4/2/2015, [*] Tony Cartalucci, New Eastern Outlook, NEO
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido no ensaio do GRES da Vila Vudu: A situação na Tailândia (que é monarquia constitucional, com Parlamento
eleito) é bem semelhante à do Brasil em alguns aspectos cruciais: um governo “amigo
de Washington” [o governo dos irmãos Shinawatra, lá; e o governo
da gangue neoliberal do PSDB-DEM de FHC-Serra-Aécim, aqui] foi tirado do poder [lá, por movimento
popular apoiado pelo exército; aqui, em eleições que elegeram presidentes
populares progressistas].
Tanto na Tailândia como no Brasil, a
vontade popular pôs no poder governos que NÃO SÃO os “amiguinhos” com que
Washington sonha.
Por isso, esses governos, lá como cá,
enfrentam todos os tipos de golpismos & falcatruas coordenados pela CIA-EUA,
sempre interessados em conseguir “mudança de regime” que ponha no governo
grupos favoráveis a Washington e Wall Street − governarem o Brasil, a Tailândia, a Síria, a
Ucrânia, a Venezuela, a Rússia, a Grécia, a Argentina, o Equador, a Bolívia,
etc. etc. etc. − e a imprensa-empresa noticia os golpismos como se fossem alguma “normalidade”
democrática.
A verdade é que é praticamente IMPOSSÍVEL que
uma pessoa bem informada sobre a Tailândia e os golpes da CIA por lá consiga
engolir a “narrativa” fantasiosa de UOL News, por
exemplo, que acompanha o catecismo de Washington, segundo o qual Shinawatra e
sua irmã seriam “governo democrático eleito”. Segundo esse “jornalismo”,
“manifestantes pró-democracia” seriam só a dúzia e meia de “cidadãos” que
apoiam a gangue dos Shinawatra.
É como “noticiar” que “manifestantes
pró-democracia”, no Brasil, seriam exclusivamente a meia dúzia de “democratas”
do Instituto Milênio, da Opus Dei e do Instituto Fernando Henrique Cardoso,
todos eles dedicados a derrubar governos eleitos, golpistas cujos “movimentos”
são sempre “noticiados” com destaque no “noticiário” [só rindo] de veículos das
empresas de imprensa paulistas.
Yingluck (E) e seu irmão Thaksin Shinawatra
|
Comentários
distribuídos na esteira da derrubada do regime serviçal que os EUA mantinham na
Tailândia alienam ainda mais a superpotência em declínio.
Primeiro em
Hong Kong, agora na Tailândia, estão em absoluto curto
circuito os planos dos EUA para instalar regimes fantoches e assim tentar
manter ou ampliar a hegemonia norte-americana na região do Pacífico asiático.
A mais
recente grande confusão começou depois que o Secretário-Assistente de Estado
dos EUA para Assuntos do Leste da Ásia e Pacífico, Daniel Russel, fez
comentários em que condenou a recente deposição, e depois o impeachment, da ex-Primeira-Ministra
tailandesa Yingluck Shinawatra, acusada de envolvimento em longa lista de atos
de corrupção e de abuso de poder.
Conforme transcrição
oficial, pelo Departamento de Estado dos EUA, do discurso que
fez na Tailândia, Daniel Russel disse que:
Daniel Russel |
(...) processo estreito, restrito, limitado
– cria a risco de que muitos cidadãos tailandeses sejam esquecidos, que se
sintam excluídos do processo político.
Por isso nós
continuamos a defender um processo político inclusivo e mais amplo, no qual
todos os escalões da sociedade sintam-se representados, sintam que suas vozes
são ouvidas. Acrescento que a percepção de justiça também é extremamente
importante. Na verdade, quando um líder eleito é removido do poder, é deposto,
depois tem seu impeachment declarado pelas
autoridades – e pelas mesmas autoridades que comandaram o golpe que o depôs –,
e quando um líder político é alvo de acusações criminais, em contexto em que os
processos e instituições básicas do país estão interrompidos, a comunidade internacional
não tem outra impressão se não a de que todos esses “movimentos” podem ter sido
politicamente manipulados.
O
comentário de Russel sobre “cidadãos tailandeses que se sentiram excluídos”
sempre foi o primeiro parágrafo de todos os discursos do próprio Shinawatra,
quando precisou justificar os atos de terrorismo de seu governo e o golpe
armado que deixou centenas de mortos. E é linha sempre presente em todas as
falas em que os EUA precisam “explicar” a violência que organizam e financiam
em outros países, sempre para “mudança de regime”.
A ideia de
Russel, de que as acusações criminais contra Shinawatra teriam sido
“politicamente manipuladas” é perfeito desvario, sandice.
Barack Obama e Yingluck Shinawatra em 18/11/2012 |
No caso dos
EUA, defender a primeira-ministra evidentemente posta lá como “procuradora” de
seu irmão, criminoso condenado que vive fora do país para não ser preso, e que
comandou um regime que destruiu a economia tailandesa, ao mesmo tempo em que
mandava assassinar seus adversários políticos pelas ruas, é muito visível
quebra do protocolo diplomático e expõe muito claramente a prática vergonhosa
do próprio Departamento de Estado.
Na verdade,
o Departamento de Estado dos EUA existe para representar o povo dos EUA em
outros países; não existe para impor os interesses dos EUA sobre e contra todos
os demais povos da Terra.
O governo
tailandês rapidamente condenou os comentários e, na sequência, viu-se uma
sucessão de revides e respostas contra o que já está sendo abertamente
denunciado como interferência descabida dos EUA em assuntos internos da
Tailândia.
O que os EUA veem nos [irmãos] Shinawatras
Yingluck
Shinawatra assumiu o poder em 2011, concorrendo declaradamente como preposta de
seu irmão, Thaksin Shinawatra, criminoso condenado que fugiu do país e assim
escapou de cumprir sentença de dois anos de prisão, dentre longa lista de
acusações ainda pendentes nas cortes tailandesas.
O slogan eleitoral do partido “Peua Thai”
de Thaksin Shinawatra era, literalmente, “Thaksin Pensa, Peua Thai Faz” –
admissão declarada de que o homem, criminoso condenado, ainda tenta governar
literalmente o país.
Protestos contra os Shinawatra |
Para
entender o por quê de os EUA tão descaradamente quebrarem todas as regras
protocolares e diplomáticas e atacarem a própria soberania da Tailândia, com
discurso em que “comentam” assuntos internos do país, é preciso lembrar que o
próprio Thaksin Shinawatra sempre foi amigo íntimo da dinastia política dos
Bush; que foi membro do Grupo
Carlyle e que desde que foi deposto, ele próprio, em golpe apoiado
pelo exército tailandês leal à monarquia, em 2006, sempre apareceu abertamente
representado por alguns dos mais caros lobbyistas profissionais das
empresas de lobbying mais conhecidas do mundo, dentre os quais Kenneth
Adelman de Edelman PR
(Freedom
House,
International
Crisis Group, PNAC), James
Baker de Baker Botts (CFR, Carlyle
Group), Robert
Blackwill (CFR) de Barbour
Griffith & Co.; Rogers (BGR), Kobre
& Co.; Kim, Bell
Pottinger (sobre
isso, ver também Guardian) e é atualmente representado por Robert
Amsterdam de Amsterdam Partners (Chatham
House).
No poder,
Shinawatra tomou posição firmemente pró-EUA, economicamente e geopoliticamente.
Contra a vontade do Exército Real da Tailândia e do próprio povo tailandês, Shinawatra enviou soldados tailandeses para colaborarem na
invasão e ocupação ilegais do Iraque. Também autorizou a CIA-EUA a
usar território tailandês para as práticas do horrendo programa de “entregas
especiais”, pelo
qual prisioneiros eram entregues a vários países do mundo para serem torturados
fora de território norte-americano. Shinawatra também tentou assinar um acordo de livre comércio, impopular, além de ilegal, com as
empresas de Fortune 500, dos EUA.
Também
durante seu mandato, Shinawatra cometeu incontáveis atrocidades contra os
próprios tailandeses. Primeiro, em 2003, iniciou o que chamou de “guerra às
drogas”. Cerca de 3 mil
pessoas foram executadas nas ruas, sem qualquer julgamento ou processo,
ao longo de apenas 90 dias. Adiante se descobriu que mais da metade dos mortos
nada tinham a ver com tráfico de drogas. Só nesse episódio, Thaksin passou a
ser o tailandês autor de maior número de crimes contra direitos humanos de toda
a história do país. No ano seguinte, o mesmo Thaksin poria fim com extrema
violência aos protestos em províncias no sul do país, em que 85 manifestantes
foram assassinados num único dia, episódio conhecido hoje como o “incidente de Tak Bai”.
Em Tak Bai 400 presos e 80 assassinatos |
Além desses
dois eventos criminosos bem divulgados, 18 militantes defensores de direitos
humanos foram assassinados ou desapareceram durante o primeiro mandato de
Tahksin, segundo a Anistia Internacional. Dentre
eles, está o advogado e ativista defensor de direitos humanos Somchai Neelapaijit. O advogado foi visto pela última vez
em 2004, ao ser preso por policiais. Depois disso, nunca mais se soube dele.
Shinawatra
também moveu uma campanha de terror e assassinatos contra seus oponentes. Em
abril de 2009, pistoleiros atiraram mais de 100 vezes contra o veículo de um ativista do movimento dos “camisas amarelas” anti-Shinawatra,
líder de protestos e magnata “midiático” dono de uma rede de televisão, Sondhi
Limthongkul, em tentativa de assassinato à plena luz do dia. Dia 10/4/2010,
militantes pesadamente armados organizados por Thaksin Shianwatra e seus “camisas vermelhas” emboscaram a
mataram a tiros o coronel Romklao Thuwatham que,
naquele momento, comandava as operações de controle das manifestações de rua
perto do Monumento à Democracia em Bangkok. Os “camisas vermelhas” de Thaksin
manteriam luta contra o exército tailandês durante semanas, antes de
encerrar suas manifestações com uma onda de saques e depredações que se
alastrou por toda a cidade. E em agosto de 2013, o empresário e principal adversário político de Thaksin, Ekkayuth Anchanbutr foi
sequestrado e assassinado.
*****
Cartazes contra os Shinawatra |
Para quem
conheça a natureza profunda e inalterada da política exterior dos EUA, nada há
de novidade em os EUA garantirem apoio irrestrito a ditador violento e brutal,
mas obediente a Washington; é história que se repete até hoje, com o
Departamento de Estado dos EUA sempre trabalhando abertamente para minar a
legitimidade do atual governo tailandês e os esforços que o atual governo tem
empreendido para arrancar todos os ramos do regime Shinawatra e as redes de
agitação e subversão organizadas, pagas e mantidas pelos EUA, que ajudam ainda
os Shinawatra a manter-se firmemente agarrados às alavancas do poder político
na Tailândia por, já, mais de uma década.
Que a mão
pesada dos irmãos Shinawatra e respectivo grupo comece a dar sinais de já não
ser tão poderosa indica claramente que a enorme capacidade dos EUA para
interferir impunemente começa a diminuir.
Os
comentários de Russel não caíram em ouvidos de público tailandês receptivo aos
EUA. A maioria dos tailandeses apoiou o golpe militar que depôs o regime dos
Shinawatra. Mesmo em 2011, apenas 35% do eleitorado tailandês total votava com
o partido de Shinawatra, o partido Peua Thai, que não alcançou a maioria dos
votos. Segundo pesquisa de uma fundação asiática realizada em 2010, apenas 7%
dos 70 milhões de cidadãos tailandeses identificam-se como “vermelhos”, a cor
associada à frente política de Shinawatra.
A fantasia
de que os militares derrubaram “governo popular democraticamente eleito” não
poderia estar mais distante da verdade – e outras fantasias e mitos desse tipo
só ganharam tração por causa da vastíssima e incansável campanha continuada de
propaganda e apoio aos Shinawatra movida pelos EUA e pelas redes de televisão,
rádio e imprensa-empresa tailandesa em geral, já
perfeitamente integradas aos vastos monopólios ocidentais de “mídia”.
Apesar,
contudo, da ação desses monopólios, a reação contra os comentários de Russel
foi desastrosa para o prestígio do próprio Russel e para a agenda dos EUA na
Tailândia. Dia a dia aumenta o número de tailandeses que vão deixando de
interpretar a atual crise política como mera batalha entre Thaksin Shinawatra e
a ordem política tradicional tailandesa, e passam a vê-la como guerra
existencial nacional contra agenda de potência estrangeira que inventou e
continua a proteger o clã Shinawatra e contra, também uma vasta rede que só
espera derrubar toda a ordem política e a soberania da Tailândia.
[*] Tony Cartalucci é pesquisador de geopolítica e escritor sediado em Bangkok,
Tailândia. Seu trabalho visa cobrir os eventos mundiais a partir de uma
perspectiva do Sudeste Asiático, bem como promover a auto-suficiência como uma
das chaves para a verdadeira liberdade.
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