10/2/2015, [*] Laurent de Sutter,
Libération
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
É tempo de
abrir os olhos: as autoridades que estão hoje no comando da Europa encarnam uma
nova modalidade de fascismo. Não é mais o fascismo manifesto e assumido, que
fez do século XX um dos maiores do horror político; trata-se, isso sim, de um
fascismo mole e lábil, que dissimula suas más intenções por trás de uma
linguagem que parece racional. Mas a razão que manifestam todos que, hoje, se veem
obrigados a discutir com o Primeiro-Ministro grego Alexis Tsipras é, na
realidade, uma razão delirante. E é razão delirante em vários planos.
Primeiramente, a razão
europeia é delirante no plano político: cada novo gesto encenado pelas
autoridades europeias (e também, para completar, o gesto do diretor do Banco
Central Europeu, Mario Draghi) exibe sobretudo desprezo pelos princípios sobre
os quais a razão deve-se basear. Ao proclamar que os tratados europeus são
imunes a qualquer voto ou desejo democrático, o Presidente da Comissão Europeia,
Jean-Claude Juncker, nem tentou ocultar coisa alguma: a democracia não passa de
palavra vazia na Europa.
Falava de
uma realidade jurídica (é verdade que os tratados são negociados entre estados,
não entre populações), o que não impediu que sua fala soasse como fala de
renegado: não, a Europa não pertence a vocês, povos da Europa – tampouco
pertence aos governos que vocês elegeram, se esses governos não marcharem no
ritmo em que queremos vê-los marchar. Essa a mensagem que Juncker quis divulgar
– e todos ouviram.
A inspiração de Mário Draghi |
Em segundo lugar, a razão
europeia é delirante também do ponto de vista econômico: o que as autoridades
europeias estão fazendo é, simplesmente, a ruína de um continente inteiro. Ou,
ainda pior: é a ruína da população de um continente inteiro – e bem quando a
riqueza global da Europa, enquanto entidade econômica, não para de crescer.
As
autoridades econômicas europeias, enquanto se esforçam para matar no ovo o
programa grego, e o plano de impecável racionalidade econômica de Yanis
Varoufakis, afirmam precisamente essa razão econômica delirante, e sem meias
palavras.
Àquelas
autoridades, o que interessa é perpetuar o status quo do financismo, no
qual o capitalismo em seu formato mais desencarnado e mais maníaco, só produz
riqueza abstrata. Já não importa àquelas autoridades que a riqueza da Europa
beneficie seres humanos; em vez disso, é cada vez mais importante que a riqueza
mude de mãos, circulando cada vez mais só entre poucas mãos. Mas o que não
passa pela cabeça daquelas autoridades é que, ao desequilibrar de modo tão
radical o sistema econômico europeu, aquelas autoridades correm o risco de
destruir o próprio sistema capitalista, como não se cansam de repetir tantos
analistas financeiros. Porque, afinal de contas, já nem se trata realmente de
capitalismo, sequer, mesmo, de economia: trata-se de poder, de pura, violenta
imposição de poder.
Em terceiro lugar, a razão
europeia é delirante do ponto de vista da própria razão. Por trás de diferentes
apelos para ser “razoável”, que o governo grego está tendo de ouvir, oculta-se
de fato a ânsia para conseguirem submeter a Grécia à loucura mais completa.
A Europa reage ao nazifascismo... |
Porque a
razão à qual se referem os políticos europeus (por exemplo, para justificar as
ensandecidas medidas de arrocho [orig. austérité] que impõem aos
cidadãos) repousa sobre um conjunto de axiomas que servem perfeitamente para
definir a loucura. São axiomas que, para começar, mandam apagar o princípio de
realidade. Só assim se cria a condição básica para que a razão das autoridades
europeias possa continuar a girar no vazio, sem contato algum com o que esteja
acontecendo no mundo concreto.
Na sequência, é preciso
recusar também qualquer princípio de coerência−consistência. Só assim se mantêm
em pé os argumentos usados para fundamentar o que as autoridades europeias
querem decidir e decidem. Esses argumentos são apresentados, de fato, também
para enterrar definitivamente qualquer anseio de coerência−consistência. (Basta
considerar, por exemplo, a “austeridade” [de fato, é arrocho], apresentada como se fosse racional do ponto de vista
econômico, quando todos sabemos que nada tem de racional).
Trata-se por fim de recusar
o princípio do contraditório – o fato de que sempre se pode voltar aos
fundamentos das decisões tomadas e rediscuti-los – ideia que tem suscitado até
agora as reações mais histéricas entre as autoridades europeias.
É preciso
contestar, interrogar, esse delírio generalizado, que as autoridades europeias
manifestam.
O fascismo europeu não foi completamente derrotado na IIa. Guerra Mundial |
Por que aí
está, exposto tão desavergonhadamente aos olhos do mundo? Por que continua a
fingir que tem razões (racionais) a apresentar a seu favor, quando já se viu
que suas razões não são razões, já não têm sentido algum? Quando já se sabe que
não passam de palavras ocas, slogans
furados e lógicas falsas, lógicas de dissimulação?
A resposta
é simples: porque estamos diante do fascismo. Trata-se de dar uma cobertura
ideológica puramente convencional, um discurso que se finge aceitar, ao qual se
finge aderir, para, na verdade, completar outra ação. Como já sugeri acima,
essa operação é operação de outra ordem: trata-se de garantir a domesticação
sempre mais violenta das populações europeias – de garantir que não reagirão
contra as medidas mais violentas tomadas contra elas.
Diferentes
populações europeias elegeram governos que se apresentaram como democráticos –
mas são governos cujo programa oculta exatamente o contrário do que mostra. São
governos que trabalham contra a democracia, porque a democracia não trabalha a
favor deles. Todo o resto é pretexto.
Ora, o que
o novo governo grego tenta fazer é reintroduzir um pouco de realismo, no
inverossímil, irracional delírio político e econômico em que a Europa está
afogada – vale dizer: introduzir ali um pouco de democracia. Mas ao fazê-lo, o
novo governo grego desmascarou a extensão da escroqueria, da fraude, que
governa os outros países do continente. Isso os escroques nunca lhe perdoarão.
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[*] Laurent de Sutter é um escritor belga francófono. Pesquisador de Teoria do Direito na Wetenschappelijk Onderzoek da Vrije
Universiteit Brussel; ensina nas Faculdades Saint-Louis (Bruxelas) e é Pesquisador
Honorário Visitante Escola de Direito Cardozo (New York). Dirige a coleção “Perspectivas
Críticas” na editoria da Presses
Universitaires de France.
Nasceu em Bruxelas em 24/12/1977.
Fez os primeiros estudos no Colégio Dom Bosco (Bruxelas), Iniciou seu curso de
Direito na Universidade de St. Louis (1995-1997) e complementou na Universidade
Católica de Louvain (1997-2000). Ingressou no curso de mestrado em Teoria Jurídica na Academia Europeia de Teoria
do Direito (2000-2001); em seguida, cursou Sociologia do Direito na DEA Paris
II Panthéon-Assas (2001-2002). Integrou a equipe de pesquisa da Vrije Universiteit Brussel, projeto IAP.
Desde 10/1997, aos 20 anos, trabalhou
na revista pop-rock Rif-Raf durante
10 anos; sete anos como colunista e três anos, como titular do “Cosy Corner”. Publicou,
em revistas como Tapin, textos
pertencentes ao campo da poesia contemporânea. Escreveu pastiche no Journal de l’oeuvide publicado on-line
pela Tapin.
Publicou ensaios em vários jornais, incluindo o jornal Pylon, que recebeu seu primeiro texto crítico sobre a pornografia.
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