domingo, 1 de julho de 2012

Tunísia: transição longa, difícil e tortuosa


30/6/2012, Annamaria Rivera, controlacrisi
Traduzido pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu

Karim Alimi
Na noite de 15-16/6/2012, Karim Alimi, jovem blogueiro tunisiano, suicidou-se, angustiado talvez, como pretendem alguns, com o destino da transição. Karim Alimi foi uma das vozes da oposição ao regime e da revolução de 14 de janeiro. Seu suicídio, tão simbólico, não provocou estranhamento; gerou respostas mornas, poucos comentários e praticamente nenhuma solidariedade, sequer de outros blogueiros, tão incensados na Tunísia e bem mais incensados no ocidente.

Dentre os que não se manifestaram está Lina Ben Mhenni, emérita colecionadora de prêmios – um dos quais recebido diretamente das mãos de ninguém menos que Gianni Alemanno* – e candidata ao Prêmio Nobel da Paz: projeção perfeita da narrativa ocidental sobre a “Revolução do Jasmim”, que apagou os verdadeiros protagonistas da insurreição popular que derrubou o regime, a saber, os jovens proletários e subproletários da Tunísia “profunda”, das regiões do interior do país e dos quarteirões deserdados das grandes metrópoles.

O suicídio de Alimi aconteceu no auge de uma onda de passeatas, violência nas ruas, agressões e incêndios criminosos contra sedes de instituições, sindicatos e partidos progressistas, cometidos por gangues de salafistas e de pequenos delinquentes, encorajados e orquestrados nos bastidores, pelo que se diz, pelos caciques do antigo regime. Que ainda é muito influente.

Béji Caïd Essebsi
O antigo partido único, Rally Constitucional Democrático (RCD), continua instalado nas redes midiáticas, nos sistemas financeiros, no aparelho de segurança: a repressão violenta das manifestações, as prisões secretas, a tortura de detidos e presos continua como se nada houvesse mudado. No mesmo período, Béji Caïd Essebsi, antigo ministro do Interior do governo de Ben Ali e chefe de um dos governos provisórios posteriores à Revolução, agita-se muito para reorganizar seus velhos instrumentos do velho regime, e fazer deles um novo partido.

Se houve o primeiro caso Persépolis, o ataque contra a Universidade de La Manouba em Túnis, a depredação do cinema AFRIC'ART, agressões a artistas e jornalistas (para cintar alguns fatos, dentre vários), o novo ciclo de violências, apresentado como obra de ultrassalafistas e de inspiração contrarrevolucionária, começou na noite de 10-11/6, com a destruição de obras de arte expostas no Palácio El Abdellia, em La Marsa, próxima de Túnis, que os salafistas consideraram blasfemas.

Em vez de condenar o ato odioso, os ministros do Interior e de Assuntos Religiosos – ambos membros do Partido Ennhadha, o partido islamista que domina o governo de transição e dirigido por Hamadi Jebali – confirmaram a condenação por blasfêmia. Até o ministro da Cultura, o independente e muito laico Mehdi Mabrouk, sociólogo especialista em migrações, antes conhecido por suas posições avançadas, apressou-se a ordenar o fechamento da exposição e do Palácio e denunciou os artistas e organizadores, também, por blasfêmia.

O incidente foi usado pelo governo como pretexto para aumentar a repressão e para efeito de propaganda contra os inimigos do Islã e os “extremistas de direita e de esquerda”.

Definimos como simbólico o suicídio de Alimi. De fato, a revolução, como a contrarrevolução, manifestaram-se por atos suicidários. O processo que levou ao fim do regime de Bem Ali acelerou-se, como se sabe, depois da autoimolação pública de Mohamed Bouazizi: suicídio pelo fogo, como outros, antes e depois de 14 de janeiro, como ainda agora – e que seria consagrado como evento fundador. Assim também, simetricamente, a contrarrevolução, que nunca deixou de dar atenção ao que hoje se chama “a transição”, e que se manifesta, em toda sua gravidade, pelo suicídio do blogueiro.

Mapa da Tunísia
Os atentados não são só encenações do Partido Ennhadha, violência dos salafistas ou das redes estrangeiras as quais, não vendo com bons olhos a transição democrática, mantêm, a golpes de petrodólares, os pregadores wahhabitas.

São, sobretudo, efeito da impotência, do governo e de outros grupos, que não conseguem encontrar solução para os graves problemas econômicos e sociais do país, a começar pelo desemprego galopante, o trabalho cada dia mais precarizado, as profundas desigualdades regionais.

A própria oposição política e social, ela mesma, quase sempre enredada em debates vãos sobre a identidade árabe-muçulmana da Tunísia, não consegue, salvo raras exceções, organizar com racionalidade as carências, as demandas e o descontentamento da população. Não consegue sequer oferecer resistência consequente no plano da defesa dos direitos civis, sobre os quais tanto se falou, a liberdade de expressão, etc..

Basta lembrar a fraca reação – não chegou ser sequer greve de fome – a fato muito grave acontecido recentemente.

Jabeur Mejri (E) e Beji Ghazi (D)
Dia 25/6, a Corte de Apelação de Monastir confirmou a condenação a sete anos e meio de prisão, com multa de 1.200 dinars, de Jabeur Mejri, 30 anos, que publicou, em sua página hospedada pela empresa Facebook, imagens de Maomé consideradas blasfemas.

Outro jovem, Beji Ghazi, foi condenado a idêntica pena à revelia, pois conseguiu fugir para a Europa, quando o caso eclodiu.

Pelo porta-voz oficial, o presidente da República, Moncef Marzouki, secularista e opositor histórico do governo de Ben Ali e, antigamente, ativo defensor de direitos humanos, aprovou a pena desproporcionalmente pesada aplicada, em primeira instância, aos dois jovens.

A tudo isso, é preciso acrescentar também as relações conflitivas dentro da troika governante (a coalizão do Partido Ennahdha e partidos laicos, CPR, Ettatakol e CP), agravadas pela tensão entre o primeiro-ministro e o presidente da República, depois de Jebali tomar, unilateralmente, a decisão de extraditar Baghdadi Mahmoudi, ex-primeiro-ministro de Gaddafi, para a Líbia.

Em resumo, a transição tunisiana anuncia-se tortuosa, longa e difícil. A menos que uma nova onda de militantismo e de levantes populares erga-se outra vez, para acelerá-la.


Nota de rodapé
*O “Prêmio Roma, pela Paz e por Ação Humanitária”, no valor de 25 mil euros, foi criado em 1994, pela empresa nacional italiana de eletricidadde, ENEL. Gianni Alemanno, prefeito de Roma, do partido de Berlusconi, é o que se pode definir como pós-neofascista [NdT italiano em: Tlaxcala].

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