15/2/2015, Entrevista com [*] Michael Hudson − The Real News Network, TRNN
Traduzido da transcrição pelo
pessoal da Vila Vudu
Ler também:
8/9/2014, redecastorphoto: FMI:
empréstimos de Nova Guerra Fria à Ucrânia
[Comentário de Naked Capitalism: Aqui fala Yves. Ucrânia está entrando num dos programas do
FMI em condições ainda piores que as da Grécia com os vários empréstimos que
recebeu da Troika em 2010. E pode-se ver no que deu, no caso da Grécia,
tomar mais empréstimos quando já se está super endividado. Além disso, essa
entrevista com Michael Hudson mostra claramente que o empréstimo para a Ucrânia
está alucinadamente fora de tudo que se conhece como “regras do FMI”. Assim se
vê, crua e dolorosamente, que esse “resgate” nada é além de injeção de meios
para que o governo ucraniano possa continuar a fazer guerra, sem nem pensar em
desenvolvimento econômico].
E o Brasil dos anos FHC-Malan esteve em
situação igualmente terrível. Fomos salvos do FMI pelos governos
Lula-Dilma [vide NOTA IMPORTANTE, abaixo (NTs)]
SHARMINI PERIES, Produtora Executiva, TRNN:
Bem-vindos ao Michael Hudson Report na The Real News Network. Sou
Sharmini Peries, falando com vocês de Baltimore.
Foi acertado um cessar-fogo no leste da
Ucrânia, depois de uma maratona que durou uma noite inteira, 17 horas de
negociações entre o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, e o Presidente da
Ucrânia, Petro Poroshenko. Acompanharam a discussão dois líderes europeus, como
uma espécie de ‘'público qualificado'’. (...) Para falar sobre isso, está conosco
hoje o professor Michael Hudson. Obrigada, Michael, por nos receber.
MICHAEL HUDSON: Obrigado
pelo convite.
PERIES: Em recente entrevista publicada em The
National Interest, você disse que a maior parte da imprensa-empresa cobre a
Rússia como se fosse a maior ameaça contra a Ucrânia. Mas que a história sugere
que o FMI pode ser ameaça muito mais terrível. O que você quis dizer com isso?
HUDSON: Em
primeiro lugar, os termos sob os quais o FMI faz empréstimos exigem muito arrocho (...)
[ATENÇÃO: No original, austerity (port.
“austeridade”, mas em campo semântico completamente diferente e com a carga
moral positiva que lhe dão os liberais, reforçada pela incansável repetição na
imprensa-empresa de propaganda contra governos democráticos; “arrocho” (port.)
significa exatamente a mesma coisa que “austeridade”, mas sem acrescentar os
traços semânticos traços moralmente positivos que os liberais acrescentam em
“austeridade”; e com os traços negativos, de coisa não desejável, que lhe dão
as classes trabalhadoras, por exemplo nas expressões, “programas de arrocho [de
salários e de direitos dos que trabalham] (NTs)]
(...) e o
fim de todos os subsídios públicos. A população ucraniana já está
economicamente devastada. As condições que o programa do FMI impôs para fazer
empréstimos à Ucrânia é que o país pague as próprias dívidas. Mas o país não
conseguirá pagar. Assim sendo, só há um meio para que consiga pagar, e é o
mesmo meio que o FMI disse à Grécia e a outros países que usassem: que liquidem
todo e qualquer bem que o país ainda possua; o que quer que ainda haja sob
controle do poder público; que crie sociedades em que se casem os milionários
ucranianos oligarcas e investidores norte-americanos ou europeus, de modo que
eles possam criar monopólios na Ucrânia e dedicar-se a extrair lucros da
miséria do país.
Esse é o
plano “de saque e voleio” mortal do FMI: concedem o empréstimo – a ser usado
para pagar os credores, de modo que, agora, o país passa a dever para eles,
para o FMI, entidade com a qual nenhuma dívida pode ser extinta ou perdoada.
Esse empréstimo é feito sob os termos da Ficção Reinante: que a Ucrânia
pode(ria) pagar a dívida externa com um excedente no orçamento doméstico, que
apareceria tão logo se cortassem gastos públicos e se aprofundasse ainda mais a
depressão.
Essa ideia
de que dívidas externas possam ser pagas com arrocho de salários e serviços
públicos foi contestada por Keynes nos anos 1920s, na discussão da reparação
alemã. (Devoto um capítulo a essa controvérsia em meu Trade, Development and Foreign Debt).
No século
XXI, já não há desculpas para cometer tal erro – a menos que seja erro “planejado”,
deliberado, plano feito para fracassar, quando então o FMI pode dizer que “aconteceu”,
culpa de ninguém e surpresa para todos, que o seu tal “programa de
estabilização” desestabilizou, em vez de estabilizar, mais uma economia.
O preço por
seguir essa economia−droga é pago sempre pela vítima, não pelo distribuidor da
substância viciante. É item importante na estratégia do FMI de “culpe a
vítima”.
Então, vem
a segunda parte do golpe “saque e voleio” do FMI. É quando dizem:
Ora... Vocês não podem pagar o que
emprestamos?! Sentimos muito que nossas previsões para o caso de vocês tenham
sido tão erradas. Mas... vocês têm de achar um modo de nos pagar. Vão ter de
vender tudo o que ainda esteja em mãos do estado endividado...
O FMI erra,
no caso da Ucrânia, ano após ano, praticamente tanto quanto sempre errou no
caso da Irlanda e da Grécia. As suas “receitas” são as mesmas que devastaram as
economias do 3º Mundo a partir dos anos 1970s. [vide NOTA IMPORTANTE].
Assim, o
problema agora é o que a Ucrânia terá de vender em liquidação para pagar a
dívida que tem com o FMI e o Banco Central Europeu – e dívida que não para de crescer,
porque também não para a guerra [inventada pelo “ocidente”] que já devastou a
economia ucraniana.
Um dos
valiosos bens ucranianos que muito interessam aos investidores estrangeiros é a
preciosa terra ucraniana agricultável. A empresa Monsanto vem comprando – de
fato, arrendando, porque há leis na Ucrânia que ainda impedem a venda de terra
agricultável a estrangeiros. De fato, é lei muito semelhante à que o Financial
Times noticiou que a Austrália quer ver aprovada, para impedir que empresas
chinesas e norte-americanas comprem terra no país.
O FMI
também insiste que países devedores desmontem toda e qualquer legislação ou
regulação que haja contra investimentos estrangeiros, e todas e quaisquer
regulações de proteção ao meio ambiente e de proteção ao interesse dos
consumidores.
Significa
que está sendo assada, para ser enfiada goela abaixo da Ucrânia, mais uma
política neoliberal que, com certeza absoluta, só agravará ainda mais a
situação.
Nesse
sentido, se pode dizer que finança é guerra. Finança é a nova modalidade de
guerra, em que nações beligerantes usam a finança e liquidações forçadas, num
novo tipo de campo de batalha. Nada disso jamais ajudará a Ucrânia. Só levará a
nova crise, adiante, e muito muito depressa.
PERIES: Michael, examinemos com mais cuidado
toda essa crise (...).
HUDSON: Quando
Kiev foi à guerra contra o Leste da (então) Ucrânia, combateu contra,
basicamente, a região de minas de carvão e área de exportações. 38% das
exportações da Ucrânia viajam diretamente para a Rússia. Grande parte dessa
capacidade de exportação foi bombardeada e já não existe. Além disso, as
empresas de eletricidade, que fornecem energia elétrica para as minas também
foram bombardeadas. Significa que a Ucrânia já não produz carvão, sequer, para
abastecer o próprio país.
O mais
espantoso é que há apenas poucas semanas, dia 28/1/2015, Christine Lagarde,
chefe do FMI, disse que o FMI não concede empréstimos a países em guerra, que
seria financiar um lado ou o outro dos combatentes... Ora! A Ucrânia está
envolvida numa guerra civil. A grande questão é, portanto, quando, afinal, o
FMI começará a liberar o empréstimo que está sendo discutido [O “cessar-fogo” firmado ontem (11’2’2015) pode
ter algo a ver com “não haver guerra” formal na Ucrânia... (NTs)].
O FMI
tampouco “pode” emprestar para países insolventes. Assim sendo, como, afinal, a
Ucrânia seria candidata viável a empréstimos se, (1) está em guerra; e (2)
é insolvente?
A única
solução é a Ucrânia pagar o que deve a alguns investidores. O que significa
muitos investidores de hedge funds de especulação, muito contrariados. O
[jornal] Financial Times de
hoje publicou matéria em que mostra que só um investidor norte-americano,
Michael Hasenstab, é proprietário de US$ 7 bilhões da dívida da Ucrânia e
contava especular com ela, além do Templeton
Global Bond Fund.
Como a
Ucrânia lidará com os especuladores? E então, por fim, como o FMI lidará com o
fato de que o fundo soberano da Rússia emprestou 3 bilhões de Euros à Ucrânia
sob condições duríssimas mediante o acordo de Londres, e dívida que não pode
ser extinta por acordo? Será que o FMI insistirá em que a Rússia sofra o mesmo
tratamento que os fundos hedge de especuladores? Todas essas questões se
acumularão num tipo de conflito que exigirá muito mais esforço, até, que o que
vimos no campo de batalha militar, em dias recentes.
PERIES: Assim sendo, como a Ucrânia imagina
que consiga sair dessa crise?
HUDSON: O mais
provável é que a Ucrânia viva num universo paralelo, num mundo imaginário no
qual conseguiria sair da crise com o ocidente dando US$ 50 bilhões ao país e
dizendo, olhem bem, aqui está todo o dinheiro de que precisam, gastem como bem
entenderem. É delírio. É até onde vai a imaginação, a fantasia. O país está
vivendo num mundo fantasiado. Mas há, bem real, nessa fantasia, que há algumas
semanas George
Soros escreveu na New York Review of Books e conclamou o Congresso e “o Ocidente” a
dar US$ 50 bilhões à Ucrânia e considerar como adiantamento para os militares
ou para usar contra a Rússia. OK, Kiev respondeu imediatamente, sim, só
gastaremos em armamento de defesa. Defenderemos a Ucrânia daqui até a Sibéria e
varreremos do percurso todos os russos que surjam.
Não demorou
e hoje o Financial Times em editorial já disse que, sim, deem, sim, à
Ucrânia os US$ 50 bilhões que George Soros pediu. Temos de garantir que tenham
dinheiro suficiente para combater, pelos EUA, a nova Guerra Fria contra a
Rússia.
Mas os
europeus continentais não estão gostando...
Calma lá! No fim, por esse plano de vocês,
não haverá mais ucranianos para lutarem. A guerra respingará para a Polônia e
outros pontos, porque, se o dinheiro dado à Ucrânia for, de fato, para a finalidade
que buscam o governo Obama/ Soros/ Hillary [é
tooooooooooodo o lobby sionista! (NTs)] – fazer guerra contra a Rússia.
Não há dúvidas de que a Rússia dirá:
OK, se estamos sendo atacados por soldados estrangeiros, somos
obrigados a bombardear não só os soldados que chegam, mas também os aeroportos
de onde partem, e estações de trem... Nossa defesa será estendida sobre
território europeu.
Parece que
já começam a surgir notícias confiáveis de que Putin disse à Europa; vocês têm
dois caminhos:
Caminho 1: Europa, Alemanha e Rússia podem constituir
área de alta prosperidade. As matérias primas da Rússia, com a tecnologia
europeia, e seremos uma das áreas mais prósperas do mundo.
Ou,
Caminho 2: Façam guerra contra a Rússia e a Rússia pode
acabar com vocês. É só escolher, e não há “terceira via”.
PERIES: Michael, muito obrigado por nos
receber.
HUDSON: Sempre bom falar com vocês, Sharmini.
[*] Michael Hudson (nascido em 1939, Chicago, Illinois, EUA) é pesquisador emérito e
professor de Economia da Universidade do Missouri, em Kansas City. e
pesquisador associado do Bard College. É ex-analista e consultor em Wall
Street; presidente do “Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de
Longo Termo” (Institute for the Study of
Long-term Economic Trends - ISLET) e um membro-fundador da “Conferência
Internacional de Pesquisadores de Economias do Antigo Oriente Próximo” (International Scholars Conference on Ancient
Near Eastern Economies - (ISCANEE).
Seus dois livros mais
recentes são The Bubble and Beyond e Finance Capitalism and its Discontents. O próximo
livro tem o título de Killing the Host:
How Financial Parasites and Debt Bondage Destroy the Global Economy.
NOTA IMPORTANTE:
O Brasil, no governo FHC e com Malan no Ministério
da Fazenda, chegou a dever 400% do que poderia retirar por empréstimo do FMI:
[Em 2015] comemoram-se
13 anos da última vez que o Brasil tomou empréstimos do Fundo Monetário Internacional.
Na gestão do Ministro Pedro Malan, na Fazenda, no governo Fernando Henrique, a
dupla anunciou oficialmente em 8 de agosto de 2002, que havia acabado de
assinar um pacote de US$ 30 bilhões de empréstimo junto ao Fundo. Não fora a
primeira vez naquela administração. Em 11 de novembro de 1998, também com
FHC-Malan, o Brasil fechou um acordo para poder sacar do Fundo o bagatela de
US$ 20 bilhões nos três subsequentes à assinatura.
Outros
US$ 32 bilhões ficaram disponíveis para serem sacados no ano de 1999. Marcado
para ser encerrado em novembro de 2001, o acordo com o FMI foi prorrogado pelo
governo às vésperas de seu encerramento. Assim, o País tomou emprestado mais
US$ 15 bilhões, pagando juros de 4,5% ao ano por 25% desse dinheiro, e fortes
7,5% pelo restante. Àquela altura, o Brasil já lançava mão de uma soma
equivalente a 400% de sua cota no próprio FMI.
Ainda
assim, todos os empréstimos do Fundo se mostraram, para a equipe econômica,
insuficientes para garantir estabilidade econômica ao País. Em junho de 2002,
por exemplo, houve um saque de US$ 10 bilhões junto ao Fundo, além de ser
estabelecida uma redução de garantias de reservas a serem apresentadas pelo
Brasil. O mínimo de US$ 20 bilhões em caixa para tomar empréstimos foi reduzido
para US$ 15 bilhões para facilitar novas operações. A dependência dos recursos
do Fundo estava explícita.
Em
agosto de 2002, uma última linha de crédito foi tomada, de US$ 30 bilhões,
completando a terceira ida do País ao FMI nos dois anos de gestão de FHC na
Presidência e de Pedro Malan na Fazenda. A obtenção desse dinheiro foi
apresentada como uma necessidade em razão da volatilidade ampliada pela disputa
eleitoral daquele ano, entre Lula, do PT, e José Serra, do PSDB. Logo após a
assinatura, o Brasil precisou fazer novo saque bilionário.
No
governo Lula, logo em abril, o Brasil pagou US$ 4,2 bilhões ao FMI, adiantando
a parcela de quitação dos recursos tomados no ano anterior. Depois desse
movimento, o País não precisou recorrer novamente ao Fundo. Atualmente, Brasil
já emprestou US$ 10 bilhões ao fundo e exibe reservas internacionais acima de
US$ 379 bilhões. [8/8/2012, Pragmatismo
Político].
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