25/2/ 2015, [*] Finian Cunningham – Strategic Culture
Tradução: mberublue
Poroshenko e Mohammed Bin Zayed al Nayhan |
Cresceram as suspeitas, que já eram fortes, de que a OTAN, aliança liderada pelos Estados Unidos, encontrou uma nova forma de fornecer armas sorrateiramente para a Ucrânia, depois do anúncio, feito nesta semana, de que o regime de Kiev teria concluído um grande negócio com os Emirados Árabes Unidos para o fornecimento de armamento militar. Só dizemos “nova forma” porque se acredita que os Estados Unidos e a OTAN secretamente já fornecem armas para o regime de Kiev, através de seus aliados Polônia e Lituânia.
O presidente da junta de Kiev, Petro Poroshenko, festejou a nova parceria estratégica com o reino do Golfo Pérsico enquanto visitava a International Defence Exhibition (IDEX), realizada na capital dos Estados Árabes Unidos, Abu Dhabi. Regiamente recebido pelo príncipe Mohammed Bin Zayed al Nayhan, Poroshenko afirmou ser um “presidente da paz” mas que a Ucrânia, ou melhor dizendo, o estado falido que seu regime comanda, precisa de forte armamento defensivo por causa de seu “inimigo russo”.
Tais desenvolvimentos surpreendentes encontram a explicação de seu significado real, quando se descobre que Poroshenko e seu anfitrião árabe, conforme relatado, realizaram reuniões discretas com funcionários do Pentágono e fabricantes americanos de armamento militar durante a realização da feira de armamento. Trata-se de indicação de que, na realidade, Washington está coordenando a já esperada transferência de armas para o regime de Kiev.
EUA-OTAN armam a junta de Kiev com a "mão de gato" do Emirados Árabes Unidos |
Mesmo não tendo vazado nenhum detalhe da parceria Kiev/EAU, pode-se assumir sem medo de errar que o fornecimento de armas para a Ucrânia através dos árabes não passa de uma maneira encontrada pela OTAN e pelos Estados Unidos, apoiadores da junta colocada no governo pelo ocidente e que tomou o poder ano passado através de um golpe de estado, suprir de armamento o regime de Kiev. Este regime lançou uma guerra de agressão contra os federalistas do leste ucraniano, infligindo até agora cerca de 6.000 mortes, principalmente entre a população civil de etnia russa.
No início do mês tornou-se claro que Washington e seus aliados da OTAN podem vir a pagar um alto preço político pelo movimento desastroso que cometeram, ao se envolver cada vez mais no conflito ucraniano. Quando Washington anunciou que iria em frente com seu plano congressional de prover o regime de Kiev com “ajuda letal”, houve uma consternação internacional generalizada contra essas maquinações imprudentes.
Washington foi alertada por Moscou que um futuro apoio militar ao regime de Kiev, anti russo e reacionário, em sua fronteira ocidental, consistiria em uma “escalada desastrosa”. Então, aparentemente, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, recuou de suas propostas de fornecimento de armas e munições letais.
Hoje, os EUA fornecem armas para a junta de Kiev via Estônia |
O fornecimento de armas também foi condenado pelos normalmente servis aliados europeus dos Estados Unidos. A Alemanha, a França e mesmo a Inglaterra indicaram sua desaprovação declarando que não seguiriam qualquer movimento no sentido de enviar mais armas para a Ucrânia. Quem talvez tenha mostrado de forma mais severa sua desaprovação foi a chanceler alemã, Angela Merkel. Durante visita aos Estados Unidos, ela reiterou sua posição de “não armar” a Ucrânia para a mídia estadunidense ao ser recebida por Obama na Casa Branca.
Não restaram dúvidas de que o público europeu, já cambaleante frente a uma cada vez mais forte austeridade econômica (leia-se arrocho – NT via Vila Vudu), desemprego e curtindo forte desdém para com os políticos europeus irresponsáveis movimentou-se concentradamente, em várias capitais, em direção à negação total de jogar mais lenha na fogueira do já furioso incêndio da guerra na Ucrânia.
A ideia de antagonizar cada vez mais a Rússia, seguindo o incendiário militarismo estadunidense na Ucrânia poderia provocar uma tempestade política na Europa. Então, os normalmente servis líderes europeus “sim, senhor, sim, senhor!” foram obrigados a desafiar a imprudência dos EUA.
Aparentemente, o início de discórdia entre Estados Unidos e União Europeia provocou o nervosismo de Washington, ante o temor de que o eixo tático de sanções anti russas acabasse por se desfazer.
Barack Obama e John Kerry |
O Presidente Barack Obama e seu Secretário de Estado John Kerry se esforçaram para enfatizar que os Estados Unidos e a Europa estavam “unidos” sobre a crise ucraniana e sua alegada “agressão russa” – apesar de terem os líderes europeus, publicamente, no mínimo repudiado a política de armas de Washington.
Então, em vez de se arriscar a uma divisão nas fileiras da OTAN, Washington e seus aliados parecem ter encontrado uma engenhosa maneira de contornar o problema – tornar os Emirados Árabes Unidos a vanguarda para o fornecimento de armas ao regime de Kiev.
Uma “nova indústria de defesa” nos Emirados Árabes Unidos tem aparecido em relatos de vários órgãos da mídia. Acontece que qualquer indústria que tenha lugar em um reino inundado de petróleo, na verdade é, em grande medida, apenas um meio de acrescentar valor ou uma plataforma de marketing para as indústrias ocidentais. O setor de defesa dos Emirados Árabes Unidos é dominado por importações dos Estados Unidos e pelas grandes indústrias norte americanas do setor, tais como a Boeing, Lockeed Martin e Raytheon.
As operações “em parceria” com os Emirados refletem apenas a intenção da aristocracia do reino em provocar admiração por estar supostamente promovendo a diversificação com a criação de setores de alta tecnologia para fugir da dependência das receitas da exportação de petróleo.
Guerra é grana |
Para as grandes empresas de armamento ocidentais, a venda a retalho nos Emirados promovem apenas uma cobertura conveniente em termos de relações públicas para as vendas globais de armamento. Assim, as armas norte americanas e europeias podem ser vendidas para todas as partes do globo, mesmo aquelas onde esses fornecimentos seriam considerados antiético – afinal, as vendas teriam sido feitas originalmente pelos Emirados Árabes Unidos.
Não se esqueça, no entanto, que, segundo o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), os Emirados Árabes Unidos são o quarto maior importador de armas do mundo. Trata-se de um recorde estarrecedor quando se leva em consideração de que estamos falando de um país onde a população é de cerca de nove milhões de pessoas, das quais apenas um milhão são de árabes nacionais, sendo o restante pessoal expatriado da Ásia e África para trabalhar. Levando em conta apenas uma base per capita, os Emirados Árabes Unidos são de longe o maior importador de armas do mundo. Além disso, trata-se de um país que, desde que conseguiu sua independência formal da Inglaterra em 1971, nunca esteve em guerra.
O SIPRI afirma, em seu último relatório de tendências globais, que os países árabes do Golfo Pérsico dobraram suas exportações de armas em anos recentes, mesmo partindo de uma base já bastante elevada anteriormente. Atualmente, a Arábia Saudita é o quinto maior exportador de armas do mundo. Qatar, Barein e Omã também são grandes destinatários para as vendas de armas das indústrias armamentistas ocidentais.
Com 40% das vendas, o mercado de armas do Golfo Pérsico hoje é dominado pelos Estados Unidos. Outros grandes exportadores para a região são a Alemanha, França e Inglaterra. A Rússia também tem uma forte presença nesse mercado. Mas a parte do leão é dos aliados da OTAN. Particularmente, a Alemanha tem intensificado suas exportações de armamentos para o Golfo Pérsico, o que está causando alguns problemas para o governo Merkel entre a população alemã, que passou a considerar que o governo alemão está sustentando regimes repressivos e autocráticos. Blindados em geral e tanques Leopard estão entre as mais lucrativas exportações da Alemanha.
Tanque alemão Leopard 2A6, com canhão de 120mm L55 (Rheinmetall) |
Os regimes árabes do Golfo Pérsico se tornaram, dessa forma, arsenais da OTAN. Entre eles, o arsenal da OTAN por excelência é o pequeno EAU, com seu orçamento de segurança de 13 bilhões de dólares anuais.
O novo contrato firmado entre o regime de Kiev e os Emirados Árabes Unidos para o suprimento de armamento tornou-se assim uma nova frente da OTAN para o fornecimento de armas para a junta de Kiev. Convenientemente para os governos ocidentais, o arranjo tende a tornar obscura a participação da OTAN aos olhos de seu público, mas apenas superficialmente.
É um mau sinal para o instável cessar fogo costurado pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, no início do mês. Putin tem continuamente alertado para a atitude hostil de Poroshenko e outros líderes de Kiev, que acusam rotineiramente a Rússia de agressão, enquanto vomitam bravatas sobre lutar uma “guerra total”. Além de indulgentes com essa retórica inflamada, Washington e União Europeia têm renovado as sanções contra Moscou e lançado a culpa do conflito sobre a Rússia.
A junta em Kiev está claramente usando o empréstimo de 40 bilhões de dólares dos pagadores de impostos ocidentais cedidos através do FMI para comprar armas para aperfeiçoar sua máquina de guerra apoiada pela OTAN. O acordo para a venda de armas dos Emirados Árabes Unidos é apenas uma porta dos fundos para a OTAN introduzir mais e mais armamento e incrementar o belicismo de Kiev contra a Rússia.
[*] Finian Cunningham nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente. É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.
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