6/2/2015, [*] Alexander Mercouris, Russia Insider
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Hollande (E) e Merkel indo para Moscou |
Notícias de que Hollande e Merkel estão viajando para Moscou confirmam o que já sugerimos aqui – que está em curso uma vasta iniciativa diplomática para pôr fim ao conflito ucraniano.
A iniciativa, bem visivelmente, foi provocada pela evidência sempre crescente de que Kiev aproxima-se do ponto de derrota total, sem retorno.
A situação econômica da Ucrânia está em queda livre. O nível sempre decrescente das reservas em moeda estrangeira no Banco Central forçou a Ucrânia a deixar flutuar livremente a própria moda, a hryvnia, a qual, por consequência, perdeu quase um terço do valor em apenas um dia.
O colapso da hryvnia implica problemas muito maiores para a Ucrânia, que a desvalorização do rublo para a Rússia.
Diferente da Rússia, a Ucrânia já praticamente consumiu suas reservas em moeda estrangeira, que caíram tão baixo que o país só conseguirá cobrir os custos de importações durante apenas poucas semanas.
Diferente da Rússia, a Ucrânia está pesadamente endividada e sem dinheiro para cobrir as próprias dívidas ou garantir cobertura aos próprios bancos. O colapso da hryvnia tornará praticamente impossível pagar aquelas dívidas.
A hryvnia (moeda da Ucrânia) em queda total |
Dado que o FMI já está ameaçando cortar financiamentos, e dado que fontes alternativas de financiamento, de estados ocidentais, não cumpriram o que prometeram, a possibilidade do calote e de total colapso da moeda e do sistema de bancos ucranianos vai-se tornando muito real.
A coisa já chegou a tal ponto, que o pouco que a economia ucraniana está ainda funcionando só o faz graças ao gás, ao carvão e à eletricidade que a Rússia fornece à Ucrânia.
Com a economia em desintegração, a situação militar é mais crítica a cada dia. Já se sabe que é completamente falso o discurso dos falastrões, ao longo das últimas semanas, sobre como os militares de Kiev ter-se-iam recuperado dos desastres do verão.
O aeroporto de Donetsk foi retomado pelas forças do Donbass, e Kiev sofreu ali duras perdas. E o caldeirão do Debaltsevo já foi completado, está selado e milhares de soldados estão sitiados.
Enquanto isso, a tentativa para reverter a situação militar cada dia mais catastrófica, mediante um surge de recrutamento, com convocação dos reservistas, só fez disparar uma onda de protestos e oposição, com fuga em massa de pessoas para Romênia, Polônia e, sobretudo, para a Rússia, para fugir do alistamento militar.
Que alguns dos políticos ocidentais que mais investiram o próprio capital político no golpe de estado de Kiev ponham-se agora a tentar obter algum refresco, nem chega a surpreender.
Depois que falhou a tentativa de fragilizar a Rússia com sanções, para que desistisse do apoio aos resistentes no Donbass, aqueles políticos ficaram sem qualquer alternativa realista, exceto tentar conversar com a Rússia. É a razão pela qual Merkel e Hollande estão voando para lá.
Merkel e Hollande tentam acordo com Putin (C) |
Hollande já esteve antes em Moscou, na viagem de volta de uma reunião no Cazaquistão. Ao visitar a Rússia, Hollande quebrou o pacto informal firmado entre os líderes ocidentais, de que nenhum deles pisaria em solo russo enquanto durasse o conflito na Ucrânia; naquele momento, Hollande foi criticado pela “traição”. Que, agora, Merkel também já esteja correndo na mesma direção mostra o quanto a situação já é desesperadora para o “ocidente”.
Discute-se ainda sobre qual é a real posição dos EUA. Alguns veículos da empresa-imprensa nos EUA dizem que o governo Obama considera o envio de armas para a Ucrânia, o que, para alguns “analistas” indicaria movimento de oposição à paz, no governo dos EUA.
Esse noticiário espalhou o pânico na Europa. Todos os principais governos europeus (britânico, francês, alemão, húngaro, finlandês e da República Tcheca) já se manifestaram publicamente contra a ideia de enviar armas à Ucrânia, o que implicaria perigosa escalada, sem qualquer chance de modificar o curso da guerra.
Não há dúvidas de que há gente, dentro do governo dos EUA, que permanece fortemente comprometida na aventura ucraniana, e pressionando para que o país forneça armas à Ucrânia. E a mesma ideia vem ganhando adeptos no Congresso.
Contudo, como já discutimos (aqui e aqui), há cada vez mais evidências de que outros funcionários dos EUA estão cada dia mais preocupados com o perigo de os EUA estarem cavando, na Ucrânia, a própria cova. Por hora, essa “ala” dentro do governo ainda é dominante.
Assim sendo, os relatos sobre discussões em torno do fornecimento de armas, embora sem dúvida reflita um debate em curso dentro do governo dos EUA, pode estar sendo inflado também para dar algum alavancagem diplomática aos EUA sobre Moscou – num contexto no qual parece mais evidente, a cada dia, que os EUA não têm ponto algum no qual apoiar sua alavanca contra a Rússia.
Poroshenko e Kerry em Kiev (4/2/2015) |
O que sugere que essa pode ter ser a situação real é que o secretário Kerry, em sua visita a Kiev, nada disse sobre fornecimento de armas. Em vez disso, apareceu só com quantias irrisórias de ajuda financeira (e mesmo elas, pesadamente condicionadas), disse vagas palavras de apoio e fez questão de relembrar a Poroshenko o compromisso que Kiev assumiu, pelo Protocolo de Minsk, de garantir status especial às regiões rebeldes do Donbass.
Tudo isso sugere que Merkel e Hollande acertaram posições com os EUA, e que a “iniciativa de paz” tem, pelo menos até o momento, o apoio dos EUA, mesmo que, por motivos de política doméstica, o governo de Obama tenha de se contentar com a poltrona traseira.
Devo dizer que, apesar do noticiário francês, segundo o qual Washington não foi consultada sobre a decisão tomada por Merkel e Hollande de viajar a Moscou, eu, pessoalmente, duvido muito que Merkel e Hollande viajariam a Moscou, empenhados em iniciativa de paz, se soubessem que os EUA se opusessem à ideia.
Mas fato é que ainda se líderes ocidentais estiverem agora genuinamente em busca de paz, nada disso significa que alcancem qualquer paz. A paz depende de pelo menos dois fatores:
(1) dos termos em que a paz seja proposta; e
(2) se os negociadores se acertarem sobre os termos, a paz depende também do empenho que o ocidente esteja disposto a investir para obrigar Kiev a aceitar algum acordo.
Não se conhecem os termos que Merkel e Hollande estão levando a Moscou. E tudo que se sabe, até agora, é bem pouco estimulante.
Tudo faz crer que o objetivo da dupla não é tanto obter acordo duradouro que ponha fim ao conflito ucraniano; parecem mais interessados em apenas “congelar” o conflito, de modo que consigam salvar seu “protegido” ucraniano, do desastre certo que o aguarda por lá.
Putin e Poroshenko em Minsk (5/9/2014) |
Aparentemente, tentarão fazê-lo mediante o ressuscitamento do engripado processo de Minsk, e retomando a ideia da federalização que os russos propuseram na primavera passada. Hollande também sugeriu que estariam dispostos a oferecer aos russos algum tipo de promessa de que a Ucrânia não será integrada à OTAN.
Falta verificar se as “propostas” chegam perto pelo menos, de satisfazer sejam os russos, seja o governo de Kiev.
Primeiro, há ponto de interrogação gigante sobre se a resistência armada ou a população do Donbass têm qualquer interesse em aceitar algum federalismo com Kiev, por mais frouxa que seja a estrutura confederal. Depois de tudo que aconteceu, o máximo de “confederação” que talvez interesse à resistência e ao povo do Donbass seria alguma coisa como um “prefácio” antes da total independência. Assim, é possível que a resistência e o povo do Donbass absolutamente não se interessem pela federalização que Merkel e Hollande têm em mente.
Essa questão pode talvez ser deixada de lado, até que comecem conversações e negociações constitucionais. Nenhum outro problema é mais urgente que algum acordo para um cessar-fogo eficaz e aplicável ao longo de alguma linha de fronteira a ser demarcada conjuntamente pelos dois lados. De fato, não faltam problemas gravíssimos.
Há notícias que sugerem que Merkel e Hollande querem voltar à linha de fronteira que a resistência e Kiev definiram em Minsk, dia 19/9/2014. Mas a resistência já mudou de posição quanto a isso: insistem que os territórios que conquistaram na ofensiva ainda em curso devem permanecer como territórios seus. Até agora, os russos continuam a dar-lhes total apoio nessa reivindicação.
Alexander Zakharshenko, comandante de Donetsk |
Comandantes da resistência anti-Kiev vão ainda mais longe e dizem que, como limite mínimo aceitável, devem-se adotar as fronteiras administrativas das regiões de Donetsk e Lugansk. Implica que cidades como Slavyansk, Kramatorsk e Mariupol devem ser “devolvidas” à resistência. Outros milicianos anti-Kiev vão ainda mais longe. Circula já um mapa em que se demarcam novas fronteiras que acompanham as fronteiras da república [soviética] Donetsk-Krivoy Rog, de 1918, que se estendia para além de Kherson, bem mais para o oeste.
Se chegar a algum acordo preliminar para pôr fim aos combates já é empreitada dificílima, fazer valer qualquer acordo é ainda muito mais difícil.
Os russos mostraram já, antes, que estão preparados para pressionar a resistência no Donbass e fazê-los conceder, assumir compromissos e cumpri-los.
O principal, o maior obstáculo à paz na Ucrânia é, desde o primeiro dia da crise na Praça Maidan, em novembro de 2013, que as potências ocidentais falharam em todas as tentativas para “disciplinar” os seus próprios vassalos armados na Praça Maidan, mesmo quando os vassalos juraram obedecer.
Resultado disso é que todos os acordos sempre fracassaram, porque os cabeças do movimento Maidan sistematicamente ignoram acordos. Esse padrão fixou-se antes do golpe e não se alterou até hoje.
Se o ocidente não tem meios para forçar Kiev a obedecer ao que fixem quaisquer acordos, já se pode ter certeza, considerado o que sempre aconteceu, que todos e quaisquer acordos continuarão a fracassar.
Por que os EUA pagam pelo apoio de elementos NEONAZIS na Ucrânia? |
O “movimento” Maidan continuará, como até aqui, a servir-se dos “acordos” para ganhar algum tempo para reorganizar-se e preparar o próximo ataque. Foi precisamente o que aconteceu em todos os “acordos” que Yanukovich fez com os líderes do “movimento” Maidan antes do golpe, inclusive no acordo chave de 21/2/2014, da véspera do golpe. Foi o que aconteceu no cessar-fogo firmado em maio passado (5/2014). Foi o que aconteceu também no cessar-fogo assinado dia 5/9/2014 em Minsk.
Considerados os repetidos e consistentes fracassos das potências ocidentais nos esforços para obrigar Kiev a respeitar os compromissos que assume, é difícil crer que os russos ainda acreditem em promessas ou em “garantias” que governos ocidentais lhes deem de que, no futuro, tudo será diferente.
E assim sendo, é difícil acreditar que algum acordo duradouro ainda seja possível. Queiram os líderes ocidentais aceitar os fatos, ou mesmo que não aceitem, o comportamento deles no passado implica que já praticamente não podem esperar da boa-vontade e da confiança dos russos – e a causa disso não está em Moscou.
O fato de que Merkel e Hollande estão voando rumo a Moscou é sinal de o quanto a situação da Ucrânia tornou-se crítica. Absolutamente não é sinal de que o fim do conflito esteja próximo.
Os obstáculos são imensos, no caminho até a paz. O mais provável é que o que quer que venha a acontecer seja resultado de guerra. Seja o que for, não será decidido por concessões que líderes ocidentais estejam preparados para fazer. No momento, simplesmente não há sinais promissores.
[*] Alexander Mercouris, ex político grego, especialista em Direito Internacional e Relações Internacionais. Articulista mundialmente reconhecido com especial interesse em leis, principalmente na legislação da Rússia e analista dos aspectos legais da espionagem da NSA − National Security Agency e sobre os eventos na Ucrânia, em termos de Direitos Humanos e a inconstitucionalidade do Golpe de Estado ucraniano. Trabalhou por 12 anos nas Royal Courts of Justice, em Londres, como advogado. Sua família tem se destacado na política grega por várias gerações. Atua frequentemente como comentarista de TV e conferencista em várias universidades pelo mundo. Reside em Londres.
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