Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A maioria de vocês, prezados leitores de Handesblatt [1], já terá formado um preconceito sobre o que lerá aqui, antes começar a ler. Peço que não se deixem levar por preconceitos. Preconceitos jamais foram bom guia, sobretudo em períodos nos quais uma grave crise econômica reforça estereótipos e alimenta visões enviesadas, nacionalismos, até a violência.
Em 2010, o estado grego deixou de conseguir pagar suas dívidas. Infelizmente, funcionários europeus decidiram fingir que aquele problema poderia ser superado pelo maior empréstimo da história, feito sob condições de austeridade fiscal imposta que, com precisão matemática, fez encolher a renda nacional – único recurso existente para pagar qualquer empréstimo, novos ou velhos. O que era problema de insolvência foi tratado como se fosse caso de iliquidez.
Em outras palavras, a Europa adotou táticas típica de banqueiros de mais baixa reputação, que se recusam a reconhecer maus empréstimos, e preferem empurrar novos empréstimos à entidade insolvente, para fingir que o empréstimo original fora prudente, adiando a falência para algum ponto no futuro. Não se exigia mais que simples bom senso para ver que a tática do “emprestar mais e fingir” levaria meu país a estado lamentável, trágico. Que, em vez de estabilizar a Grécia, a Europa estava criando as circunstâncias para uma crise que se retroalimenta e já ameaça as fundações da própria União Europeia.
Meu partido e eu pessoalmente discordamos firmemente do empréstimo feito em maio de 2010, não porque vocês, contribuintes alemães, não nos deram dinheiro suficiente, mas porque nos deram dinheiro demais, muito mais do que deveriam ter dado, e nosso governo aceitou empréstimo muito, muito maior do que aquele ao qual teria direito. Dinheiro que, em qualquer caso, nem ajudou o povo grego (porque foi lançado no buraco negro de uma dívida impagável) nem impedir que a dívida grega continuasse a inflar como balão, à custa dos contribuintes gregos e alemães.
Antes que se passasse um ano, de 2011 em diante, já começou a acontecer tudo que nós prevíramos que aconteceria. A combinação de gigantescos novos empréstimos e o violento corte de gastos do governo, que deprimiram todas as rendas, não só falharam no projeto de conter a dívida , mas, também castigou mais furiosamente os mais pobres, fazendo dos que até então viviam vida modesta, em mendigos e pedintes, negando-lhes, além de tudo mais que lhe negavam, até a mais mínima dignidade humana. O colapso levou milhares de empresas à bancarrota, e aprofundou o poder de oligopólio das grandes empresas sobreviventes. Os preços caíram, mas mais lentamente que os salários, empurrando para baixo a demanda por bens e serviços e esmagando a renda nominal, ao mesmo tempo em que as dívidas continuavam a crescer sem parar.
Nesse cenário, o déficit de esperança aumentou aceleradamente sem qualquer controle. E antes que alguém se apercebesse do que viria, o “ovo da serpente” madurou e eclodiu: dali nasceram os neonazistas que patrulham nossa vizinhança, espalhando sua mensagem de ódio.
Apesar do fracasso evidente da lógica do “emprestar mais e fingir”, ela continua em ação, ativa até o dia de hoje. O segundo “resgate” da Grécia encenado na primavera de 2012, acrescentou mais outro gigantesco empréstimo sobre os debilitados ombros dos contribuintes gregos, “rasparam” o fundo da caixa de nossas reservas para a seguridade social e financiaram a mais cruel e violenta nova cleptocracia.
Comentadores respeitados tem falado de uma recente estabilização na Grécia, até de sinais de crescimento. Infelizmente a “recuperação grega” [orig. Greek-covery] não passa de miragem, que temos de afastar o mais rapidamente possível de nossa frente. O recente modesto crescimento do PIB real, de cerca de 0,7%, assinala não o fim da recessão (como alguns chegaram a dizer), mas, em vez disso, a continuação da recessão. Considerem o seguinte: as mesma fontes oficiais informam, para o mesmo trimestre, taxa de inflação de -1,80%, i.e. deflação. Implica que o crescimento de 0,7% no PIB real é “efeito” de um crescimento negativo no PIB nominal! Em outras palavras: aconteceu, apenas, que os preços caíram mais depressa que a renda nacional nominal. Nada, absolutamente, que autorize a proclamar o fim de seis anos de recessão!
Permitam argumentar que essa infeliz tentativa de recrutar uma nova versão de “estatísticas gregas”, no esforço para declarar superada a crise grega que permanece aqui, é insulto a todos os europeus que merecem conhecer, no mínimo, a verdade sobre a Grécia e sobre a Europa.
Serei franco: a dívida grega é atualmente insustentável e não será jamais paga, sobretudo enquanto a Grécia continuar submetida à ininterrupta tortura da simulação de afogamento fiscal.
A insistência nessas políticas de beco-sem-saída, e a negação obsessiva da mais elementar aritmética, custam muito caro ao contribuinte alemão, e, simultaneamente, condenam a Alemanha, outrora orgulhosa nação europeia, à indignidade permanente. Ainda pior que isso: a continuarem as coisas como estão, ainda antes que os alemães virem-se contra os gregos, e os gregos contra os alemães, o ideal europeu sofre perdas catastróficas.
Coligação Syriza (em grego) |
A Alemanha, e em especial os valentes trabalhadores alemães, nada têm a temer de uma vitória eleitoral da [coligação] SYRIZA. O outro lado, sim, deve tremer de medo.
Nossa tarefa não é confrontar parceiros. Não é pedir empréstimos ainda maiores ou, e é praticamente a mesma coisa, o direito de dever ainda mais. Nosso objetivo é, em vez disso tudo, estabilizar a Grécia, equilibrar orçamentos e, claro, pôr fim ao arrocho que desespera os contribuintes gregos mais pobres, no contexto de um acordo de empréstimo que é simplesmente irrealizável e inaceitável. Estamos comprometidos com pôr fim à lógica do “emprestar mais e fingir”, não contra os cidadãos alemães, mas com vistas a vantagens mútuas para todos os europeus.
Compreendemos que, por trás da “demanda” alemã de que nosso governo cumpra “obrigações contratuais” está o medo de que, se vocês, alemães, deixarem aos gregos um mínimo espaço para respirar, os gregos voltarão a fazer o que sempre fizeram antes. É ansiedade que se compreende muito bem.
Mas permitam-me lembrar que os gregos “de antes” não eram a coligação SYRIZA. Não fomos nós quem incubamos a cleptocracia que, hoje, finge que deseja “reformas” (mas só na medida em que as tais “reformas” não afetem os velhos privilégios deles e só deles.
Estamos prontos e ansiosos para introduzir grandes reformas, motivo pelo qual buscamos hoje [Esta Carta Aberta foi publicada ANTES das eleições gregas de 25/1/2015 e já vencidas pela coligação SYRIZA (NTs)] um mandato e a representação do povo grego, em colaboração, é claro, com nossos parceiros europeus.
Nossa missão é fazer operar um “New Deal europeu”, graças ao qual nosso povo consiga voltar a respirar, criar e viver em dignidade.
Dia 25 de janeirode 2015 nasce na Grécia uma grande nova oportunidade para a Europa. Uma oportunidade que a Europa não pode expor-se ao risco de perder.
Nota dos tradutores
[1] Handelsblatt é jornal comercial alemão que também é editado em inglês. É um ramo do EJO (European Journalism Observatory) cuja Edição Global também é editada em português de Portugal.
[*] Alexis Tsipras: em grego Αλέξης Τσίπρας (nasceu em 28/7/1974 − Atenas); é o atual Primeiro-Ministro grego desde 26/1/2015; é presidente do partido Synaspismos (SYN) e líder da Coligação SYRIZA. Tsipras é formado Engenheiro Civil com pós-graduação em agrimensura e planejamento. Trabalhou como engenheiro civil no setor de construções e é autor de vários estudos e projetos sobre temas da cidade de Atenas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.