quarta-feira, 4 de julho de 2012

Assange entrevista No. 12: Anwar Ibrahim, líder da oposição na Malásia


26/6/2012, Russia Today – 12º Programa - Episódio 11, 26’32”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Assista também:

JULIAN ASSANGE: Esta semana, entrevisto o líder da oposição na Malásia, Anwar Ibrahim. Como eterno rival, sempre sob a mira do ex-primeiro-ministro Mahathir, Anwar foi preso por cinco anos, acusado de abuso sexual. Como resultado de uma campanha popular em 2004, a condenação foi revogada e Anwar foi posto em liberdade.

Em 2008, novamente foi alvo de acusações por delitos sexuais. Foi afinal absolvido no início desse ano.

À medida que se aproximam as eleições, para as quais Anwar é tido como favorito, voltaram a acusá-lo de ter organizado uma manifestação não autorizada. Se se declara culpado, estará impedido de participar das eleições. Quero saber como sobreviveu e como vê o futuro da Ásia e do ocidente.

JULIAN ASSANGE: Anwar Ibrahim, desde a juventude, você militou como ativista estudantil. Depois, foi preso.

Você tem longa trajetória política, desde estudante, até chegar ao posto de vice-primeiro-ministro, quando novamente foi preso. Mas saiu e ressuscitou como líder da oposição em seu país.

ANWAR IBRAHIM: Da primeira vez, prenderam-me por ter apoiado os agricultores do norte, exigindo que o governo lhes desse tratamento digno. Passei dois anos preso, sem julgamento – o que é legal, nos termos de uma Lei de Segurança Nacional. Depois, quando Mohamad foi nomeado primeiro-ministro, chegando ao poder com a missão de verdadeiro reformador, sua postura agradou-me muito. Tivemos várias reuniões, discutimos, e me uni à sua plataforma de reformas. Cheguei muito rapidamente a vice-primeiro-ministro, só para que me mandassem outra vez para a cadeia, dessa vez por seis anos.

JULIAN ASSANGE: No governo de Mahathir, vários dos que chegaram a vice-primeiro-ministro foram expulsos, um depois do outro. Sua queda em desgraça foi a mais dramática. Pode contar o que aconteceu?

ANWAR IBRAHIM: Fui muito brutalmente torturado no dia em que fui preso. Puseram-me numa cela solitária. Não foi um mar de rosas, claro. Era duro. No começo, nem me deixavam ler, mas a mídia internacional e amigos em todo o mundo intervieram e conseguiram que me dessem livros. Fiquei mais inteligente, lendo quatro vezes e meia as obras completas de Shakespeare. [risos] Pouca gente leu. Foi um bom tempo para pensar em vez de agitar. E ler os grandes clássicos. Quero dizer: Boris Pasternak e Tolstoi, são autores que se leem conscientemente, na prisão. É interessante. Numa cela de prisão, entende-se e aprecia-se melhor. Ninguém interrompe, mergulha-se na leitura. Às vezes, é um pouco deprimente, sim. Os muros... mas você se converte em parte da coisa... Nunca antes havia tido interiorização suficiente para ler e apreciar o Rei Lear, seu diálogo com Cordélia, antes da prisão naquela cela solitária.

JULIAN ASSANGE: Na prisão, li “Pavilhão dos Cancerosos”, de Solzhenítsyn, que é... magnífico, um livro magnífico, mas muito, muito deprimente e muito brutal. Mas pensei “bom, há lugares piores, onde poderia estar. Podia estar num pavilhão de cancerosos na Sibéria, por exemplo. Isso aqui é suportável.” E você, sentiu o quê? Interessa-me, porque tenho vários amigos que foram presos. Sua opinião sobre como sobreviver a essa experiência. Você desenvolveu algum método para sobreviver à solitária, alguma coisa que lhe permitisse criar algum tipo de ordem? Como marcava a passagem do tempo e outras coisas assim?

ANWAR IBRAHIM: Sim, era difícil. Quero dizer... Com o tempo... Agora, até parece fácil, mas naquele período, particularmente, era muito difícil. Meus filhos eram muito pequenos, o menor ainda usava fraldas. Por isso, no dia que me prenderam, senti muita angústia e desespero. Mas o que me dava alguma força era que os oficiais e os guardas da prisão eram extremadamente amistosos. Tinham medo, havia câmeras por todos os lados, mas eu sentia a simpatia e o apoio deles. Assim se consegue seguir adiante. Depois, começa-se a ouvir notícias de fora, das manifestações nas ruas... Quero dizer, tentei sempre me manter o mais ocupado possível, mas nem sempre com coisas sérias. Verdade é que passava horas no banheiro, cantando Beatles, Ricky Nelson ou Elvis Presley [risos].

JULIAN ASSANGE: E enquanto você estava preso, sua mulher organizava uma grande campanha para libertá-lo.

ANWAR IBRAHIM: Sim.

JULIAN ASSANGE: Você tinha ideia de como era grande o movimento que sua mulher criou, enquanto você estava preso?

ANWAR IBRAHIM: Francamente não. Mas pelos comentários dos guardas e algumas cartas que recebia em segredo, fui-me dando conta. Um funcionário da prisão dizia “Fui à manifestação, a mais de dez quilômetros de Kuala Lumpur, e ouvimos sua esposa e outros discursos”.  Perguntei se havia muita gente. Ele disse “no mínimo, 20 mil pessoas.” E comecei a dar-me conta de que estava acontecendo algo importante em Kuala Lumpur. Mas, sim, eu sentia. No dia em que fui preso, houve a maior manifestação da história da Malásia: cem mil pessoas. Essas notícias me animaram muito. Muita gente dizia que estivera na manifestação. Muitos se filiaram secretamente ao partido.

JULIAN ASSANGE: Você teve a sensação de ser parte da história da Malásia, de ser parte de algo maior que você, quando soube dos protestos e das mobilizações para libertá-lo?

ANWAR IBRAHIM: Confia-se na sabedoria das massas. Sem isso, como é possível reunir 100 mil pessoas, sem sofisticação, sem mentir e sem manipular a imprensa? Mas continua-se a pensar pela própria consciência e pelo que nos diz o coração.

JULIAN ASSANGE: E como conseguiu sair? Por que, afinal, você foi libertado? Qual foi a decisão?

ANWAR IBRAHIM: Aconteceu, nesse caso, que conseguiram convencer o Tribunal Federal a declarar alguma coisa como “Bom, achamos que Anwar pode ser culpado de alguma coisa, mas não há nenhum tipo de prova clara. Consequentemente, aceitamos seu recurso”.

JULIAN ASSANGE: Você então voltou à Malásia, e pouco antes de 2008, ano extraordinário para a política malásia. E você foi candidato ao Parlamento. O que mais aconteceu em 2008?

ANWAR IBRAHIM: Trabalhamos muito. Não tínhamos acesso à mídia. Toda a mídia-empresa na Malásia preparava-se para apoiar o partido governante. Mesmo hoje, como líder da oposição, não tenho um minuto de tempo de televisão. Por isso, inclusive, aceitei seu convite. [risos] Você acredita? Nem um minuto de televisão. Mesmo assim, estamos em posição de vencer as eleições em cinco estados, inclusive em Kuala Lumpur. Ganhamos 10 de 11 assentos no Parlamento. Por isso acho que somos uma espécie de Primavera Malaia, mas através de um processo eleitoral.

Entre 2007 e 2008, como lhe disse, trabalhamos muito. E mais ainda trabalhamos com as minorias étnicas. Percebemos que, de 1999 a 2004, estavam muito sensíveis à política, mas entendiam que melhor seria se apoiassem os políticos malaios que tivessem ideias semelhantes. Eu, ao contrário, pensava que, se somos partido reformista, temos de nos comprometer com uma agenda de reformas. Algumas políticas obsoletas, a discriminação racial, terão de mudar com o tempo.

JULIAN ASSANGE: Quero examinar um pouco as mudanças no Sudeste Asiático. Houve movimento democrático na Indonésia, bem-sucedido, e a independência do Timor Oriental. Na sua opinião, o que provocou isso? Foi a internet, o movimento de massas na região? E vocês estavam passando pela crise econômica asiática. A crise foi uma das razões?

ANWAR IBRAHIM: Sentem-se as mudanças na região, porque temos melhor nível de educação, as pessoas pensam mais, nas zonas urbanas e periféricas há acesso aos novos meios alternativos. A internet tem papel muito importante: as pessoas querem liberdade. Vê-se a materialização disso nas últimas eleições. A tendência é crescente, especialmente entre os jovens, profissionais e intelectuais jovens. É parte das mudanças. E agora, com a Primavera Árabe, acho que se sente melhor que as mudanças são iminentes.

Se se considera a Tailândia, a transição democrática ali é um pouco frágil, mas com certeza há maior compromisso com a democracia. Já não se pode esperar que qualquer golpe de estado, ou qualquer ditadura militar, consiga manter-se por muito tempo. Nas Filipinas há mais esperanças, embora ainda tenha de superar os problemas da corrupção crônica. Mas em [Burma] Myanmar a situação é muito surpreendente, no que tenha a ver com mudanças. Quero dizer... Sou dos poucos que... até no governo malaio de antes, que não tinham nenhuma esperança de que a junta militar se autorreformasse, ela mesma. Mas tenho de reconhecer que estão acontecendo várias mudanças positivas em [Burma] Myanmar agora. Quanto à transição democrática, acesso à mídia e eleições mais livres, [Burma] Myanmar já está, hoje, muito à frente da Malásia.

JULIAN ASSANGE: [Burma] Myanmar? É mesmo? Incrível.

ANWAR IBRAHIM: Ah, sim. Em Myanmar, Aung San Suu Kyi é vista na televisão. Na Malásia, não.

JULIAN ASSANGE: E você não pode falar pela televisão.

ANWAR IBRAHIM: Não significa que eu esteja satisfeito com a democracia em Myanmar. Mas veem-se mais mudanças positivas ali, na direção de uma reforma democrática.

JULIAN ASSANGE: E a questão da segurança? Julia Gillard, primeira-ministra da Austrália concordou com a instalação de 3.000 Marines dos EUA ao norte da Austrália, como... claramente, é uma espécie de defesa, no longo prazo, contra a possível influência da China. Que acontecerá aos países que estão ali no meio, separando os dois países? Você acha que os países da Associação de Nações do Sudeste Asiático deveriam criar um pacto conjunto de segurança?

ANWAR IBRAHIM: Não sou grande defensor desses pactos de segurança, mas deve haver um entendimento regional claro, de tipo político, econômico, cultural entre aqueles países. E isso deveria bastar para mostrar que podem impedir qualquer forma de interferência possível de forças externas, seja dos países ocidentais, ou da China. Porque qualquer pacto de segurança, Julian, mobilizaria grandes somas de dinheiro dos nossos países. Seria alguma ‘segurança’, à custa da educação, da moradia, da saúde pública ou das reformas sociais. Seria um problema a mais...

JULIAN ASSANGE: Se não houver algum tipo de pacto de segurança, ou Aliança de Nações do Sudeste Asiático, não acontecerá que a China escolherá um aliado, os EUA escolherão outro... Assim não poderia acontecer de não haver coerência alguma no Sudeste Asiático, mas uma espécie de tabuleiro de xadrez, com casas brancas e casas pretas, com os países de um ou de outro lado?

ANWAR IBRAHIM: Bem, não se pode evitar isso. Mas não precisa ser necessariamente um pacto de segurança. Um organismo regional forte terá o mesmo efeito, se tiver compreensão clara: o que interessa é não permitir que nenhum de nossos países converta-se em base para as superpotências. Antes, o acordo era esse. Mas, sim... Filipinas é problema à parte, porque já houve lá uma base militar, de modo que...

JULIAN ASSANGE: É. Os EUA permaneceram muito tempo nas Filipinas.

ANWAR IBRAHIM: Sim, e o acordo é que não seria base para expansão.

JULIAN ASSANGE: Falemos um pouco sobre o primeiro-ministro Najib e a camarilha governante. Quando estive na Malásia, em 2009 (fiquei uns dias preso pela Rama Especial, uma divisão da Polícia Secreta malaia [risos]), logo depois de eleições, as pessoas me diziam: “faça o que quiser, mas não mencione o assassinato da Altantuyaa [18/10/2006 (NTs)]” – uma beldade da Mongólia, que foi assassinada na explosão, ou foi assassinada antes e o cadáver foi destruído com explosivos C4, e que, pelo que se dizia, era amante de Najib, atual primeiro-ministro. Respondi que “Ora, mas por que não?” E me disseram: “Se você falar desse assunto, coisa raríssima, mas que às vezes acontece numa manifestação, imediatamente aparece a Polícia e põe-se a prender todo mundo”. Achei estranho, porque pode ser um bom instrumento, se alguém quiser reunir muitos policiais num só lugar: basta pronunciar aquele nome [risos]; é como apertar um botão que se pode apertar quando interesse. Mas... você pode comentar esse caso? Por que ainda é tema tão delicado na Malásia?

ANWAR IBRAHIM: Não deveria ser tema delicado. Expus o caso no Parlamento e, claro, os membros do partido governante e o presidente ficaram imediatamente muito alterados. De modo algum sugeri ou insinuei que Najib seria sequer cúmplice do crime. O que dissemos é que havia ali várias perguntas sem resposta. Em primeiro lugar, porque mudaram a acusação? Em segundo lugar, por que nada foi apropriadamente investigado? Em terceiro lugar, por que as pessoas chaves não foram chamadas a depor como testemunhas e dizer o que sabem? Porque há algo muito importante, nesse crime. O assassinato da Altantuyaa está relacionado a um vasto escândalo de corrupção, que envolvia um grande negócio, a compra de dois submarinos da França. O caso está agora na Alta Corte de Justiça Paris. Como é possível que o caso esteja sendo julgado em Paris, e nós, na Malásia, o tenhamos silenciado totalmente?

JULIAN ASSANGE: O depoimento de várias testemunhas foi mantido em segredo na Malásia, por algum motivo.

ANWAR IBRAHIM: É pior que só depoimentos secretos.

JULIAN ASSANGE: Em 2008, pouco antes das eleições na Malásia, você foi novamente acusado por crime de sodomia. A presumida vítima teria sido um de seus auxiliares.

ANWAR IBRAHIM: Foi campanha de desmonte, baseada nessa acusação de sodomia. O vídeo com a alegada declaração do denunciante foi exibido em todo o país, em cada vila. Mais uma vez, como já disse, eu confiei na sabedoria do povo. Todo o Gabinete, todos os recursos do governo, todos os meios de comunicação do país inteiro acusavam-me, dia e noite, desse crime. E mesmo assim minha maioria continuou a aumentar. O pior é usar esse instrumento como artifício político, repetir acusações falsas, usar a polícia e, no fim, até o poder judiciário. No fim, Julian, fui absolvido. Mas nem pense que, por isso, haja algum poder judiciário independente. Usaram todo o sistema, a acusação, a defesa, o processo, exclusivamente para me difamar, como arma para ‘esvaziar’ um candidato adversário. O pior é que usam um simulacro de democracia, um simulacro de eleições que poderiam ser democráticas, um judiciário que poderia ser independente, mas abusam da democracia e da justiça e de todo o processo. Perdoe, por ser tão incisivo quanto a isso.

JULIAN ASSANGE: Não, não... Às vezes, tenho a sensação de que também sou incisivo demais. Alegra-me que você tenha dito, assim, bem claramente.

Bem Anwar, falemos do futuro. Até aqui, não temos boa imagem da Malásia. Mas falemos do projeto, de para onde a Malásia caminhará, para onde caminhará toda a região. Qual seu plano para a Malásia, se a coalizão de seu partido, da oposição, chegar ao governo nas próximas eleições?

ANWAR IBRAHIM: Nosso primeiro passo tem de ser amadurecer como uma democracia. Teremos melhor infraestrutura e mão de obra mais bem preparada. Ninguém deve ser ‘diminuir’ a Malásia, como se ali as pessoas não estivessem preparadas para exercer a própria liberdade. Ser livre é ter judiciário independente, meios de comunicação autônomos, e leis econômicas que promovam o crescimento, uma economia de mercado. Ao mesmo tempo, é preciso compreender o porquê dos abusos.

No nosso discurso, temos falado da Primavera Árabe, quando uma parte do mundo exigia liberdade. Também temos, na Malásia, um movimento Occupy Wall Street. As limitações, a ganância desenfreada, e o imenso fosso que separa os muito ricos e os muito pobres, a cumplicidade entre os grandes grupos comerciais e os políticos. Temos de evitar tudo isso, vendo, como se pode ver agora, as frustrações...

JULIAN ASSANGE: As frustrações no Ocidente?

ANWAR IBRAHIM: Sim, é isso. As frustrações no Ocidente. E é mérito também seu, que esses fatos tenham sido revelados por WikiLeaks. Agora se pode ver a hipocrisia, o paradoxo, as contradições entre o que dizem entre eles, e as ‘declarações’ e notas que a população lia ou ouvia pela televisão. Você teve, sim, uma contribuição muito importante. O que se leu, nos telegramas de WiliLeaks, surpreendeu todos. Alguns telegramas falavam de mim, mas mesmo assim apoio a divulgação. Sabe por quê? Porque entendo que ali está a realpolitik, que é hipocrisia mascarada de diplomacia, que pouco tem a ver com a verdade ou com padrões morais ou éticos e que é, sempre e só, ação de poder, brutal, na disputa entre interesses locais ou nacionais. Acho que isso é o que terá de mudar. Por que, ao longo dos últimos 50 anos de existência da Malásia, não foi possível implantar naquela região a ideia de que malaios, chineses, indianos e os dayak são uma só grande família e podemos todos avançar juntos? Por que não se pode construir esse tipo de ideia? Por que é tão difícil? A Malásia é país rico. A renda líquida nacional do petróleo chega a 90 bilhões de dólares malaios. Não somos, como a maioria de nossos vizinhos, que dependem de importar petróleo e sobre os quais pesa essa questão do petróleo...

JULIAN ASSANGE: Diga-me você: o que falta? É questão de educação?

ANWAR IBRAHIM: Não. Tudo depende do líder, Julian. A força das convicções, a perseverança para insistir na direção definida. Não é possível ser corrupto e supor que assim se fará alguma coisa para o bem de todos. E o governo tem de funcionar, desde o primeiro momento. Não estou dizendo que não se possam fazer concessões, que só dará certo se o líder foi filósofo político que consiga impor suas decisões. Mas há algumas regras básicas que você tem de aceitar. E sempre atacam: se você diz que defende a democracia, é porque você é fantoche do ocidente. Se você fala de economia de mercado, é porque é agente de Georges Soros...

JULIAN ASSANGE: Eu mesmo já disse coisa semelhante [risos].

ANWAR IBRAHIM: E agora, que já conversamos, você já sabe o que faremos [risos]. Mas acho que o problema, com líderes autoritários e às vezes também com líderes democráticos ocidentais, é que veem o mundo pela política da islamofobia: “nós contra eles”. É a política unilateral dos EUA. Nada mais resta nela dos ideais, do espírito inicial da Revolução Norte-americana ou dos ideais de Jefferson… Temos de enfrentar esse desafio, mas temos de fazê-lo na pequena escala de um país pequeno. A Malásia não tem de ser a maior nação do mundo, mas temos de fazer o possível pela Malásia. Por quê? Por que é tão difícil que um aldeão malásio, um pequeno agricultor ou pequeno comerciante chinês, ou um operário indiano sintam-se respeitados e reconhecidos como cidadãos, com a dignidade de cidadão malásio? Não acho que falte muita coisa, para podermos começar. Consciência, sinceridade, a força da convicção.

JULIAN ASSANGE: Muito bem. Anwar Ibrahim, muito obrigado.

ANWAR IBRAHIM: Obrigado a você.

JULIAN ASSANGE: …e boa sorte! Está ótimo. Temos excelente material. Ah, por curiosidade. Entrevistei o presidente da Tunísia. Você chegou a encontrar-se com ele, quando esteve lá? Com o novo presidente da Tunísia?.

ANWAR IBRAHIM: Não, infelizmente. Estavam ocupados. Estavam recebendo a oposição síria...

JULIAN ASSANGE: Ah, sim, os “Amigos da Síria”.

ANWAR IBRAHIM: Foi encontro do qual participou metade do Gabinete. 60 deputados, principalmente para estudar essa questão, a reforma democrática. Se têm papel importante, e se se mostram muito rigorosos com as questões islâmicas, acho que logo estarão muito preocupados com o status do Islã. Mas, sobre você? Como estão as coisas?

JULIAN ASSANGE: Pois agora o caso é um Grande Júri, nos EUA, que me investiga há um ano e meio e parece que apresentaram uma acusação secreta, que vão usar para extraditar-me para os EUA. Ao mesmo tempo, há o caso na Corte Suprema, aqui na Grã-Bretanha, que antes se chamava “Câmara dos Lords”, e que, se eu perder, me extraditam para a Suécia, para me prenderem no momento em que chegar lá. Não há acusação. Ninguém, até agora, me acusou de coisa alguma, ninguém, país nenhum. E talvez seja julgado por abuso sexual, talvez não. Mas recusam-se a me interrogar aqui em Londres. Ofereci-me para ser interrogado na embaixada sueca, por telefone. Mas não aceitaram. Em vez disso, exigem minha extradição, para interrogar-me sem haver acusação formalizada. Essa é a situação em que estou, em prisão domiciliar. Tenho esse sensor eletrônico na minha perna, para que sempre saibam onde estou. É... foi um pouco deprimente, mas, por outro lado, sabe, em certa medida... Sinto-me mais seguro, deram-me uma plataforma. E toda essa situação especial em que estou enredado é resultado da legislação europeia de resposta ao 11/9. O resultado foi que os departamentos de polícia e os governos europeus disseram “temos de poder transferir terroristas de um estado europeu para outros, rapidamente”.

ANWAR IBRAHIM: E, agora, se usam as mesmas leis draconianas, também em outros casos. Mas você conhece as regras do jogo: jogue como tem de jogar, não perca a calma e relaxe. Você será absolvido e nos veremos em Londres ou em Kuala Lumpur.

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