11/2/2015, [*] F. William Engdahl, New Eastern Outlook, NEO
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Merkel e Hollande conversam via intérpretes |
Em 1949,
Washington criou uma coisa chamada OTAN, Organização do Tratado do Atlântico
Norte, para fundir firmemente a Europa Ocidental na própria massa das políticas
futuras de Washington, por mais destrutivas que se viessem e venham a
comprovar-se contra os interesses genuínos de Alemanha, França, Itália e outras
nações europeias. Em 1986, as 12 nações da então Comunidade Econômica Europeia
modificaram o Tratado de Roma de 1957 e
assinaram o AEU−Ato Europeu Único [orig. SEA−Single European Act]. Esse AEU
ordenava que se criasse um único mercado da Comunidade Econômica Europeia ao
final de 1992 e definia as regras para a Cooperação Política Europeia,
antecessora da Política de Segurança Externa Comum da União Europeia [orig. European
Union’s Common Foreign and Security Policy].
Então, dia
9/11/1989, um evento de dimensão histórica interveio para atrapalhar a
estratégia da Comunidade Econômica Europeia para criar um mercado único. A URSS
de Gorbachev entregou, rendida ao ocidente, a República Democrática Alemã [no
Brasil conhecida como “Alemanha Oriental”]. A Guerra Fria estava acabada de
facto. A Alemanha seria unificada. Aparentemente, o ocidente vencera a
guerra. Muitos europeus festejavam. Muitos acreditaram que estariam acabadas
para sempre aquelas décadas de viver sempre a um passo de uma guerra nuclear. A
Europa emergente parecia orgulhosa, confiante no futuro.
A OTAN foi
a entidade criada por Washington, nas palavras do primeiro Secretário-Geral,
Lord Ismay, para “manter os russos fora, os norte-americanos dentro, e a
Alemanha por baixo”.
Pilar de Defesa Europeia ou a OTAN dos EUA?
O Tratado
de Maastricht, documento com falhas e brechas fatais, foi apresentado numa
reunião da Comunidade Econômica Europeia, em dezembro de 1991. Um Helmut Kohl
chocado foi informado por Mitterand da França e Tatcher da Grã-Bretanha de que
tinha de concordar com a criação de uma única moeda para controlar o Bundesbank.
Daí nasceria o Euro e um Banco Central Europeu supranacional e independente.
Foi chantagem, a precondição para que eles aceitassem a unificação da Alemanha.
Os alemães engoliram em seco e assinaram.
Assinatura do Tratado de Maastricht (7/2/1992) |
O que foi
pouco discutido naquele momento foi que o Tratado de Maastricht também incluía
uma sessão que obrigava que se constituísse, pela primeira vez, uma Política de
Segurança Externa Comum. As 12 nações assinaram o tratado e estavam em
andamento intensas discussões para estabelecer um pilar de defesa europeia
independente da OTAN. Com o colapso da União Soviética, desaparecera a raison
d’être da OTAN. O Pacto de Varsóvia acabara. Washington garantira a
Gorbachev que a OTAN jamais seria estendida na direção leste.
Bush destrói o Pilar de Defesa da União Europeia
George H.
Bush é homem que deixou, de sua passagem pelo poder dos EUA, um legado que
pinga sangue, desde seus primeiros anos em Washington – e o qual provavelmente
incluiu a participação chave de um agente da CIA em Dallas Texas, dia
22/11/1963, no assassinato de JFK. Bush-pai foi diretor da CIA nos anos 1970s,
o que incluiu empurrar Saddam Hussein para que ocupasse o Kuwait em 1990, para
gerar um pretexto para a sangrenta “Operação Tempestade no Deserto” contra o
Iraque.
Na
presidência, Bush-pai também pôs em movimento eventos que resultariam na
destruição da Iugoslávia, iniciada nos anos 1990 – em processo muito parecido
ao que se vê hoje, com Washington destruindo a Ucrânia.
O objetivo
central da guerra induzida pelos EUA que varreu os Bálcãs durante uma década
era deixar perfeitamente claro para as nações da União Europeia que a OTAN, sob
controle do Pentágono−EUA, permaneceria onde estava e, além disso, avançaria na
direção leste. Bush-pai usou a guerra na Iugoslávia para destruir a nascente
ameaça de qualquer capacidade de defesa independente dentro da União Europeia –
o chamado Pilar de Defesa da União Europeia.
Como
conselheiro do Presidente dos EUA e fundador da Comissão Trilateral, Zbigniew
Brzezinski descreveu sem meias palavras o modo como Washington via a Alemanha:
não passava de estado “vassalo” do poder imperial dos EUA; não era nação
soberana.
Zbigniew Brzezinski |
Em 1999,
Hungria, Polônia e República Tcheca foram oficialmente convidadas em Washington
a unir-se à OTAN, enquanto o desmembramento da Iugoslávia estava sendo coroado
pelo Presidente Bill Clinton, que desavergonhadamente e ilegalmente bombardeava
a Sérvia, na chamada “Guerra do Kosovo”, aquele ano, com a ainda mais desavergonhada
participação do Ministro de Relações Exteriores da Alemanha, filho do carniceiro
da Hungria, Joschka Fischer.
Em 2004,
Washington já estava chegando festivamente com a OTAN à Bulgária, Estônia, Letônia,
Lituânia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia. Também estava secretamente preparando
as, hoje, já infames “Guerras Coloridas”, de fato, golpes de estado na Georgia
e na Ucrânia, que poriam no poder os candidatos que EUA escolheram a dedo: o
corrupto Viktor Yushchenko em Kiev, na chamada “Revolução Cor-de-Laranja”; e
Mikhail Saakashvili, na chamada “Revolução Cor-de-Rosa” na Geórgia. Os dois
presidentes prometeram unir-se à OTAN, como parte da campanha eleitoral.
Quase
ninguém se surpreendeu quando, em 2007, como Secretário da Defesa dos EUA, Don
Rumsfeld anunciou que o Pentágono instalaria equipamentos para lançamento de
mísseis balísticos na Polônia e na República Checa, voltados contra a Rússia.
Moscou já dava sinais de grave incômodo com a presença da OTAN em seu perímetro
estratégico – a tal aliança militar que, na prática, só fizera levar a única
potência mundial até as portas de Moscou.
Uma intervenção germano-franco-ucraniana
Quando os Ministros
de Relações Exteriores de Alemanha e França intervieram, num esforço de último
minuto para construir algum acordo em Kiev, dia 21/2/2014, para evitar uma
guerra civil, eles explicitada e claramente deixaram de fora uma das partes
interessadas nas conversações: o governo dos EUA. E obtiveram um compromisso,
que durou menos de 48 horas, até que atiradores apoiados pela CIA, em Kiev,
mataram a sangue frio manifestantes desarmados na Praça Maidan, geraram pânico
e desencadearam tumultos que obrigaram o presidente eleito (ponto que a
versão em alemão da imprensa-empresa insistentemente omite do “noticiário”)
Viktor Yanukovich, a fugir e esconder-se para não ser assassinado.
Victoria Nuland |
Dia
seguinte, o governo Obama, liderado por Victoria “Foda-se a UE” Nuland; pelo Embaixador
dos EUA, Geoffrey Pyatt e com legiões de agentes da CIA dentro dos protestos da
Praça Maidan, instalaram no poder o seu próprio fantoche, servindo-se, como
tropas de assalto, dos neonazistas dos partidos Setor Direita e Svoboda. George
Friedman, diretor de Stratfor, think-tank de consultoria estratégica que
presta serviços ao Pentágono e à CIA, e também a agências israelenses, disse em
entrevista a Russian Kommersant, em dezembro, que o golpe de estado
montado pelos EUA na Ucrânia foi “o mais descarado golpe de estado de toda a história”.
Quando
Washington cuspiu na cara não só da Alemanha e França e União Europeia, mas
também na cara da Rússia e da própria Ucrânia, ao determinar quem governaria o
novo regime do golpe em Kiev, a ser chefiado pelo inefável, alto-comendador da
Cientologia, Arseniy Yatsenyuk, a Alemanha e França engoliram em seco. Mas se
agacharam e obedeceram aos falcões que governam o governo Obama em Washington.
A UE aprovou unanimemente sanções ordenadas pelos EUA, repetidamente, contra a
Rússia, depois do referendo de março-2014, sobre a Crimeia. A indústria alemã
protestou abertamente. Mas o governo de Merkel agachou-se à frente da OTAN e de
Washington, e a economia alemã começou a afundar-se em recessão, assim como o
resto da União Europeia.
No momento,
está acontecendo algo absolutamente raro. França e Alemanha estão outra vez
desafiando abertamente a Washington de Obama. Na noite de 4/2/2015, Merkel e o
Presidente francês Hollande rapidamente decidiram voar até Moscou para
reunir-se com o Presidente Putin. O objetivo, como disse o porta-voz de Putin
era que:
(...) líderes dos três estados discutirão o que
especificamente os países podem fazer para contribuir para acelerar o fim da
guerra no sudeste da Ucrânia, que escalou nos últimos dias e resultou
em muitas mortes.
A parte
mais interessante da viagem às pressas é que chefes vassalos de estados
vassalos, Angela Merkel e François Hollande, não pediram permissão a
Washington, a acreditar-se no que informam fontes francesas. Ao anunciar a
viagem espontânea a Moscou, Hollande disse à imprensa que:
(...) com Angela Merkel, decidimos tomar uma nova iniciativa.
Poroshenko e Kerry em Kiev - 5/2/2015 |
Ainda mais
interessante, a “nova iniciativa” deles acontecia bem quando o Secretário de
Estado dos EUA, John Kerry, estava em Kiev, reunido com o Presidente
Poroschenko, discutindo possíveis entregas de armamento dos EUA a Kiev – o tipo
de “diplomacia” que Washington tem preferido a todos os demais, nos últimos
tempos. As conversas em Moscou entre Putin, Merkel e Hollande, como se sabe,
aconteceram na sequência de conversações “secretas” entre Paris, Berlin e Moscou.
No início
de dezembro, Hollande fez uma visita surpresa a Moscou para falar com Putin
sobre a Ucrânia. Naquele momento, o presidente francês declarou:
Creio que temos de evitar mais e mais “muros”
a nos separar. Nesse momento, temos de ser capazes de superar os obstáculos e
encontrar soluções.
Washington
absolutamente não gostou. Há fortes suspeitas em alguns círculos de que o
ataque de falsa bandeira (orig. false
flag attack), dia 7/1/2015, contra o semanário francês Charlie Hebdo
tenha sido a resposta do bloco-da-guerra Washington-Telavive, contra a
diplomacia de Hollande.
O recente
movimento diplomático franco-alemão coincide com a estadia de John Kerry, em
Kiev, para discutir armamento norte-americano a ser entregue na Ucrânia.
Vincent Jauvert |
O
jornalista Vincent Jauvert, do Nouvel Observateur, diz que:
(...) a repentina decisão de Hollande e Merkel, de
falar com Putin em Moscou, aparece como tentativa para sair à frente dos
norte-americanos, que tentam impor a solução deles aos demais países
ocidentais: transferir mais armas para os neonazistas na Ucrânia.
Lembra que:
(...) os dois líderes foram a Kiev imediatamente
depois de Kerry, como se “não confiassem no governo dos EUA”, para
“apresentarem a solução diplomática de Alemanha e França, antes que o
vice-presidente dos EUA Joe Biden apresentasse o plano dos EUA de enviar
armamento letal a Kiev, na Conferência de Segurança de Munique no sábado”.
As próximas
semanas serão claramente decisivas para a paz mundial. Para parodiar uma velha
canção que eu cantava na minha infância, a Ponte Atlântica está caindo, está
caindo, está caindo... Cantar com a
melodia de London Bridge is
falling down; vídeo a seguir:
É tempo de
construir-se ponte nova, estável, no lugar da velha, mas não é solução que virá
da mensagem de Joe Biden à Conferência de Segurança de Munique.
[*] Frederick William Engdahl é jornalista, conferencista e consultor para riscos estratégicos. É graduado em política pela Princeton University; autor consagrado e especialista em questões energéticas e geopolítica da revista online New Eastern Outlook.
Nascido em Minneapolis, Minnesota, Estados Unidos, é filho de F. William Engdahl e Ruth Aalund (nascida Rishoff). F.W. Engdahl cresceu no Texas, e depois de se formar em engenharia e jurisprudência na Princeton University em 1966 (bacharelado), e pós-graduação em economia comparativa da University of Stockholm 1969-1970. Trabalhou como economista e jornalista free-lance em Nova York e na Europa. Começou a escrever sobre política do petróleo, com o primeiro choque do petróleo na década de 1970. Tem sido colaborador de longa data do movimento LaRouche.
Seu primeiro livro foi A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order, onde discute os papéis de Zbigniew Brzezinski, de George Ball e dos EUA na derrubada do xá do Irã em 1979, que se destinava a manipular os preços do petróleo e impedir a expansão soviética. Engdahl afirma que Brzezinski e Ball usaram o modelo de balcanização do mundo islâmico proposto por Bernard Lewis.Em 2007, completou seu livro Seeds of Destruction: The Hidden Agenda of Genetic Manipulation. Seu último livro foi: Gods of Money: Wall Street and the Death of the American Century (2010).
Engdahl é autor frequente do sítio do Centre for Research on Globalization. É casado desde 1987 e vive há mais de duas décadas perto de Frankfurt am Main, na Alemanha.
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