segunda-feira, 30 de julho de 2012

A Imprensa, o Direito e os “Justiceiros com as próprias mãos”


Alfredo Pereira dos Santos
Alfredo Pereira dos Santos

A Cleo vê televisão, coisa que eu faço raramente. Mas “pego uma casquinha” no que ela vê e anoto algumas coisas. Há pouco anotei algo que disse o jornalista e escritor Alberto Dines. O México já tinha imprensa no século XVI e o Brasil só veio a tê-la no século XIX. O Brasil foi o décimo segundo pais das Américas a ter imprensa. E disse mais o Dines: que os jornalistas publicavam o que os donos dos jornais queriam, que não havia essa liberdade que se apregoava, que a imprensa é isso e aquilo. Alguém que participava do programa perguntou se essa situação tinha mudado, ao que o Dines respondeu: MUITO POUCO.


Essas coisas para mim não constituem novidade, pois há décadas venho anotando coisas que confirmam essas misérias da imprensa. Jornais e redes de TV são empresas e, como tais, buscam o lucro e defendem os seus interesses. Se uma empresa que anuncia num jornal degrada o meio ambiente o jornal não vai fazer campanha contra. Empresas querem sobreviver e não vão se suicidar. Isso a gente entende. Mas justamente por entender isso é que eu TENHO QUE LER O JORNAL NAS ENTRELINHAS. Mas isso exige um certo background cultural e político, caso contrário e leitor sairá por ai repetindo, como papagaio, alguns disparates que os jornais publicam.

Agora mesmo, nesse momento histórico em que vivemos, alguns órgãos da nossa imprensa estão querendo fazer o papel de acusadores, juízes e decretadores de condenações de algumas figuras da nossa vida política. Mas quem disse que é esse o papel da imprensa? Quem lhes outorgou tal prerrogativa?

O discurso da moralidade e da indignação causa impacto nos espíritos menos esclarecidos (que constituem a grande maioria dos que lêem jornais e vêem programas de televisão) mas em geral não vai ao âmago das questões.

A ditadura militar de 1964 cassou mandatos de governadores e afastou secretários-de-estado e queria que eles fossem julgados por tribunais militares, ignorando que os acusados tinham direito a foro especial, ASSEGURADO PELA CONSTITUIÇÃO, em virtude da natureza elevada dos seus cargos. Naturalmente que, tanto os depostos quanto os afastados, entraram, através dos seus advogados, com pedidos de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), obtendo acolhida a seus pedidos.

Aquela decisão do STF criou um sério impasse na harmonia e independência dos três poderes da República. Fato insólito, porque a ditadura fez questão de manter o modelo clássico de Montesquieu da trilogia do funcionamento harmônico e independente dos três poderes, que, não obstante, não quis respeitar, chegando ao ponto de interferir na estrutura e funcionamento do STF. Não vou entrar em detalhes para que este texto não fique muito longo. Quem quiser se instruir a respeito pode consultar o livro “O Supremo Tribunal Federal e a Ordem Político-Institucional”, de Osvaldo Trigueiro do Vale, do qual extrai o seguinte trecho:

“A ótica de um Ministro do Supremo deverá ser, todavia, não apenas jurídica, o que seria uma atrofia, mas também político-social, e nunca dentro dos INTERESSES RESTRITOS (o destaque é meu, Alfredo) de casuísticas partidárias, nem nos esporádicos casos individuais, jamais no colegiado como instituição”.

Ocorre que em época de arbítrio até o guarda da esquina quer ditar regras. Eu penso que o povo brasileiro, por alguma razão que os sociólogos haverão de explicar, internalizou a mentalidade dos antigos senhores de escravos, que não estavam sujeitos à lei. Eu me recordo que no final da década de 60 me associei ao Clube de Xadrez Guanabara, cujo presidente era o general Benedito Hamilton Pianchão de Carvalho, com quem tive excelente relacionamento.

Ambos morávamos no bairro do Leblon e sempre que saíamos juntos do clube ele me dava carona. Ocorre que um médico amigo nosso, também associado do clube, matou a tiros um cunhado, o que levou o general, indignado, a imediatamente excluí-lo do quadro social do clube. A decisão gerou protestos de alguns sócios, entre os quais havia advogados, procuradores e até um desembargador, embora o mais veemente protesto tivesse vindo de um químico. Este alegava que a atitude do general tinha sido arbitrária, uma vez que o assassino não tinha sido julgado nem condenado. No final da história o médico foi absolvido.

O episódio mostra esse aspecto do caráter brasileiro, que “quer fazer justiça com as próprias mãos”, esquecendo-se de que existe um sistema judiciário a quem compete tratar de questões que lhe foram legalmente atribuídas.

Devo dizer que por respeito e consideração ao general, abstive-me de tomar partido na questão, até por ele ser um homem idoso, já no fim da vida (veio a morrer pouco tempo depois) e eu um jovem de 25 anos de idade, embora, intimamente, reprovasse a sua atitude de excluir o médico. Tantos reprovaram, explicitamente, a sua atitude, não vi razão para eu ser mais um.

Eu noto que há, entre nós, alguns candidatos a “linchadores de praças públicas” que já estão antecipando decisões dos tribunais, dizendo que A ou B serão absolvidos, como se tudo fosse um jogo de cartas marcadas. Esses “inconformados” me fazem lembrar os generais dos tempos da ditadura.

A estes eu diria: MODUS IN REBUS.

Texto enviado pelo autor

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