore, Islamabad, Karachi, Quetta) American and NATO misadventures
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

“O ocidente já fracassou no Afeganistão, como os soviéticos fracassaram nos anos 1980s e os britânicos antes, no século 19” (John Humphrys)

Depois de lutar por mais de uma década no Afeganistão, os EUA ainda não mostraram ganhos notáveis, no que não passa de ocupação brutal do país. Mas, apesar das evidências, ainda há estrategistas norte-americanos que insistem incansavelmente em argumentar contra os fatos, e dizem que os EUA alcançaram o objetivo básico que os levou até lá, e que seria fincar umas poucas bases militares no Afeganistão para conter a Rússia, a China e o futuro estado do Califato, e assim marcar alguma supremacia dos EUA na Eurásia.

Abib Mustafa
Fato é que esse objetivo delirante, se se o confronta com a realidade em campo, parece hoje tão remoto como no início e não pode ser apresentado como algum tipo de realização. Bem ao contrário, a instabilidade sempre crescente no Afeganistão não apenas ameaça a própria viabilidade desses objetivos estratégicos; mais importante que isso, levanta questões sobre por quanto tempo mais os EUA suportarão continuar presos no labirinto afegão em que se meteram, obrigados a relatar (ou a esconder) fracasso após fracasso.

Várias pistas que levam a essa conclusão apareceram bem claras na reunião de cúpula da OTAN, em Chicago, em maio passado. Falando sobre os Talibã, a nêmese dos EUA, que aparece e reaparece sempre por todos os lados, o presidente dos EUA admitiu simploriamente que são inimigos endurecidos na luta; que cada eventual conquista da OTAN pode sempre ser revertida.

O presidente Obama disse: “Os Talibã ainda são inimigo robusto, e os ganhos são ainda frágeis. Mas pensem bem. Estamos lá há dez anos. Dez anos num país muito diferente, é desgastante, não só para nosso pessoal, mas também para aquele país que, em algum momento, se tornará muito sensível à questão da própria soberania.”[1]
A questão é clara: de quanto tempo mais precisa a única superpotência do planeta, com o armamento mais sofisticado do mundo, para derrotar um exército de maltrapilhos de não mais que 25 mil almas? Os EUA não reuniram sob seu comando 400 mil soldados – sem contar as dezenas de milhares de mercenários contratados e pagos – dos dois lados da fronteira Afeganistão-Paquistão? Depois de anos e anos de guerra, os EUA ainda não conseguiram derrotar o inimigo que eles mesmos escolheram.

Com poucas armas e muito menos soldados que os EUA e OTAN, os Talibã, como qualquer um vê, já provaram que são bem mais que “inimigo robusto”.

Igualmente inescapável é a evidência de que foram precisos vários anos para que os EUA aceitassem que a OTAN não faz guerra só contra os Talibã, mas faz guerra também contra o povo afegão. A referência à evidência de que o Afeganistão “em algum momento, se tornará muito sensível à questão de sua soberania” equivale a o presidente Obama admitir que a OTAN já enfrenta resistência popular que supera as divisões étnicas e mobiliza tradicionais lealdades tribais.
Outro fiasco da guerra dos EUA no Afeganistão é o custo exorbitante, que pesa insuportavelmente sobre o orçamento da Defesa, e peso que foi exacerbado pela crise econômica iniciada em 2008. Os EUA já consumiram cerca de $550 bilhões na guerra afegã, desde 2001.

Outro estado membro da OTAN, a Grã-Bretanha, consumiu na região cerca de $20 bilhões. Pois mesmo assim, apesar de consumir esses bilhões de dólares dos contribuintes, a OTAN tem bem pouco a mostrar: o governo de Karzai, corrupto até a medula, e odiado pelos afegãos médios.

O poder de Karzai não ultrapassa algumas áreas de Kabul, e em outras partes, onde dá a impressão de existir, depende existencialmente dos exércitos ocupantes. Segundo estimativas recentes, os Talibã controlam cerca de 80% do Afeganistão. Isso provavelmente explica porque é tão difícil para a OTAN permanecer nos territórios aos quais consegue chegar, mas dos quais sempre recua. Até aqui, também falharam todas as tentativas para cooptar os Talibã com vistas a algum tipo de solução política.

O Financial Times resumiu bem a lastimável situação em que está o ocidente: “Há cinco anos os EUA recusavam-se a falar com os Talibã. Agora os Talibã recusam-se a falar com os EUA. É medida de o quanto mudaram as relações de poder no Afeganistão. A intervenção ocidental fracassou.”[2]

Além de tudo isso, há o custo das vidas ceifadas pelos exércitos da OTAN, que não pode ser aferido em termos monetários. Portanto, não foi surpresa o comunicado conjunto distribuído ao final do encontro de Chicago, no qual se expressa o manifesto desejo de todos os países da OTAN de fazerem descer a cortina sobre sobre seu fracasso no Afeganistão. Lá se lia: “Depois de dez anos de guerra e com a economia global em dificuldades, as nações do ocidente já não desejam pagar, nem em dinheiro nem em vidas, os custos de seus esforços em campo, num local que, há séculos resiste contra qualquer tentativa estrangeira de controlá-lo [orig. to tame, verbo que pode ser traduzido, até, por “domesticar”, “domar” ou, mesmo, “civilizar” (NTs)]”. [3]

À medida que se aproximam 2014 (data revista várias vezes) e a retirada da maioria dos países da OTAN, os EUA e seus parceiros oportunistas, os britânicos, ambos, mostram-se cada vez mais arrogantes, como se ainda não tivessem aprendido a lição; e fazem planos para permanecer, além daquela data, onde não são bem-vindos.

Ninguém duvida que farão o que puderem para adiar o inevitável colapso do governo de Karzai e tentar salvar a própria imagem com vistas ao seu público doméstico.

A conclusão está escrita nos muros: EUA e OTAN marcham céleres para derrota catastrófica. Façam o que fizerem para mascarar seus fracassos, o único sucesso que a história guardará é terem unido e fortalecido os afegãos e seus irmãos, do outro lado da fronteira, também no Paquistão, que hoje clamam pelo escalpo da Pax-Americana e pelo golpe final, devastador, que porá fim à primeira missão que a OTAN tentou na Eurásia.



Notas dos tradutores 
[1] 21/5/2012, Presidente Barack Obama, Conferência de Imprensa, transcrição, CNN.
[2] 26/3/2012, Financial Times, Gideon Rachman em: The west has lost in Afghanistan”.

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